Prevenção dos efeitos da exposição solar em crianças

Em épocas de altas temperaturas, uma maior exposição ao sol pode ocasionar sérias consequências à saúde de crianças, como insolação, queimaduras, envelhecimento precoce e câncer de pele – crianças são mais suscetíveis aos efeitos danosos da radiação ultravioleta (UV), que se manifestam mais tardiamente na fase adulta. Dessa forma, os cuidados em relação aos efeitos do sol e do calor excessivo devem ser redobrados.

exposição solar

Insolação

Após exposição excessiva ao sol, pode ocorrer insolação. É caracterizada pela presença de temperatura axilar elevada (igual ou superior a 39,5°C), na ausência de febre. A insolação pode ocorrer não apenas devido à exposição solar, mas também quando a criança não está devidamente protegida com o uso de filtro solar ou quando ela se encontra em um ambiente muito quente, sem o uso de roupas apropriadas e com baixa ingestão de líquidos e de alimentos.

As manifestações clínicas de insolação incluem irritabilidade, pele muito irritada pelo suor no pescoço e axilas, câimbras musculares, sensação de esgotamento físico, náuseas, vômitos, cefaleia, perda de consciência e desidratação.

Leia também: Diarreia aguda em crianças: principais recomendações para o tratamento

Diante de um quadro de insolação, é recomendado que a criança tome banho fresco e seja mantida hidratada em um ambiente arejado. Lactentes devem ser encorajados a sugar o seio materno e devem ficar sem roupa. Nesta situação, o uso de medicamentos antitérmicos não surte qualquer benefício. Em caso de apatia, a criança deve ser levada à Emergência.

Os parâmetros clínicos para avaliação do grau de desidratação estão dispostos no Quadro 1.

Quadro 1: Parâmetros clínicos para avaliação do grau de desidratação em crianças.

Parâmetros Desidratação leve Desidratação moderada Desidratação grave
Estado geral Bom Irritabilidade Prostração, agitação, torpor, coma
Sede Pouca ou normal Aumentada Intensa
Mucosas Levemente secas ou úmidas Secas Muito secas
Pele Turgor e elasticidade normais Turgor pastoso e elasticidade reduzida Pele fria, palidez, turgor e elasticidade muito reduzidos
Olhos Lacrimejamento reduzido Choro sem lágrimas, enoftalmia Enoftalmia acentuada
Fontanela Normal Deprimida Muito deprimida
Pulsos Cheios e com ritmo Finos e rápidos Muito finos, quase imperceptíveis
Frequência cardíaca Normal Aumentada Muito aumentada. Em casos muito graves, pode estar reduzida.
Enchimento capilar Até 3 segundos 3 a 5 segundos >5 segundos
Diurese Normal Reduzida, urina concentrada Oligúria
Respiração Normal Aumentada Hiperpneia
Plano terapêutico A B C

(Fonte: adaptado de Mattar & Mourão, 2017)

Os planos terapêuticos para desidratação aguda em crianças estão resumidos no Quadro 2.

Quadro 2: Planos terapêuticos para desidratação aguda em crianças.

Plano Conduta
A Aumentar a oferta de líquidos (água e sucos). Evitar refrigerantes, sucos artificiais e soro de hidratação para atletas. Corrigir erros dietéticos. Oferecer SRO de acordo com a aceitação do paciente, após cada episódio de vômito (ou diarreia).
BFase de reparação Pesar a criança.Avaliação do paciente a cada hora, observando sinais de desidratação, aumento do peso e diurese. SRO de acordo com a sede e a aceitação da criança, usando copo, colher ou mamadeira.Ambiente específico ou sala de HO. A criança deve ser hidratada em seis horas – se não houver melhora em três horas, dificilmente haverá melhora no tempo estabelecido. SRO por sonda nasogástrica: 15 a 30 mL/kg/h, se houver tolerância, ou HV.O uso da SRO pode induzir à êmese – portanto, vômitos não limitam o uso da HO. Antieméticos podem ser usados em dose única, em situações especiais, evitando HV.Após hidratação, a criança deve receber solução de hidratação e dieta habitual. O aleitamento materno não deve ser interrompido em nenhum momento.
Plano C Em situações em que a via oral está contraindicada: alteração do nível de consciência, íleo paralítico, desidratação grave, choque. Reparação ou expansão rápida da volemia: previamente, devem ser colhidos glicemia capilar, sódio, potássio e gasometria venosa. O paciente é considerado hidratado quando há duas micções claras e ausência de sinais clínicos de desidratação. Em pacientes com desidratação grave, deve ser administrada solução salina isotônica em bolus a 20 mL/kg, repetindo-se até que a perfusão esteja restaurada. Pacientes que necessitam de volumes superiores a 40 a 60 mL/kg devem ser avaliados para sinais de disfunção miocárdica e necessidade do uso de medicamentos vasoativos. Manutenção da volemia: cálculo do volume através da regra de Holliday-Seggar. Peso calórico:

  • Até 10 kg: 100kcal x peso em kg;
  • 10 a 20 kg: 1000kcal + 50 x (peso-10);
  • >20kg: 1500kcal +20 x (peso -20).

Necessidades para cada 100kcal/dia:

  • Água: 100mL;
  • Sódio: 3,0 mEq;
  • Potássio: 2,5 mEq;
  • Glicose: 8g.

No entanto, existem diversos trabalhos a respeito do risco elevado de hiponatremia com o uso de soluções hipotônicas. Mais informações podem ser acessadas aqui.

Legenda: HO – hidratação oral; HV – hidratação venosa; SRO – Soro de reidratação oral.

(Fonte: adaptado de Mattar & Mourão, 2017)

Queimaduras

As queimaduras podem ser classificadas da seguinte forma:

  • 1° grau: limitadas ao epitélio. São observados eritema, calor e dor, mas sem bolhas. Não ocasionam agressão fisiológica;
  • 2°grau: ocorre destruição da pele e de parte da epiderme. Os anexos cutâneos não são acometidos. Ocorre formação de bolhas. Podem ser subdivididas em: espessura parcial superficial ou profunda. As superficiais apresentam proteção a infecções e sua cicatrização ocorre em até 3 semanas;
  • 3° grau: há destruição de toda a derme, englobando os folículos pilosos e as terminações nervosas, sendo indolores. A resolução acontece por crescimento do epitélio a partir de margens da ferida ou por enxerto de pele;
  • 4°grau: são associadas a queimaduras elétricas de alta voltagem. Neste tipo de queimadura, ocorre extensão para a gordura subcutânea, fáscia muscular, músculo ou osso.

As queimaduras solares em crianças geralmente são de 1° e de 2° graus. Raramente há queimaduras solares de 3° grau em crianças maiores, mas pode ocorrer em lactentes. Quando a extensão da lesão é avaliada, devem ser consideradas as queimaduras de 2° e de 3° graus.

A hospitalização de crianças com queimaduras ocasionadas pela exposição ao sol é recomendada nas seguintes situações7:

• Presença de queimaduras de 2° grau em mais de 10% da superfície corpórea;
• Presença de queimaduras de 2° ou 3° graus em face, genitália e períneo;
• Presença de queimadura de 3° grau em mais de 5% da superfície corpórea;
• Carência de condições de tratamento domiciliar;
• Crianças com doenças crônicas de base ou lactentes jovens.

O pediatra deve orientar os pais para que tomem as seguintes medidas, antes de procurar atendimento médico:

  1. Retirar a roupa que cobre a área queimada. Caso a roupa esteja grudada na área queimada, deve-se lavar a região até que o tecido possa ser retirado delicadamente sem que aumente a lesão. Caso a roupa continue aderida à pele, deve ser cortada ao redor do ferimento;
  2. Adereços devem ser removidos, pois o edema se desenvolve rapidamente;
  3. A área queimada deve ser colocada debaixo de água fria (e não gelada). O resfriamento com água fria alivia a dor, limpa a lesão, impede o aprofundamento das queimaduras e reduz o edema;
  4. Compressas limpas e frias devem ser colocadas sobre a queimadura até que a dor desapareça. Não usar gelo;
  5. Não utilizar compressas úmidas por longo tempo em queimaduras extensas, pelo risco de hipotermia;
  6. A criança deve ser envolta com lençol limpo, agasalhos, e encaminhada para atendimento médico;
  7. Não furar as bolhas;
  8. Não passar nada na lesão: pomadas, produtos caseiros, como clara de ovo, banha de galinha, pasta de dente, pó de café e pimenta, por exemplo, porque não trazem nenhum benefício e ainda podem favorecer a ocorrência de complicações infecciosas;
  9. Analgésicos podem ser administrados;
  10. Hidratação oral com água e sucos para crianças conscientes e colaborativas com pequenas áreas queimadas. Aleitamento materno em lactentes conscientes;
  11. Reposição de líquidos e eletrólitos por via venosa em queimaduras extensas.

Veja também: Quiz: Teste seu conhecimento sobre o câncer de pele

Prevenção

Por ser o principal educador de bons hábitos de saúde, higiene e proteção durante a infância, é obrigação do pediatra orientar os responsáveis para que medidas de prevenção destas complicações sejam rigorosamente tomadas1:

  1.   Respeitar os horários de exposição solar.
    • Evitar a exposição solar, principalmente nos horários em que os raios solares são mais intensos, com predomínio de radiação UVB (entre 10h e 16h);
    • Uso de óculos de sol, roupas e acessórios com proteção UV. O uso apenas de sombrinhas ou de guarda sol não protege, porque a radiação pode atingir a pele através da reflexão dos raios na areia e no cimento;
    • Uso de filtro solar e protetor labial com fator de proteção solar (FPS) 15 ou mais, em especial quando a exposição solar é inevitável. O uso do filtro solar é indispensável a partir dos seis meses e deve ser apropriado para a pele da criança. A aplicação do filtro deve ser correta (no mínimo 30 minutos antes da exposição ao sol), pois o real fator de proteção varia com a espessura da camada de creme aplicada, com a frequência da aplicação, com a transpiração e com a exposição à água. Deve-se repetir a aplicação a cada duas horas e quando a criança fica muito tempo imersa na água do mar ou da piscina.
  2. Hidratação adequada, com a ingestão de água e sucos naturais, redobrando a atenção em relação à procedência destes líquidos;
  3. Oferecer sempre o seio materno aos lactentes que estejam com nível de consciência preservado;
  4. Consumo de alimentos leves, como legumes, frutas e verduras;
  5. Uso de roupas finas e claras;
  6. Maior frequência de banhos;
  7. Atividades leves;
  8. Permanecer em locais frescos e ventilados;
  9. Evitar permanecer muito tempo no interior de automóveis.

Todo cuidado é pouco. No entanto, seguindo as recomendações corretas, o pediatra e os pais ficam mais tranquilos e as crianças podem se divertir de forma saudável, protegendo-se dos efeitos da exposição solar excessiva.

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Autor

Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra

Referências bibliográficas:
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. Câncer de pele: causas, sintomas, tratamento, diagnóstico e prevenção. 2019. Disponível em: http://portalms.saude.gov.br/saude-de-a-z/cancer-de-pele. Acesso em: 20 de fev. 2019.

  • Medina, V. A insolação em crianças. 2014. Disponível em: https://br.guiainfantil.com/materias/saudea-insolacao-em-criancas/. Acesso em: 21 de fev. 2019.
  • Sociedade Brasileira de Pediatria. Médicos jogam luz sobre dúvidas comuns de pais e mães. 2015. Disponível em: http://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2015/11/vida-familia.png. Acesso em 21 de fev. 2019.
  • Mattar, A. P. L.; Mourão, L. F. Desidratação aguda na criança. In: Tratado de Pediatria da Sociedade Brasileira de Pediatria. Barueri, São Paulo: Editora Manole, 2017. Volume 1, Cap. 8, p.175-8.
  • Guimarães, F. M. F.; Abramovici, S. Queimaduras. In: Tratado de Pediatria da Sociedade Brasileira de Pediatria. Barueri, São Paulo: Editora Manole, 2017. Volume 1, Cap. 5, p.159-63.
  • Sociedade Brasileira de Pediatria. Queimaduras. 2014. Disponível em: http://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/queimaduras/. Acesso em: 21 de fev. 2019.
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