Uma recente revisão sistemática com metanálise publicada em 2023 pelo Lancet Psychiatry avaliou os efeitos colaterais de fármacos antidepressivos e antipsicóticos e como eles afetam a qualidade de vida dos pacientes que os recebem. O mais interessante é que, com essa análise, os pesquisadores desenvolveram um novo instrumento online denominado Psymatik Treatment Optimizer, cujo objetivo é sumarizar os efeitos colaterais das classes medicamentosas citados em um banco de dados, para a individualização dos cuidados.
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Metodologia para análise dos antidepressivos e antipsicóticos
O estudo foi dividido em duas fases metodológicas:
Fase 1
Foi conduzida uma revisão sistemática de metanálises já publicadas, sendo analisados dados desde o início até 26 de junho de 2023, utilizando as bases Embase, PsycINFO, and MEDLINE. Essas metanálises avaliaram antidepressivos quando usados como monoterapia, os efeitos colaterais entre antipsicóticos e antidepressivos, e os bancos de dados resultantes incluíram dados metanalíticos, ordinais e imputados. Tanto os resultados metanalíticos quanto os ordinais foram normalizados para fornecer valores entre 0 e 1. A análise focou na metanálise que avaliou o maior número de medicamentos.
Fase 2
Consistiu na criação do instrumento Psymatik Treatment Optimizer para combinar os bancos de dados de efeitos colaterais com as preocupações de um usuário individual, para permitir que os usuários selecionassem os efeitos colaterais preocupantes e o grau relativo de preocupação para cada efeito. As ponderações de preocupação e os bancos de dados de efeitos colaterais foram sintetizados por meio de um método de análise de decisão multicritério (TOPSIS – técnica de ordem de preferência por similaridade com a situação ideal).
Resultados
Um total de 14 artigos contendo 68 metanálises de efeitos colaterais individuais preencheram os critérios de inclusão, considerando 3.724 citações encontradas. Dezenove diretrizes foram revisadas, sendo que sete forneceram dados ordinais.
- Dados de antipsicóticos: extraídos de cinco estudos (11 metanálises, n = 65.594 pacientes) e quatro diretrizes;
- Dados de antidepressivos: extraídos de três diretrizes;
- Bancos de dados resultantes: dados sobre 32 antipsicóticos (14 efeitos colaterais) e 37 antidepressivos (nove efeitos colaterais).
Durante a metanálise, os pesquisadores identificaram um grupo consistente de antipsicóticos que contrastavam em termos de efeitos colaterais:
- Agonistas parciais (aripiprazol, brexpiprazol, cariprazina), lurasidona e ziprasidona — baixo risco de ganho de peso e desregulação metabólica, mas com risco aumentado de acatisia;
- Antipsicóticos mais antigos com risco aumentado de acatisia (haloperidol, flupentixol, zuclopentixol, flufenazina e pimozida) também mostraram baixo risco de ganho de peso, mas com risco aumentado de parkinsonismo e hiperprolactinemia;
- Antipsicóticos de segunda geração (olanzapina, clozapina, quetiapina e zotepina) eram medicamentos de maior risco para ganho de peso, desregulação metabólica, sedação e efeitos colaterais anticolinérgicos. No entanto, esse mesmo grupo mostrou uma tendência a conferir baixo risco de efeitos colaterais de movimento e hiperprolactinemia.
Com relação aos antidepressivos, os pesquisadores encontraram padrões de efeitos colaterais:
- Inibidores seletivos da recaptação da serotonina (fluoxetina e sertralina): frequentemente apresentavam efeitos colaterais gastrointestinais e sexuais e um alto risco de hiponatremia, mas um risco menor de efeitos anticolinérgicos e de sedação;
- Antidepressivos tricíclicos (amitriptilina e trimipramina) foram associados ao aumento do risco de ganho de peso, sedação, hipotensão ortostática, disfunção sexual e efeitos anticolinérgicos, com menor risco de insônia ou agitação e efeitos gastrointestinais.
Depois de calcular até 5.851 comparações pareadas para antidepressivos e 5.142 comparações pareadas para antipsicóticos, o Psymatik classifica os tratamentos em ordem de preferência para o usuário individual, com o resultado apresentado em “mapas de calor” (heatmaps).
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Conclusões
Este estudo condensa diversos recursos de alta qualidade e parece fornecer o banco de dados mais completo até o momento referente aos efeitos colaterais de antidepressivos e antipsicóticos. Teoricamente, essa base de dados poderia ser utilizada de forma independente para orientar discussões sobre prescrição entre médicos e pacientes. No entanto, de acordo com os pesquisadores, ambos se deparariam com a complexidade de realizar simultaneamente centenas, se não milhares, de comparações entre diferentes medicamentos e seus efeitos colaterais.
Para enfrentar esse desafio, os investigadores desenvolveram o instrumento digital que permite a navegação no banco de dados de efeitos colaterais, incorporando, ao mesmo tempo, as preocupações do usuário.
Por fim, Pillinger e colaboradores destacam que, ao abordar essa lacuna fundamental na prática psiquiátrica contemporânea e ao facilitar decisões de prescrição multidimensionais, colaborativas e personalizadas, o estudo tem implicações imediatas para o cuidado clínico diário de pessoas com esquizofrenia e depressão, levando em consideração todas as evidências disponíveis.
Comentário
De fato, o estudo me parece muito interessante ao compilar esses efeitos colaterais em um instrumento objetivo. Ainda há uma limitação pelo fato de ter sido desenvolvido em língua inglesa, mas já pode auxiliar muitos profissionais de saúde do mundo inteiro na tomada de decisões, considerando os fármacos disponíveis em cada país.
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Autor
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra
- Pillinger T, et al. Antidepressant and antipsychotic side-effects and personalized prescribing: a systematic review and digital tool development. Lancet Psychiatry. 2023;10(11):860-876. DOI: 10.1016/S2215-0366(23)00262-6