Principais novidades do Congresso Europeu de Cardiologia 2023

O último Congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia trouxe grandes novidades, tanto em relação a novos tratamentos, quanto em relação a esclarecimento de dúvidas da prática clínica, sendo que os resultados de boa parte dos estudos provavelmente terão impacto em nossa prática diária. Abaixo, seguem highlights de alguns dos assuntos mais interessantes.

Em relação aos novos tratamentos, tivemos 4 importantes estudos: STEP HFpEF, QUEST, ATTRIBUTE e ARAMIS.

O STEP HFpEF avaliou a utilização da semaglutida, agonista do receptor de GLP-1, em pacientes com obesidade  e insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (IFEP) e mostrou melhora significativa dos desfechos, que avaliaram sintomas, limitação física e capacidade funcional, além de percentual de perda de peso corporal. Pacientes que usaram a medicação tiveram menos eventos adversos graves que os do grupo placebo e isso ocorreu às custas de redução de eventos cardiovasculares. Esses resultados são animadores no que se refere à melhora de qualidade de vida no cenário de ICFEP associada a obesidade, mostrando que semaglutida 2,4 poderá ser uma opção terapêutica para esses pacientes.

Já o estudo QUEST avaliou uma nova medicação para pacientes com IC com fração de ejeção reduzida (FER). A medicação, chamada Qiliqiangxin, é um composto da medicina tradicional chinesa feita de 11 tipos de ervas. Estudo piloto e estudos pré-clínicos mostraram benefício da medicação na fibrose miocárdica e no remodelamento cardíaco, e o trial apresentado mostrou que, no seguimento de 18 meses, houve redução do desfecho primário de reinternação por piora de IC e morte cardiovascular.

Apesar dos resultados animadores, boa parte dos pacientes não estava com terapia para IC completamente otimizada e ainda não conhecemos os riscos da associação desta medicação com as já utilizadas de rotina.

O tratamento da amiloidose por transtirretina, que há alguns anos passou a ter uma opção terapêutica, o tafamidis, agora pode ter uma outra opção, o acoramidis. O estudo ATTRIBUTE testou esta medicação em relação ao tafamidis na cardiopatia amiloide por transtirretina sintomática em um estudo de fase 3 e mostrou também resultados animadores, com melhora da mortalidade, hospitalização por causas cardiovasculares e melhora no teste de caminhada de 6 minutos.

Por fim, o estudo ARAMIS testou o anakinra, antagonista do receptor de interleucina 1β, na miocardite aguda e mostrou que a medicação é segura, porém não reduziu complicações na população com miocardite aguda, com a ressalva de que a população do estudo era de baixo risco.

Alguns dos estudos tentaram responder perguntas da prática clínica e tivemos resultados interessantes dos que avaliaram anticoagulantes: o NOAH-AFNET comparou anticoagulação com edoxabana em pacientes com arritmias atriais frequentes, sem fibrilação atrial documentada, e mostrou que não há benefício na prevenção de eventos tromboembólicos nesta população, resultado de grande importância e que trará mudança de conduta, já que atualmente muitos médicos optam por anticoagular esses pacientes.

Já o estudo FRAIL-AF avaliou a troca de antagonistas de vitamina K (AVK) para um dos anticoagulantes orais diretos (DOAC) em idosos frágeis, e os resultados foram bem diferentes do esperado. Houve aumento de sangramento nos pacientes que tiveram o AVK trocado para um DOAC e esse aumento ocorreu a partir de 3 meses de seguimento. As causas para isso ainda não estão claras, porém este estudo nos deixa a mensagem de que se o idoso frágil está em uso de AVK, devemos mantê-lo.

No contexto da coronariopatia aguda, tivemos resultados interessantes do estudo FIRE, que também avaliou idosos. Os pacientes idosos com síndrome coronariana aguda e doença multiarterial tiveram benefício relevante do tratamento de todas as lesões consideradas importantes por avaliação funcional, comparado aos que trataram apenas a lesão culpada. Houve redução de 27% no desfecho primário de morte, IAM, AVC ou nova revascularização após 1 ano, sem aumento de eventos adversos.

Outros trabalhos na área de coronariopatias estudaram métodos de imagem, tomografia por coerência óptica (OCT) e o ultrassom intravascular (IVUS) para guiar a intervenção coronária percutânea (ICP). Esses métodos caracterizam melhor a placa aterosclerótica e auxiliam no procedimento de ICP.

O estudo LUMIEN IV comparou ICP guiada por OCT à guiada por angiografia e mostrou melhores resultados em relação a área mínima do stent (preditor de eventos) e da taxa de falência do vaso alvo em 2 anos, definida como morte cardíaca, IAM do vaso-alvo ou revascularização do vaso-alvo guiado por isquemia. Além disso, esses pacientes tiveram menos complicações angiográficas. Não houve diferença estatística em relação a morte e IAM.

O segundo estudo, o OCTOBER, avaliou ICP de bifurcações guiada por OCT de rotina comparado a angioplastia. Houve redução da taxa de morte, IAM do vaso-alvo e revascularização da lesão-alvo causada por isquemia em 2 anos no grupo guiado por OCT, com redução de risco de 30%, sendo que seu uso rotineiro deve ser recomendado.

Já o terceiro, OCTIVUS, foi um estudo de não inferioridade que comparou ICP guiada por OCT a IVUS e mostrou que a estratégia guiada por IVUS é não inferior à guiada por OCT, sendo os dois métodos considerados seguros, eficazes e semelhantes em curto e longo prazos.

Por fim, foi apresentada uma metanálise com estudos prévios mais o ILUMIEN IV e OCTOBER que comparou ICP guiada por imagem intravascular e angiografia e mostrou resultados melhores para ICP guiada, com redução de eventos nestes pacientes. Provavelmente o nível de recomendação da utilização desses exames deve ser elevado nas próximas diretrizes.

Esses foram alguns dos grandes estudos apresentados neste Congresso que trarão mudanças na prática clínica, tanto para a utilização de tecnologias e novos medicamentos nas situações, quanto para a suspensão de práticas para as quais agora temos algum grau de evidência.

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Autor

Editora de cardiologia do Portal PEBMED ⦁ Graduação em Medicina pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) ⦁ Residência em Clínica Médica pela UNIFESP ⦁ Residência em Cardiologia pelo Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) ⦁ Atualmente atuando nas áreas de terapia intensiva, cardiologia ambulatorial, enfermaria e em ensino médico.

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