Quais as novidades na abordagem da trombose venosa cerebral?

A trombose venosa cerebral (TVC) é uma rara apresentação do acidente vascular encefálico (AVC), respondendo por uma incidência de 12 casos por milhão de habitantes ao ano.  

A população pediátrica e as mulheres jovens (3: 1) são os grupos mais frequentemente acometidos, observando-se um pico de incidência na 4ª década de vida, embora tenha se identificado uma tendência de aumento entre os homens e idosos.  

Os principais fatores de risco incluem a gestação, exposição a contraceptivos orais, obesidade, infecções (COVID-19), imunizações (principalmente as vacinas que têm como vetor o adenovírus, expressando-se por meio da síndrome de trombocitopenia trombótica induzida por vacina ou, simplesmente, VITT), anemia e trombofilias.    

A maioria dos pacientes se apresenta com síndromes agudas ou subagudas, com destaque para a hipertensão intracraniana isolada, síndromes focais e encefalopatia. A cefaleia é o sintoma inicial mais frequente (90%) e até um quarto dos indivíduos evoluiu com deterioração neurológica na fase aguda.  

Os achados diretos à TC de crânio são de baixa sensibilidade: sinal do triângulo denso, sinal da corda ou hiperatenuação de seios venosos. A venografia por TC traz o desafio de diferenciar variações anatômicas mimetizadoras: atresia ou hipoplasia de seios ou granulações aracnóides proeminentes.  

As alterações no parênquima cerebral oscilam entre edema vasogênico leve, hemorragias justacorticais, veias perimedulares hipointensas e hemorragias parenquimatosas graves. Na ressonância magnética (RM) as áreas de restrição à difusão, diferentemente do que ocorre no core isquêmico dos eventos arteriais, podem ser reversíveis, sugerindo uma janela terapêutica mais longa.  

10 keypoints no manejo da Trombose Venosa Profunda, atualização e complementação de artigo publicado no Portal PEBMed em outubro de 2018.

 Prognóstico

O prognóstico está atrelado ao diagnóstico precoce e ao alcance da recanalização, ao menos parcial, nos primeiros 8 dias de anticoagulação terapêutica. Um biomarcador dinâmico promissor da recuperação da patência venosa é a queda dos níveis circulantes da metaloproteinase-9 na matriz (MMP-9). A ausência de recanalização, por sua vez, está associada a piores desfechos funcionais, aumento da incidência de cefaleia crônica e da taxa de recorrência da TVC.  

 Tratamentos

O tratamento durante a fase aguda segue pautado na anticoagulação parenteral com heparina de baixo peso molecular. O estudo SECRET avaliou a possibilidade de introdução imediata de rivaroxabana, mas no período de pré-randomização quase todos os pacientes foram pré-tratados com anticoagulação parenteral, com mediana de 4 dias.  

A cirurgia descompressiva, seja a hemicraniectomia ou drenagem de hematomas, são condutas incertas, mas potencialmente salvadoras de vida diante de herniação cerebral iminente, estando associadas a melhores desfechos funcionais em estudos retrospectivos e no DECOMPRESS-2. 

Em relação ao tratamento endovascular, seja a trombectomia mecânica ou a trombólise in situ, embora considerado promissor, apresentou dados neutros no único RCT que alocou 67 pacientes, mostrando a necessidade de refinamento dos critérios de inclusão em estudos futuros.  

A evidência para o emprego de DOACs na anticoagulação de longo prazo tem ganhado corpo a partir de dados dos estudos RESPECT CVT (Dabigatrana vs. varfarina), ACTION-CVT (DOACs vs. varfarina), EINSTEIN JF e SECRET (os dois últimos envolvendo a rivaroxabana). O compilado sugere que eles têm o potencial de eficácia dos antagonistas da vitamina K e tendência de menor incidência de complicações hemorrágicas.  

As diretrizes recomendam a anticoagulação por 3 a 12 meses entre os indivíduos que não apresentam indicação de anticoagulação de longo prazo. Entretanto, a evidência suportiva é de baixa qualidade e os dados do estudo EXCOA-CVT são aguardados (the benefit of extending oral anticoagulation after CVT). 

Orientações a passar

Os pacientes devem ser educados para que possam reconhecer precocemente os sinais e sintomas indicativos de recorrência, viabilizando a retomada do tratamento em tempo hábil. Em relação às mulheres em idade fértil com histórico de TVC, a heparina de baixo peso molecular deve ser considerada durante a gestação e puerpério.  

Nas últimas décadas a mortalidade da TVC tem declinado substancialmente, sendo de 5% na fase aguda e 10% em longo prazo, quando metade dos óbitos se relacionam a patologias de base, como as malignidades. Vários marcadores e ferramentas prognósticas encontram-se em desenvolvimento, mas ainda carecem de validação externa. Oitenta por cento dos paciente evoluem com escala de Rankin modificada de 0 ou 1. A cefaleia persistente, alterações neuropsiquiátricas e depressão são relatadas com frequência, de forma que até 40% dos indivíduos acometidos são incapazes de retomar a atividade laborativa basal. Outras consequências de longo prazo envolvem a amaurose, epilepsia, fístulas durais e recorrência de eventos trombóticos.  

Conclusão e mensagens práticas 

  • A trombose venosa cerebral (TVC) é uma condição rara, acometendo preferencialmente mulheres jovens e a população pediátrica.  
  • Os fatores de risco incluem a gestação, uso de anticoncepcionais orais, obesidade, anemia e trombofilia.  
  • As apresentações agudas e subagudas são majoritárias, com destaque para a hipertensão intracraniana, síndromes focais e encefalopatia. Noventa por cento dos pacientes relatam cefaleia.  
  • Os achados à neuroimagem são de baixa sensibilidade e limitada especificidade, trazendo desafios adicionais – ressaltamos a necessidade de prosseguir com venografia por TC ou RM em casos suspeitos.  
  • A anticoagulação parenteral com heparina de baixo peso molecular é recomendada na fase aguda. Na fase de manutenção, o emprego de DOACs (rivaroxabana e dabigatrana) tem ganhado cada vez mais evidências, com tempo de tratamento variável entre 3 a 12 meses na ausência de indicação de anticoagulação de longo prazo.  

Selecione o motivo:

Errado

Incompleto

Desatualizado

Confuso

Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Autor

Graduação em Medicina em 2013 pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Residência em Clínica Médica (2016) e Gastroenterologia (2018) pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG). Residência em Endoscopia digestiva pelo HU-UFJF (2019). Preceptor do Serviço de Medicina Interna do HU-UFJF (2019).

Referências bibliográficas:
Ícone de seta para baixo

  • Aguiar de Sousa D, Lucas Neto L. Advances in Cerebral Venous Thrombosis. Stroke. 2024 Mar 21. doi: 10.1161/STROKEAHA.123.044266. Epub ahead of print. PMID: 38511323. 


LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

- Advertisement -spot_img

ÚLTIMAS NOTÍCIAS