Síndrome compartimental da perna sadia: uma complicação rara e grave

A Síndrome Compartimental da Perna Sadia (SCPS) é uma complicação rara, porém devastadora, e ocorre em pacientes sem comorbidades a nível de membros inferiores. Está relacionada a posição do paciente, em cirurgias de longa duração, principalmente de abdome e pelve, onde a posição de litotomia e cefalodeclive é muito utilizada.

A síndrome foi reconhecida em 1953, porém o primeiro caso foi relatado em 1881 por Richard Van Wolkmann, que descreveu a presença de mionecrose e contratura muscular em um braço devido a uma isquemia prolongada.  

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A Síndrome Compartimental da Perna Sadia apresenta uma incidência de 0,2%. Apesar de rara, pode ser fatal, caso o diagnóstico e tratamento não sejam realizados de forma imediata. Além disso, pode ocorrer em qualquer paciente, de qualquer faixa etária, sendo mais comuns em jovens, por apresentarem uma densidade muscular maior. 

A fisiopatologia da SCPS está relacionada a um aumento da pressão tecidual, intracompartimental do membro, ocasionada por uma hipoperfusão prolongada da região com uma pressão aumentada nos compartimentos musculares e em alguns casos agravada por complicações inerentes à reperfusão do membro que sofreu a isquemia.   

Alguns fatores como posição, compressão, hipotensão, tempo prolongado, entre outros, promove uma pressão dentro da fáscia muscular que excede a pressão de perfusão, levando à isquemia do membro afetado, sendo que esse membro não apresenta nenhuma lesão prévia. A posição de litotomia, favorece ao aumento dessa pressão, o que é piorado com o cefalodeclive. 

Quando ocorre a isquemia local, as células da região começam a trabalhar em anaerobiose, liberando substâncias tóxicas como lactato. Somado a isso, temos a hipóxia do tecido endotelial e o aumento do aporte de fluido e plasma para o espaço intersticial, levando a um edema que piora a pressão compartimental. 

A lesão de reperfusão ocorre quando esse membro é reposicionado, devido a liberação de radicais livres e mediadores vasoativos nesse momento, lesando o endotélio e piorando o extravasamento de fluido para o espaço intersticial, agravando o edema compartimental. 

Essa síndrome difere da Síndrome Compartimental Aguda, que ocorre em membros lesionados por algum trauma. Esse trauma irá desencadear um processo de edema, lesão tecidual direta, inflamação e isquemia local, levando à isquemia dos tecidos da região. 

Em ambas as situações, a circulação tecidual do membro fica comprometida, lesando os músculos e nervos. 

síndrome compartimental da perna sadia

Apresentação clínica

Durante o procedimento, é possível em determinadas situaçõs que se note sinais de isquemia local do membro, como edema, palpação endurecida da região, palidez cutânea e diminuição da temperatura local. 

Na maioria das vezes, o paciente apresenta dor de forte intensidade, incapacitante, que não cede com analgésicos, logo após o fim do procedimento ou fim do bloqueio espinhal onde permaneceu em posição de litotomia por um tempo prolongado, acima de quatro horas. Além disso, pode ocorrer paresia e alterações motoras com piora a movimentação do membro. 

Como fatores de risco podemos citar além do tipo de cirurgia e posição do paciente na mesa cirúrgica, pacientes jovens pela maior massa muscular, obesidade, doenças vasculares que diminuem a vascularização, tempo de procedimento superior a 4 horas e uso de compressores nos membros inferiores. 

Algumas patologias como trombose venosa profunda e embolia pulmonar podem ser classificadas como diagnóstico diferencial em casos de Síndrome Compartimental da Perna Sadia. 

Diagnóstico

O diagnóstico é baseado no quadro clínico apresentado pelo paciente que foi submetido a uma cirurgia abdominal ou pélvica de longa duração em posição de litotomia.  

Podemos também realizar a medida da pressão dos compartimentos, porém esse método não é realizado de rotina, sendo reservado para os casos de pacientes com bloqueio espinhal remanescente, sedados ou ainda em uso de potentes analgésicos. 

Quando realizada, a medida deve ser tomada nos quatro compartimentos e bilateralmente e somente quando todos os compartimentos apresentam uma pressão abaixo de 30mmHg, é considerada negativa. Se apenas um compartimento apresentar pressão superior a 30mmHg, já é suficiente para um diagnóstico positivo. 

Atualmente o parâmetro mais utilizado e mais fidedigno é o cálculo do Delta P que corresponde a diferença de pressão entre a pressão compartimental e a pressão diastólica do paciente. 

Exames laboratoriais vão apresentar alterações apenas em uma fase mais tardia, onde o paciente já se encontra em um estado grave e às vezes fora de possibilidade terapêutica. 

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Tratamento

O melhor tratamento para a SCPS é a prevenção. Como procedimentos preventivos, o profissional anestesista deve estar em perfeita harmonia com a equipe cirúrgica para possíveis manipulações do paciente durante o procedimento. Entre eles podemos citar o melhor posicionamento do paciente na mesa cirúrgica com atenção especial à proteção das partes ósseas, evitar o uso de compressores pneumáticos, evitar hipotensão durante o procedimento, evitar restrição de fluidos e se o procedimento exceder quatro horas, deve-se retornar o membro do paciente até a altura do átrio e permanecer nessa posição por 15 minutos, para só depois recolocá-los em posição cirúrgica.  

Porém, o único tratamento disponível para a Síndrome Compartimental da Perna Sadia é o tratamento cirúrgico. Assim que o diagnóstico for estabelecido, deve-se encaminhar imediatamente o paciente ao centro cirúrgico para realização de uma fasciotomia dos quatro compartimentos dos membros afetados. O paciente deve ser encaminhado à unidade fechada para completa monitorização de seus sistemas e deve ser revisto em um intervalo de 48 a 72 horas a fim de se realizar o controle das feridas da fasciotomia e realização de possíveis desbridamentos caso necessário. As feridas da fasciotomia fecham-se por segunda intenção. 

Apesar de rara, essa síndrome é potencialmente fatal e seu diagnóstico deve ser prontamente realizado, assim como seu tratamento e sempre levar em consideração que qualquer paciente, independente de idade, raça, sexo ou etnia podem desenvolver tal complicação, estar ciente da existência da síndrome e capacitado a realizar o diagnóstico é essencial para um desfecho favorável da situação. 

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Autor

Graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) ⦁ Pós-Graduação em Anestesiologia pelo Ministério da Educação (MEC) ⦁ Pós-Graduação em Anestesiologia pelo Centro de Especialização e Treinamento da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (CET/SBA) ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) ⦁ Ênfase em cirurgias de trauma e emergência, obstetrícia, plástica estética reconstrutiva e reparadora e procedimentos endoscópicos ⦁ Experiência em trauma e cirurgias de emergência de grande porte, como ortopedia, vascular e neurocirurgia ⦁ Experiência em treinamento acadêmico e liderança de grupos em ambiente cirúrgico hospitalar ⦁ Orientadora acadêmica junto à classe de residentes em Anestesiologia ⦁ Orientadora e auxiliar em palestras regionais e internacionais na área de Anestesiologia.

Referências bibliográficas:
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  • Nester M, Borrelli J Jr. Well Leg Compartment Syndrome: Pathophysiology, Prevention, and Treatment. J Clin Med. 2022 Oct 31;11(21):6448. 


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