A cirurgia de amigdalectomia em adultos apresenta um pós-operatório bastante doloroso pelo período de aproximadamente quatro dias. Os pacientes adultos submetidos a esse procedimento relatam dores intensas e incapacitantes que não cedem aos analgésicos orais comumente utilizados e até o momento não existe uma analgesia baseada em evidências que seja efetiva. Os opioides mais fracos tem sido utilizados, mas com pouca efetividade e ainda não se tem evidências sobre o uso de opioides mais potentes para esses casos específicos.
A analgesia intravenosa controlada pelo paciente (AICP), tem se mostrado muito eficaz em cirurgias de grande porte, no quesito de excelente controle da dor no pós-operatório, e permanece restrita aos pacientes que continuam com dor intensa e não responsiva ao tratamento oral.
Esse estudo específico visa avaliar se o uso de morfina de forma intravenosa, controlada pelo paciente, seria um bom aliado para a terapia analgésica pós-operatória em casos de amigdalectomia.
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Uso de morfina intravenosa no pós-operatório de amigdalectomia
Estudo
O estudo foi realizado no Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade de Cologne, na Alemanha, com 60 pacientes internados para a realização de amigdalectomia bilateral no período de setembro de 2016 a novembro de 2018. Os critérios de escolha foram: pacientes acima de 18 anos, ASA I-III, com IMC >18.5Kg/m2, que seriam submetidos a amigdalectomia bilateral devido a consecutivos casos de amigdalite de repetição. Os critérios de exclusão foram baseados em história pregressa de dependência de uso de opioides, casos de carcinoma de amigdala, doenças do sistema nervoso central e história de apneia obstrutiva do sono. Os pacientes foram observados durante algumas horas no período pós-operatório imediato, e aqueles que apresentaram queda de saturação de oxigênio foram excluídos do estudo.
Todas as cirurgias foram realizadas com a mesma técnica cirúrgica e os pacientes foram submetidos a anestesia geral e induzidos com Propofol na dose de 2 a 3 mg/Kg, Fentanil na dose de 2 a 3 mcg/Kg, e manutenção com Sevorane e oxigênio. Bolus de Fentanil eram administrados durante o procedimento, caso necessário. Em casos de infecção foi administrado antibioticoterapia específica.
Os pacientes foram divididos em dois grupos (30-30) no pós-operatório, sendo o primeiro grupo administrado somente medicação analgésica oral de acordo com o protocolo da instituição e o segundo grupo, submetido a medicação analgésica do protocolo e AICP. A AICP foi administrada por três dias consecutivos em uma solução de 100 ml com 1mg/ml de morfina, infundida em bolus de 1mg com um tempo de lockout de 5 minutos e com um máximo de 30 mg no período de 4 horas.
A medicação analgésica oral de acordo com o protocolo da instituição era dipirona na dose de 750 mg via oral 4 vezes ao dia e Ibuprofeno na dose de 600 mg via oral 3 vezes ao dia, ambos de forma regular, em todos os pacientes, e medicação de resgate dependendo do grau de dor, sendo: Tramadol 100 mg via oral e Morfina 20 mg via oral de forma SOS.
A análise primária foi definida como a intensidade máxima de dor no período de três dias e as análises secundárias basearam-se em tolerância a dor, qualidade de vida, satisfação pessoal e aparecimento de efeitos colaterais.
Resultados
Opioide oral foi administrado em 22 pacientes do grupo 1 (73,3%) e em todos os 30 pacientes do grupo 2 (100%), consequentemente o consumo de opioides no grupo 2 foi consideravelmente maior que o grupo 1, em torno de duas vezes mais.
A intensidade da dor foi estatisticamente similar em ambos os grupos no primeiro e segundo dia, sendo que no terceiro dia, os pacientes do grupo 2 apresentaram uma tolerância significativamente maior a dor.
Em relação aos efeitos colaterais, os pacientes do grupo 2 queixaram-se de mais constipação que os pacientes do grupo 1, sendo que outros efeitos colaterais como náuseas e vômitos, fadiga, alterações do sono, vertigem e dificuldade de concentração, mostraram-se iguais em ambos os grupos.
E em ambos os grupos o nível de satisfação pessoal com a terapia analgésica implementada foi satisfatória.
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Conclusão
O estudo em questão demonstrou que a intensidade máxima de dor não apresentou diferença significativa entre os dois grupos e que o grupo submetido a AICP necessitou de doses extras de opioide oral nos dois primeiros dias de pós-operatório, da mesma forma que o grupo 1, fazendo com que o grupo 2 utilizasse o dobro da dose de opioide usualmente fornecida.
Apesar do uso de AICP ser indicado em pós-operatório de cirurgias que promovam dor de intensidade severa e ser bastante eficaz, o uso de AICP em pós-operatório de amigdalectomia, mostrou-se fraco em relação a sua efetividade, talvez pelo fato da origem da dor nesses casos ainda ser desconhecida, sendo talvez devido a processos inflamatórios e/ou neuropático, com algum componente álgico independente da ação de opioide.
Em relação a satisfação pessoal da terapêutica administrada, ambos os grupos se mostraram satisfeitos, tornando a via oral tão significativa quanto a venosa, porém menos dispendiosa e mais simples.
Portanto, o uso de morfina via endovenosa em pacientes adultos após amigdalectomia não se mostrou superior ao protocolo usual com analgésicos não opioides regulares e opioides por via oral de forma intermitente, evidenciando que o uso de opioide não acarreta melhora da analgesia pós operatória nesses pacientes.
Maiores estudos em relação ao tipo de dor pós amigdalectomia com consequente desenvolvimento de terapia analgésica com morfina para esse tipo de dor, se faz urgentemente necessário, pois, em adultos, essa cirurgia continua sendo de grande potência álgica comprometendo o período pós-operatório imediato.
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Autor
Graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) ⦁ Pós-Graduação em Anestesiologia pelo Ministério da Educação (MEC) ⦁ Pós-Graduação em Anestesiologia pelo Centro de Especialização e Treinamento da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (CET/SBA) ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) ⦁ Ênfase em cirurgias de trauma e emergência, obstetrícia, plástica estética reconstrutiva e reparadora e procedimentos endoscópicos ⦁ Experiência em trauma e cirurgias de emergência de grande porte, como ortopedia, vascular e neurocirurgia ⦁ Experiência em treinamento acadêmico e liderança de grupos em ambiente cirúrgico hospitalar ⦁ Orientadora acadêmica junto à classe de residentes em Anestesiologia ⦁ Orientadora e auxiliar em palestras regionais e internacionais na área de Anestesiologia.
- Gostian M, Loeser J, Bentley T, Wolber P, Schwarz D, Balk M, Gostian AO. Analgesia after tonsillectomy with controlled intravenous morphine – overdue or exaggerated? Braz J Otorhinolaryngol. 2023 Jan-Feb;89(1):48-53. DOI: 10.1016/j.bjorl.2021.08.002