Os biomarcadores auxiliam no manejo das doenças inflamatórias intestinais, compreendendo, principalmente, a calprotectina fecal e o PCR. No entanto, não são específicos e sabe-se que sua interpretação deve ser cautelosa no que tange a ajustes de tratamento.
Em relação à Calprotectina Fecal (CF), existe variabilidade dos testes inter e intraensaio e até mesmo durante o dia. Dessa forma, na presença de resultados inconsistentes ou dúvida diagnóstica, recomenda-se repetir o exame ou correlacionar com atividade endoscópica.
Além disso, até 1/5 dos pacientes pode não apresentar elevação da CF, mesmo na presença de atividade endoscópica. Devido a essa heterogeneidade, é adequado correlacionar a elevação do biomarcador com a atividade endoscópica. A eficácia dos biomarcadores deve ser comparada com qualquer atividade endoscópica na doença de Crohn (SES-CD maior ou igual a 3), apesar de que seu desempenho seria superior para um SES-CD > 6.
A sensibilidade da calprotectina fecal para detectar inflamação no intestino delgado variou de 43% a 100% e no intestino grosso variou de 67% a 100%. Na doença de intestino delgado e em pacientes com ressecção intestinal prévia, há menor correlação entre sintomas e atividade endocópica. Assim como a calprotectina fecal pode ser menos precisa na avaliação de DC de delgado ou trato gastrointestinal superior. Nesses casos, o ideal é monitorização de sintomas com biomarcadores e atividade endoscópica simultaneamente.
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Além do mais, os biomarcadores não auxiliam quando existe outras necessidades para avaliação endoscópica, como avaliação da extensão e gravidade da inflamação, detecção de displasia e vigilância, avaliação e tratamento endoscópico de doença estenosante e exclusão de colite por CMV.
Recentemente, a American Gastroenterological Association (AGA) publicou suas diretrizes sobre o papel dos biomarcadores no manejo da doença de Crohn, que serão comentadas nesse artigo.
Recomendações
1) Pacientes com doença de Crohn (DC) em remissão sintomática:
- Recomenda-se monitoramento com sintomas e biomarcadores, a cada 6 a 12 meses. O monitoramento com biomarcadores é especialmente útil nos indivíduos que já demonstraram boa correlação com atividade endoscópica previamente;
- Se confirmação recente de remissão endoscópica (nos últimos 3 anos), sem alterações clínicas e/ou terapêuticas, recomenda-se que valores de calprotectina fecal < 150 mg/g e PCR < 5 mg/L (ou abaixo do ponto de corte do laboratório) descartam inflamação ativa, evitando avaliação endoscópica rotineira da atividade de doença;
- Na ausência de confirmação recente de remissão endoscópica, recomenda-se avaliação endoscópica para descartar atividade de doença, em vez de estratégia baseada apenas em biomarcadores;
- Se aumento dos valores de biomarcadores em indivíduos assintomáticos, recomenda-se avaliação endoscópica em vez de ajuste empírico de tratamento. Se remissão sintomática sustentada, com elevação de biomarcadores, recomenda-se repetir medição em 3 a 6 meses, como alternativa a avaliação endoscópica ou de imagem, especialmente se essas foram realizadas recentemente.
2) Pacientes com DC sintomática
- Pacientes sintomáticos, com melhora recente devido à terapia instituída, porém mantendo elevação dos biomarcadores demonstra provável relação com atividade de doença e pode justificar ajuste terapêutico sem necessidade de reavaliação endoscópica ou de imagem;
- O uso de biomarcadores auxilia na avaliação de pacientes com DC sintomática, com intervalo de 2 a 4 meses em pacientes sintomáticos em tratamento. Com a resolução dos sintomas e normalização dos biomarcadores, recomenda-se avaliação endoscópica e/ou radiológica, 6 a 12 meses após o início ou ajuste do tratamento. Após isso, o paciente pode então ser seguido como os em remissão sintomática;
- Na presença de sintomas leves e biomarcadores elevados, recomenda-se avaliação endoscópica e de imagem em vez de ajuste empírico de tratamento, assim como na presença de sintomas leves e biomarcadores normais;
- Se houver sintomas de moderados a graves com biomarcadores aumentados, considera-se como em atividade inflamatória, devendo-se ajustar tratamento e evitar procedimentos endoscópicos de rotina para avaliação de atividade de doença. Todavia, caso apresentem biomarcadores normais, devem ser submetidos a exame endoscópico e/ou de imagem para avaliar atividade de doença.
3) Pacientes com DC submetidos a tratamento cirúrgico
Os dados para monitorização contínua com biomarcadores em pacientes em pós-operatório são limitados. Primeiro, deve-se avaliar o risco de recorrência pós-operatória:
- Fatores de baixo risco de recorrência pós-operatória: idade superior a 50 anos, ausência de tabagismo, doença de longa duração (mais de 10 anos) e primeira cirurgia para um segmento de doença fibroestenótica < 10 a 20 cm;
- Fatores de alto risco de recorrência pós-operatória: 2 ou mais cirurgias prévias, doença penetrante ou perianal, tabagismo, jovem, segmento longo de ressecção de delgado.
Além disso, deve-se avaliar se o paciente está ou não em uso de terapia farmacológica profilática:
- Pacientes em remissão sintomática induzida após cirurgia nos últimos 12 meses com baixo risco de recorrência pós-operatória ou que tenham 1 ou mais fatores de risco para recorrência pós-operatória, contudo estão em uso de profilaxia farmacológica, recomenda-se calprotectina fecal < 50 mg/g a fim de evitar procedimentos endoscópicos rotineiros para avaliação de atividade de doença;
- Se baixo risco de recorrência e uso de profilaxia farmacológica pós-operatória, pode-se considerar um limiar de CF < 150 mg/g para descartar recidiva endoscópica. Todavia, PCR normal não é capaz de descartar recorrência endoscópica com precisão;
- Pacientes com múltiplas falhas a tratamentos clínicos e/ou cirúrgicos podem escolher a avaliação endoscópica de atividade da doença dentro dos 12 meses após cirurgia;
- Pacientes em remissão sintomática induzida após cirurgia nos últimos 12 meses com alto risco de recorrência pós-operatória e que não estejam recebendo profilaxia medicamentosa devem ser submetidos, adicionalmente, à avaliação endoscópica de atividade da doença.
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Mensagens práticas sobre biomarcadores na doença de Crohn
Apesar de não serem específicos para a doença de Crohn, os biomarcadores são métodos não invasivos e disponíveis que auxiliam nas estratégias de monitoramento dos pacientes com DC.
É importante que o médico conheça suas limitações a fim de não tomar condutas baseadas apenas na alteração desses exames, mas sim levando em conta o cenário geral para tomada de condutas.
Essas recomendações da AGA auxiliam o médico ao uso racional desses biomarcadores no manejo desses pacientes.
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Autor
Graduada em Medicina pela Universidade Federal Fluminense ⦁ Residência médica em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Antônio Pedro (UFF) ⦁ Residente em Gastroenterologia no Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (UFES) ⦁ Instagram: @dra.fernandaazevedo
- Ananthakrishnan AN, Adler J, Chachu KA, Nguyen NH, Siddique SM, Weiss JM, Sultan S, Velayos FS, Cohen BL, Singh S; AGA Clinical Guidelines Committee. Electronic address: [email protected]. AGA Clinical Practice Guideline on the Role of Biomarkers for the Management of Crohn’s Disease. Gastroenterology. 2023 Dec;165(6):1367-1399. DOI: 10.1053/j.gastro.2023.09.029.