O cotidiano da residência médica cria uma grande demanda física e mental para o médico. Turnos de ambulatório, plantões fixos, visitas de enfermarias e outras diversas atividades, tornam a gestão de tempo do residente em um bem muito precioso.
Nessa agenda diária, muitas vezes com pouco espaço livre, um item se destaca como merecedor de atenção e de doação de uma parcela generosa de tempo, que é a rotina de estudos.
Criar uma rotina de estudos não é algo fácil, implica não só organização e gestão do tempo, mas também a criação de hábitos e estratégias para otimizar esse processo, facilitando o aprendizado.
Nesse texto vou ilustrar pontos de destaque que podem nortear a criação do hábito e rotina de estudos, facilitando o ganho teórico da residência e consequentemente uma melhor prática médica.
Criar uma rotina diária
A formação de um hábito demanda esforço e perseverança, no processo de estudos e aprendizado não é algo diferente. Programar um horário diário para estudar um tema novo, revisar um assunto discutido no dia ou se atualizar com um novo artigo, é algo fundamental para que um hábito de estudo seja criado.
Isso facilita vencer aqueles dias onde o cansaço tende a falar mais alto, mas mesmo assim precisa dar conta de um tema para não acumular (embora uma lista de tópicos para estudar na residência cresça diariamente).
Importante ressaltar que esse horário diário não deve servir para resolver todas as demandas reprimidas, e assim sobrecarregar outras atividades, antes deve ser encarado como uma gestão guiada do tempo, facilitando que o estudo seja harmonioso e organizado de acordo com as prioridades.
Por onde estudar?
Outra dúvida que sempre aparece quando um tópico vai ser estudado, qual o melhor caminho para o aprendizado?
Ler um capítulo de um livro ou um artigo de revisão? Assistir uma aula de um bom curso? Escutar um bom podcast?
Não existe uma resposta única, uma vez que cada assunto pode demandar um aprofundamento que às vezes só é alcançado em um artigo especializado, outras vezes demandará uma revisão prévia no livro de conceitos de fisiologia para que realmente seja entendida a fisiopatologia da doença estudada.
O mais importante é entender que esse processo é dinâmico, sempre tendo em mente que as fontes devem ser bem escolhidas, baseadas na qualidade técnica e também na realidade de tempo disponível.
Um exemplo do meu cotidiano é usar um tempo diário para escutar os podcasts da Academia Americana de Neurologia (AAN), o que pode ser feito em um deslocamento pela cidade ou durante a prática de atividade física, já integrando o tempo de estudos na realidade prática.
Gerar significado para o assunto estudado
Um relato comum entre residentes e acadêmicos de medicina é a dificuldade de integrar o assunto estudado com a prática clínica.
Esse é um ponto muito interessante, me sentindo na obrigação de citar o grande William Osler com o clássico aforismo: “Estudar o fenômeno da doença sem livros é como navegar sem mapa, mas estudar em livros sem ver pacientes é como não navegar”.
Essa frase ilustra o que muitos sentem ao ressignificar seu processo de aprendizado com foco na atividade clínica diária, traçando paralelos do estudo teórico com o paciente visto na beira do leito. Momento em que a individualidade do paciente torna a doença, friamente descrita no livro, em um fenômeno singular, facilitando o entendimento da teoria e sua posterior abordagem prática.
Esse olhar diferenciado pode ser gerador de ânimo e interesse para o hábito de estudos, uma vez que ganha um sentimento especial e dotado de maior significado.
Sem dúvidas a observação de uma doença em um paciente real, facilita o entendimento dos conceitos e formas de apresentação das patologias, assim como o peso das condutas médicas no processo terapêutico.
Esforço em grupo
Seguir sozinho nessa caminhada não é a única opção, buscar apoio dos colegas da residência é uma ótima alternativa e pode facilitar bastante a rotina.
Não é raro grupos de residentes organizarem rodadas de estudos conjuntos, discutindo temas e artigos entre si. Algo que reforça a responsabilidade da atividade de aprendizado e propicia entender o tema por uma perspectiva diferente da própria.
Um tema pode ser abordado de diversas maneiras, com insights que variam de acordo com a experiência de cada um, algo que diversifica e valoriza o estudo em conjunto.
Além do mais, saber que precisa estudar um tema para uma atividade do grupo é um potencial estimulador para o foco e organização do estudo.
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Lidando com a atualização constante
O conhecimento médico atual se encontra em uma expansão nunca antes vista, com centenas de novos artigos sendo publicados diariamente.
Imaginar que é possível dar conta de toda essa rápida atualização é fantasioso e pode gerar um sentimento de frustração nos mais desavisados.
O ideal é tornar esse processo algo leve e inserido nas práticas de estudo do cotidiano, seja com tempo dedicado para a leitura de atualizações mais recentes de um determinado tema ou com a reflexão crítica de um novo ensaio clínico que testa uma nova medicação.
Os caminhos possíveis para isso também passam não só pelo estudo individual e focado, mas também com a busca de atividades de formação extracurriculares. Que vão desde congressos e simpósios, até cursos de curta duração, que além de disseminarem novidades e destaques de cada área médica, também propiciam um grande networking acadêmico.
Outro ponto é a participação em atividades teóricas da residência com esse perfil, contando com o apoio dos professores e sua experiência na condução dessas discussões. Na minha realidade na neurologia do Hospital Universitário Antônio Pedro, tenho a sorte de contar com esse ambiente favorável de discussão em atividades de discussão de artigos nos ambulatórios de especialidade e no clube de revista da clínica médica.
Contar com médicos dedicados e experientes para filtrar e guiar essa imensidão de atualizações e artigos científicos é algo muito valioso e facilitador do aprendizado.
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Mensagem final
Criar uma rotina de estudos durante a residência médica é uma oportunidade única para facilitar não só a formação na especialidade, mas também o hábito de estudo constante, fundamental para o amadurecimento médico e atualização constante.
Definir as prioridades e a forma de estudo passa pelo entendimento da preferência pessoal e da gestão do tempo diário, podendo usar facilitadores nesse processo, seja em um nível individual ou em grupo.
Além disso, gerar significado ao estudo teórico com a assistência médica e presença real com os pacientes é um grande diferencial, auxiliando no desenvolvimento amplo das competências técnicas, que crescem embasadas em um olhar fixo naqueles que são o foco de toda essa jornada de estudo e formação.
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