Reações adversas aos alimentos são definidas como reação anormal após a ingestão alimentar. As reações adversas alimentares incluem alergia imunomediada e intolerância não imunomediada. Porém, esses dois mecanismos patogenéticos são frequentemente confundidos.
De acordo com o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) dos Estados Unidos, alergia alimentar é “um efeito adverso à saúde decorrente de uma resposta imune específica que ocorre de forma reprodutível na exposição a um determinado alimento” e intolerância alimentar como “reações não imunes que incluem mecanismos metabólicos, tóxicos, farmacológicos e indefinidos”.
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Infelizmente, o termo “intolerância” tem sido frequentemente utilizado de forma abusiva para definir uma ampla gama de distúrbios relacionados com a ingestão de diferentes alimentos. Essa questão é tão preocupante que propuseram um teste de “sensibilidade alimentar” em que haveria a produção de imunoglobulinas IgG e um teste de pesquisa de IgG específico para vários alimentos que ajudaria no diagnóstico. Entretanto, não há qualquer estudo científico que comprove relação entre os níveis de IgG e as manifestações clínicas, e ainda nenhuma exclusão ou modificação dietética pode ser realizada em um teste positivo.
Dessa maneira, exames como o teste de IgG 221 alimentos devem ser proscritos. As reações adversas não imunológicas aos alimentos podem ser classificadas entre independentes do hospedeiro e dependentes do hospedeiro devido aos seus mecanismos fisiopatológicos.
Salicilatos (C6H4(OH)COO-R) são compostos orgânicos bioativos e ácidos fracos que atravessam as membranas celulares com facilidade. O derivado mais popular do ácido salicílico é o ácido acetilsalicílico, frequentemente utilizado como analgésico, antipirético, anti-inflamatório e até como anticoagulante. Os salicilatos também podem ser encontrados em alimentos, porém em menor quantidade. A ingestão alimentar de salicilatos é geralmente de 10–200 mg por dia, por outro lado uma única dose de aspirina pode conter 325–650 mg de salicilatos. Os salicilatos, incluindo o ácido acetilsalicílico, ocorrem naturalmente nos alimentos.
A tabela a seguir apresenta uma lista de alimentos ricos desse bioativo:
Frutas | passas, ameixa, damasco, amora, mirtilo, cereja, cranberry, uva, abacaxi, ameixa, laranja, morango e goiaba. |
Legumes | brócolis, pepino, quiabo, rabanete, abobrinha, agrião, broto de alfafa, berinjela, abóbora, batata doce, espinafre e alcachofra. |
Especiarias | curry, pimenta caiena, gengibre, canela, cravo, mostarda, cominho, orégano, pimentão, açafrão, páprica, tomilho e alecrim. |
Outras fontes | chá, rum, vinho, licores, vinagre, amêndoas, mel, goma de mascar, picles, azeitonas, corantes alimentares, aloe vera, alimentos industrializados que utilizam salicilatos como conservantes. |
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Intolerância alimentar aos salicilatos
A intolerância ao salicilato é um problema subestimado em nosso meio, uma vez que pacientes e até profissionais de saúde desconhecem a relação entre a ingestão de alimentos ricos em salicilatos e sintomas clínicos. Diferentemente dos efeitos da exposição ao ácido acetilsalicílico em asmáticos, que são frequentemente aventadas pelos médicos, essa intolerância está relacionada à geração e metabolismo alterados de ácido araquidônico e eicosanoides, e à ingestão de prostaglandinas e leucotrienos, salicilatos ou inibidores de COX.
Outra questão que deve ser considerada é o metabolismo do ácido acetilsalicílico, que é realizado pela UDP-glucuronosiltransferase 1A6, citocromo P4502C9 e N-acetil transferase 2. Normalmente, os salicilatos são metabolizados no fígado, entretanto se há alteração na função hepática, o risco de intolerância ao salicilato resta aumentado.
Diagnóstico
O diagnóstico clínico nem sempre é fácil de ser realizado, pois os sintomas podem ocorrer em várias condições patológicas e muitas vezes a anamnese não inclui a pesquisa da ingestão de alimentos ricos em salicilatos. Os sintomas mais comuns envolvem o trato respiratório. No entanto, outros sistemas também podem ser afetados. Os sintomas podem ser do trato respiratório (asma, rinite, sinusite), dermatológicos (urticária), do sistema nervoso (enxaqueca, tonteira, depressão e ansiedade e insônia) e do trato gastrintestinal (diarreia, flatulência, dor abdominal, colite).
Diagnóstico laboratorial
Embora a intolerância ao salicilato em medicamentos como a aspirina esteja bem estabelecida, faltam pesquisas que explorem a intolerância a alimentos ricos em salicilato.
Atualmente, não existem exames laboratoriais para diagnosticá-la. No entanto, certos testes podem ser usados para descartar alergias e outros tipos de intolerâncias. O teste padrão para intolerância ao salicilato a medicamentos é a exposição ou provocação, que envolve a administração de uma pequena quantidade de ácido salicílico e o monitoramento dos sintomas.
Tratamento
Como não existe tratamento medicamentoso, a terapêutica baseia-se em uma dieta com baixo teor de salicilatos, o problema é que essa dieta pode ser muito restritiva. Cortar desnecessariamente alimentos ricos nesses compostos pode ser prejudicial à saúde. Não podemos esquecer que os salicilatos são anti-inflamatórios. Foi comprovado que alimentos ricos neles reduzem o risco de doenças inflamatórias, como o câncer colorretal. Como a intolerância geralmente está relacionada à dose, o ideal é restringir apenas os alimentos que contêm maiores quantidades, já citados anteriormente.
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Considerações finais
A cada dia aumenta o número de pacientes que procuram assistência médica por queixas relacionadas a reações adversas a alimentos: alergias e intolerâncias alimentares. Infelizmente o diagnóstico diferencial com a intolerância ao salicilato normalmente nem é aventado. É fundamental que pacientes, médicos e nutricionistas conheçam essa entidade patológica para que a intolerância a salicilatos não seja subestimada. Após o correto diagnóstico clínico, o tratamento será dieta com restição de alimentos ricos em salicilato e também do ácido acetilsalicílico.
Também assina o texto: Adelia Carmen Silva de Jesus. Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia. Vice-presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia. Especialista em endoscopia pela Federação Brasileira de endoscopia.
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Autor
Graduação em Medicina pela UFMG em 1989 • Residência em Clínica Médica/Patologia Clínica pelo Hospital Sarah Kubistchek • Gastroenterologista pela Federação Brasileira de Gastroenterologia • Especialista em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein • Mestre e Doutora em Ciências com concentração em Patologia pela UFMG • Professora convidada do curso de pós graduação em Doenças Funcionais e Manometria pelo Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo e da Escola Brasileira de Osteopatia Belo Horizonte, Minas Gerais • Responsável pelo Setor de Motilidade da Clínica NUVEM BH • http://lattes.cnpq.br/0589625731703512
- Bartuzi, Marcelina, and Natalia Ukleja-Sokołowska. “Salicylate intolerance and modern diet.”
J Am Diet Assoc 2010Jun;1110(6):976.