Efeitos colaterais de antidepressivos e antipsicóticos e prescrição personalizada

Os efeitos colaterais das medicações antidepressivas e antipsicóticas são bem conhecidos na prática clínica – aproximadamente 75% dos pacientes apresentam ao menos um efeito colateral. A presença dos efeitos adversos muitas vezes leva a uma adesão terapêutica ruim e recaída do transtorno mental, sendo uma importante barreira para o tratamento de transtornos mentais.  

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Na prática clínica, as decisões que precisam ser tomadas quanto aos efeitos colaterais são complexas, abarcando os efeitos colaterais de múltiplas intervenções associados às preferências dos pacientes.  

Pillinger et al. realizaram uma revisão guarda-chuva de metanálises prévias que compararam e classificaram os antidepressivos ou antipsicóticos com base na intensidade dos efeitos colaterais em adultos e a partir desse dado construíram um bando de dados de efeitos colaterais para antipsicóticos e outro para antidepressivos. A partir daí criaram um aplicativo que combina as bases de dados de efeitos colaterais e a eficácia com as preferências dos pacientes, de modo a facilitar decisões clínicas personalizadas e baseadas em evidência.   

antidepressivos e efeitos colaterais

Métodos 

Para permitir comparações entre grande número de medicações, efeitos colaterais comuns em antipsicóticos e antidepressivos, conforme definidos em guidelines foram escolhidos. Efeitos colaterais considerados específicos da clozapina (miocardite e agranulocitose) não foram incluídos. Para reduzir heterogeneidade, somente meta-análises de ensaios clínicos randomizados avaliando o uso de antidepressivos ou antipsicóticos em monoterapia para o tratamento de depressão ou esquizofrenia, respectivamente, foram incluídos.

As medicações precisavam ter ainda um comparador comum entre elas. Estudos com população maior de 18 anos e em inglês foram selecionados. Guidelines com classificações ordinais para os efeitos colaterais das medicações também foram incluídos.  

Uma segunda revisão guarda-chuva foi feita considerando a eficácia dos antidepressivos e antipsicóticos em monoterapia no tratamento da depressão e esquizofrenia, respectivamente.  

Um aplicativo para a web, disponível online e compatível com o uso em desktop e dispositivos móveis foi criado, com duas ferramentas distintas, uma para antidepressivos e outra para antipsicóticos. Nele, o usuário pode selecionar o peso relativo de cada efeito colateral ajustando uma barra móvel que varia entre os polos menor e maior preocupação.

A síntese dos dados dos efeitos colaterais das medicações com as preferências do usuário é realizada utilizando o método (algoritmo) TOPSIS (technique for order of preference by similarity to
ideal solution) 

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Resultados e Discussão 

Um total de 14 estudos constituindo 68 meta-análises de efeitos colaterais individuais e 6 guidelines preencheram os critérios de inclusão. 

Para antipsicóticos, 13 estudos contemplando 58 meta-análises abarcando 18 efeitos colaterais e 4 guidelines abarcando 19 efeitos colaterais foram incluídos. Após a seleção dos estudos, considerando aqueles com maior número de medicações, restaram 11 metanálises de 32 antipsicóticos, com 6.5594 pacientes de 38 países.

Assim, 14 efeitos colaterais foram incluídos: parkinsonismo, acatisia, distonia, discinesia tardia, alteração na prolactina, aumento do QTc, efeitos colaterais anticolinérgicos, alteração no triglicerídeos, mudanças no colesterol total, mudanças na glicemia, hipotensão (incluindo ortostática) e convulsão. Foram entendidos como o mesmo grupo de efeitos colaterais: uso de medicações antiparkinsonianas e tremor; sonolência e sedação; acatisia, parkinsonismo e efeitos colaterais extrapiramidais. 

Na metanálise, percebeu-se consistentemente que alguns grupos de antipsicóticos estavam mais associados a determinados efeitos colaterais. Aripiprazol, brexpiprazol, cariprazina, lurasidona e ziprasidona são associadas a menor risco de ganho de peso e alterações metabólicas, mas tendem a apresentar mais acatisia. Medicações mais antigas como haloperidol, fluopentixol, zuclopentixol, flufenazina e pimozida apresentam mais risco de parkinsonismo e hiperprolactinemia, mas menos ganho de peso.

Clorpromazina, flupentixol, haloperidol, amisulprida, risperidona e paliperidona apresentam risco aumentado de hiperprolactinemia. Olanzapina, clozapina, quetiapina e zotepina têm maior risco entre as medicações para ganho de peso e desregulações metabólicas, sedação e efeitos colaterais anticolinérgicos, mas menos efeitos colaterais do movimento e hiperprolactinemia.  

Para os antidepressivos, somente um estudo avaliando terapia de manutenção e três guidelines foram incluídos. Informações sobre 9 efeitos colaterais (prolongamento de QTc, hipotensão (incluindo ortostática), insônia ou agitação, sedação, efeitos colaterais anticolinérgicos, gastrointestinais, disfunção sexual, ganho de peso e hiponatremia) de 37 medicações foram extraídas. Inibidores seletivos de recaptação de serotonina foram largamente associados com efeitos colaterais sexuais e gastrointestinais e alto risco de hiponatremia, mas baixo risco de efeitos anticolinérgicos e sedativos. Risco de prolongamento de QTc foi maior para citalopram e menor para sertralina.

Antidepressivos tricíclicos foram associados a ganho de peso, sedação, hipotensão ortostática, disfunção sexual e efeitos colaterais anticolinérgicos e a pouco risco de insônia, agitação e efeitos colaterais gastrointestinais. Clomipramina e doxepina entre os tricíclicos possuem o maior risco de prolongamento de QTc. Inibidores de recaptação de serotonina e noradrenalina são associados com maior risco de hiponatremina e efeitos colaterais gastrointestinais e sexuais. Mirtazapina foi associada à maior sedação e ao ganho de peso, mas perfil benigno para outros efeitos colaterais.  

A ferramenta online Psymatik Treatment Optimizer (https://www.psymatik.com/) conta com um menu de efeitos colaterais (14 para antipsicóticos e 9 para antidepressivos), sem limite para adição de efeitos colaterais, que são avaliados em uma escala de 0 a 100 quanto à preocupação com sua ocorrência. O resultado aparece em uma tabela classificatória do melhor para o pior tratamento considerando sua eficácia. 

A base de dados de efeitos colaterais será atualizada periodicamente à medida que novas evidências surjam. Avaliação qualitativa da funcionalidade da ferramenta também será feita.   

Limitações 

  • Falta de dados sobre efeitos colaterais (ex.: hipertensão, TVP) para medicações.  
  • Somente uma meta-análise examinando efeitos colaterais em antidepressivos foi encontrada e ela avaliava efeitos de longo prazo, enquanto alguns sintomas como insônia e efeitos colaterais gastrointestinais são sabidamente efeitos de introdução que tendem a diminuir de intensidade com o passar do tempo.  
  • Muitos guidelines usam poucas categorias de risco (leve, moderado, grave) dificultando diferenciação entre as medicações.  
  • O risco e magnitude dos efeitos colaterais muitas vezes é mediado pelas doses e o uso de doses maiores em ensaios clínicos mais antigos podem induzir vieses na análise. 
  • Efeitos colaterais mais comuns foram privilegiados, mas alguns efeitos colaterais graves como síndrome neuroléptica maligna, síndrome serotoninérgica e agranulocitose não foram avaliados.  
  • A versão atual não conta com opção de sexo, idade, etnia que podem estar associados aos efeitos colaterais, bem como não considera influência das doses, do estilo de vida e da presença de polifarmácia.

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Impactos para a prática clínica 

  • A ferramenta online Psymatik Treatment Optimizer (https://www.psymatik.com/) facilita tomadas de decisões personalizadas e baseadas em evidências, ajudando em situações em que múltiplos efeitos colaterais precisam ser ponderados simultaneamente.  
  • O resultado é fornecido de forma visual, facilitando a compreensão por médicos e pacientes.  
  • A ideia da ferramenta não é ditar diretamente as decisões clínicas, mas facilitar discussões e ponderações sobre o tratamento adequado.  

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Autor

Médica pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Residência em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP). Mestranda em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP). Psiquiatra Assistente do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP).

Referências bibliográficas:
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  • Pillinger T, Howes OD, Correll CU, Leucht S, Huhn M, Schneider-Thoma J, Gaughran F, Jauhar S, McGuire PK, Taylor DM, Young AH, McCutcheon RA. Antidepressant and antipsychotic side-effects and personalised prescribing: a systematic review and digital tool development. Lancet Psychiatry. 2023 Nov;10(11):860-876. DOI: 10.1016/S2215-0366(23)00262-6. Epub 2023 Sep 26. PMID: 37774723. 


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