O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é o protótipo das doenças autoimunes sistêmicas. Apesar da redução nas taxas de letalidade, quando comparadas com as da década de 50, elas atingiram um platô desde os anos 90. Associado a isso, ocorreu um aumento na prevalência de comorbidades crônicas, como hipertensão, diabetes, dislipidemia, entre outras, que atualmente são os principais responsáveis pelas mortes nos pacientes portadores da doença.
Além disso, sabemos que o acúmulo de dano (lesões irreversíveis em órgãos importantes) provocado pela doença em si, seu tratamento e comorbidades impacta negativamente a sobrevida dos pacientes. Para cada ponto acumulado no índice de dano SLICC/ACR-DI (SDI), o risco de morte aumenta em 46% (RR 1,46, IC95% 0,18-0,81).
Nesse sentido, Figueroa-Parra et al. conduziram um estudo para avaliar a prevalência e incidência de multimorbidade nos pacientes com LES, bem como sua associação com o SDI.
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Presença de múltiplas comorbidades nos pacientes com lúpus eritematoso sistêmico
Métodos
O estudo foi elaborado utilizando dados do Lupus Midwest Network (LUMEN) – um ramo do Rochester Epidemiology Project (REP), que é um sistema de base populacional que permite acesso à informação clínicas de diversos centros da região do Minnesota e Wisconsin.
No presente estudo, foram usados dados tanto prospectivos quanto retrospectivos: (1) para avaliação das condições crônicas e sua prevalência, foi analisada a coorte prevalente (N=463); (2) a coorte incidente, que incluiu pacientes que preencheram os critérios de classificação ACR/EULAR 2019 para lúpus eritematoso sistêmico, foi utilizada para avaliar a incidência cumulativa de multimorbidade nesses pacientes, bem como analisar o dano relacionado à multimorbidade. Ambas as coortes de pacientes com LES foram pareados com a população sem LES, baseado em idade, sexo, raça e região que habitavam.
Cinquenta e sete doenças crônicas foram analisadas, baseadas em uma lista do governo americano, trabalhos prévios de artrite reumatoide e domínios/itens do SDI. Redundâncias e manifestações que poderiam estar relacionadas a manifestações do LES (p.e. anemia hemolítica) foram excluídas. Multimorbidade foi definida como a presença de duas ou mais doenças crônicas nos pacientes com ou sem lúpus eritematoso sistêmico; multimorbidade substancial foi definida como a presença de cinco ou mais doenças crônicas.
Resultados
Foram incluídos 449 pacientes com LES da coorte prevalente (com 450 comparadores) e 280 da coorte incidente (com 280 comparadores). A idade mediana da coorte prevalente foi de 54,3 anos, enquanto na coorte incidente foi de 48 anos. O predomínio foi do sexo feminino (80%) e de pacientes brancos não hispânicos, em ambas as coortes.
Com relação à presença de doenças crônicas nos pacientes com LES estabelecido (casos prevalentes), 91,1% dos pacientes com LES tinham ao menos uma doença crônica (vs. 75,1% do controle). Da mesma forma, o número de comorbidade nos pacientes com LES foi maior (mediana 5 [IQR 2-9] com LES vs. mediana 2 [IQR 1-5] sem LES, p<0,001). A chance de ter multimorbidade foi duas vezes maior nos pacientes com LES (OR 2,98, IC95% 2,18-4,11), acometendo 85,1% dos pacientes desse grupo. A presença de multimorbidade substancial foi maior nos pacientes com LES, porém com maior participação dos domínios/itens incluídos no SDI. De maneira análoga, os resultados dos pacientes com LES de início recente (casos incidentes) foram todos na mesma direção do que foi descrito para os casos estabelecidos.
Após a exclusão dos pacientes com multimorbidade no início do LES (casos incidentes), os autores analisaram a incidência de multimorbidade nesse grupo. A incidência de multimorbidade nos pacientes com LES foi duas vezes a dos comparadores (RR 2,11, IC95% 1,59-2,80). O mesmo ocorreu para a multimorbidade substancial: RR 2,01, IC95% 1,57-2,56).
Leia também: Tratamento não farmacológico de lúpus eritematoso sistêmico e esclerose sistêmica
Comentários
Esse estudo demonstra que os pacientes com LES apresentam maior frequência e maior número de comorbidades do que a população geral. Essas doenças crônicas podem surgir tanto em decorrência da doença quanto do seu tratamento.
O conhecimento dessas informações é importante, uma vez que a presença de comorbidades crônicas e de dano acumulado está diretamente relacionada com o risco de morte desses pacientes.
Desse modo, é fundamental que o reumatologista que acompanha esses pacientes esteja sempre atento ao surgimento de comorbidades (e multimorbidade) para que o tratamento apropriado seja realizado e, assim, seja possível um melhor prognóstico para esses pacientes.
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Autor
Editor-chefe de Clínica Médica da PEBMED/Whitebook • Professor de Reumatologia da Universidade Federal de Juiz de Fora • Chefe do serviço de Clínica Médica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora • Membro da Comissão de Síndrome Antifosfolípide e da Comissão de Vasculites da Sociedade Brasileira de Reumatologia
- Figueroa-Parra G, Meade-Aguilar JA, Hulshizer CA, et al. Multimorbidity in systemic lupus erythematosus in a population-based cohort: the lupus Midwest network. Rheumatology (Oxford). 2023;doi:10.1093/rheumatology/kead617. DOI: 10.1093/rheumatology/kead617