Sinusite aguda na infância deve ser tratada com antibiótico?

A sinusite aguda e as infecções de vias aéreas superiores (IVAS) de etiologia viral têm manifestações clínicas semelhantes, o que pode dificultar o diagnóstico acurado e levar ao uso excessivo de antimicrobianos. Com este problema em mente, pesquisadores dos Estados Unidos realizaram um estudo clínico randomizado duplo-cego controlado por placebo com o objetivo de buscar preditores que identifiquem quais crianças têm maiores chances de se beneficiar de tratamento antimicrobiano.

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Sinusite aguda na infância deve ser tratada com antibiótico

Metodologia

Durante 6 anos, entre fevereiro de 2016 e abril de 2022, foram recrutadas crianças americanas de 6 instituições primárias de saúde. Os pacientes incluídos deveriam ter entre 2 e 11 anos de idade e ter sido diagnósticos com sinusite aguda a partir dos critérios clínicos de definição na doença pela Academia Americana de Pediatria (AAP):

  • Sintomas persistentes:
    • Presença de sintomas nasais, como coriza e obstrução nasal e/ou tosse.
    • Duração de 11-30 dias sem sinais de melhora.
  • Sintomas evoluindo com piora:
    • Presença de sintomas nasais, como coriza e obstrução nasal e/ou tosse.
    • História de melhora inicial seguida de piora dos sintomas nasais, tosse diurna ou início de febre entre 6 e 10 dias do início da doença em crianças que pareciam estar se recuperando.

Crianças com sinusite aguda grave (secreção nasal purulenta associada a febre > 39 °C por 3 ou mais dias), com outra infecção concomitante ou com comorbidades como fibrose cística, imunodeficiência e discinesia ciliar, foram excluídos.

As crianças participantes foram estratificadas em subgrupos a partir da presença ou ausência de secreção nasal purulenta e foram divididas para que recebessem amoxicilina + clavulanato na dose de 90 mg/kg/dia de amoxicilina em duas doses diárias ou placebo.  Os responsáveis pela criança foram instruídos a preencher diariamente um formulário eletrônico para acompanhamento dos sintomas.

A qualquer momento, caso os pais demonstrassem preocupação ou a criança apresentasse manifestações compatíveis com falha terapêutica, o paciente seria avaliado presencialmente por um médico envolvido no estudo e decisões clínicas subsequentes seriam tomadas sem comprometer o mascaramento.

Os pesquisadores também procederam com coleta de material para cultura para bactérias (P. pneumoniae, M. catarrhalis e H. influenzae).

Resultados

Foram atendidas 2.923 crianças no período, sendo randomizados 510 pacientes que preenchiam os critérios de inclusão. A maior parte destas crianças tinha entre 2 e 5 anos de idade, apresentava sintomas há mais de 10 dias (apresentação persistente) e não tinha história de rinite alérgica ou asma.

Através das culturas, os pesquisadores foram capazes de identificar crescimento bacteriano em 71% das amostras. Havia história de secreção nasal purulenta em 67% dos pacientes, não sendo identificada correlação significativa entre coloração da secreção e crescimento bacteriano nas culturas. Os pesquisadores também realizaram uma análise exploratória metatranscriptômica que sugeriu que os maiores benefícios com o uso do antibiótico foram identificados nos pacientes colonizados por S. pneumoniae e H. influenzae, totalizando 47% dos pacientes.

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As crianças randomizadas para fazer uso de amoxicilina + clavulanato apresentaram redução significativa no incômodo gerado pelos sintomas. A mediana de tempo de melhora dos sintomas foi de 7 dias para os pacientes em uso do antibiótico versus 9 dias para as crianças em uso de placebo. Também foi observado que no grupo da amoxicilina + clavulanato, o risco de falha terapêutica ou complicações (otite média e necessidade de antibiótico venoso) foi significativamente menor.

Não foram descritos efeitos adversos importantes, mas diarreia ocorreu com maior frequência no grupo dos pacientes em uso de antibiótico (11,4% vs 4,7%).

Conclusões

Atualmente, existe uma grande preocupação com o uso indiscriminado de antibióticos, especialmente na faixa etária pediátrica. Embora o protocolo da AAP sobre diagnóstico e tratamento da sinusite aguda em crianças contemple a recomendação de observação clínica, grande parte dos médicos prescreve antibiótico imediatamente.

O estudo realizado sugere que a investigação de colonização bacteriana em nasofaringe, especialmente S. pneumoniae e H. influenzae, tem capacidade de predizer quais pacientes teriam maior benefício com o tratamento antimicrobiano e reduzir em até 53% o uso de antibiótico a partir do diagnóstico clínico da sinusite aguda.

Fatores dificultadores desta abordagem incluem a necessidade de realização de swab nasal em crianças pequenas, o que pode ser considerado invasivo para algumas famílias, e a disponibilidade dos testes, além do tempo para liberação dos resultados e a dinâmica de atendimento em serviço de urgência, o que prejudica a revisão da terapêutica.

A partir disso, os autores sugerem 4 possíveis abordagens nos quadros de sinusite aguda:

  • Tratamento presuntivo de todos os pacientes;
  • Tratamento presuntivo e realização de cultura de nasofaringe, suspendendo o antibiótico em caso de resultado negativo-Realização de cultura e indicação de antibiótico apenas nos pacientes positivos;
  • Abordagem expectante.

Destaca-se ainda que a presença ou ausência de secreção nasal purulenta não tem a capacidade de identificar as crianças que poderiam ou não se beneficiar de antibiótico.

Comentários

O estudo traz uma abordagem interessante e com potencial capacidade de reduzir em até 50% o uso de antibióticos em pacientes pediátricos com sinusite.

Considerando que, após o fim do isolamento social que ocorreu no contexto da pandemia da covid-19, parece ter havido um grande aumento de IVAS de etiologia viral na população infantil e que esses quadros por vezes se sobrepõem, dificultando ainda mais o diagnóstico clínico da sinusite bacteriana, a estratégia sugerida pelos autores é bastante animadora.

Infelizmente, por questões logísticas, de tempo de resultado e disponibilidade desses testes, será difícil o uso abrangente dessa abordagem, especialmente no contexto dos serviços de pronto-atendimento. No entanto, no que tange o atendimento ambulatorial, a coleta de cultura de nasofaringe para embasamento terapêutico pode ser não apenas viável, mas bastante proveitosa.

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Autor

Graduada em Medicina pela Universidade Estácio de Sá (UNESA) • Residência médica em Pediatria pelo Hospital Universitário Pedro Ernesto (UERJ) • Residência médica em Alergia e Imunologia Pediátrica no Instituto Fernandes Figueira (IFF/FIOCRUZ) • Mestra em Saúde Materno-Infantil (IFF/FIOCRUZ) • Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) • Membro do grupo de análise de sequenciamento genético de doenças raras (IFF/FIOCRUZ) • Preceptora da residência médica de Alergia e Imunologia Infantil do Instituto Fernandes Figueira (IFF/FIOCRUZ) • Consultora de amamentação • Instagram: @barbarareis.pediatra

Referências bibliográficas:
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  • Shaikh N, Hoberman A, Shope TR, et al. Identifying children likely to benefit from antibiotics for acute sinusitis. JAMA. 2023;330(4):349. DOI: 10.1001/jama.2023.10854


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