A pneumonia adquirida na comunidade (PAC) é uma condição infecciosa comum e potencialmente grave, e uma das primeiras decisões a serem tomadas pelo médico emergencista é sobre o cenário de tratamento mais indicado: ambulatorial vs. hospitalar.
A decisão quanto à necessidade de internação é amparada por escores prognósticos, como o PSI (Pneumonia Severity Index) e o CURB-65, que têm como objetivo complementar a percepção individualizada do caso pelo profissional de saúde, incluindo parâmetros socioeconômicos, letramento em saúde e condições de acesso aos serviços médicos de urgência.
A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), no ano de 2018, reiterou a recomendação de monoterapia com beta-lactâmico ou macrolídeo enquanto primeira linha de tratamento da PAC leve a moderada, em concordância com a maioria das diretrizes mundiais. Dessa forma, cabe ao prescritor a seleção da classe antimicrobiana e da droga a ser empregada, levando-nos ao seguinte questionamento: há alguma hierarquia quanto à eficácia das diversas opções disponíveis?
Pneumonia adquirida na comunidade grave
Estudo
O estudo publicado por Acharya e colaboradores em fevereiro de 2024 no Journal of General Internal Medicine (JGIM) consistiu em uma meta-análise em rede, abarcando 24 estudos clínicos randomizados (RCTs) selecionados entre 1.060 catalogados no PubMed e Cochrane, com número de 9.361 pacientes e publicados entre 1999 e 2022. O objetivo foi comparar a taxa de resposta clínica e mortalidade geral entre diversos regimes de antibioticoterapia empírica oral entre adultos com PAC leve a moderada. A idade média variou entre 38 e 60,8 anos, com predomínio do sexo masculino (62%). A maioria dos estudos visou o tratamento ambulatorial (17 estudos), embora 6 tenham sido híbridos e apenas 1 exclusivamente hospitalar.
As populações avaliadas foram diversas, incluindo a África do Sul, Argentina, Brasil, Canadá, Chile, China, Colômbia, Espanha, EUA, Estônia, França, Índia, Israel, Itália, Lituânia, México, Peru, Polônia, Rússia, Taiwan e Turquia. Foram incluídos casos de PAC leve (PSI classe I ou II) e moderada (PSI classe III e IV). Foram excluídos estudos de pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM), PAC grave (PSI classe V) e em que houvesse exposição inicial à antibioticoterapia parenteral. O risco de viés foi classificado como baixo em 6 RCTs, incerto em 6 e elevado em 12, especialmente às custas de falta de clareza sobre os critérios de alocação, falha de cegamento e financiamento pela indústria farmacêutica na maioria deles.
As classes antimicrobianas avaliadas foram as quinolonas (levofloxacino, moxifloxacino, nemonoxacino e esparfloxacino), beta-lactâmicos (amoxicilina-clavulanato), cefalosporinas (cefuroxima, cefditoren e cefpodoxima), macrolídeos (azitromicina, claritromicina e roxitromicina) e cetolídeos (telitromicina).
Resultados
O desfecho primário avaliado foi composto por mortalidade por todas as causas e taxa de resposta clínica.
Os resultados do ranqueamento foram pautados no p-score, cujo resultado varia entre 0 (menor probabilidade de se tratar do antibiótico de maior eficácia) e 1 (maior probabilidade de se tratar do antibiótico de maior eficácia).
A taxa de resposta clínica registrada foi elevada: 86,2% (8.073 entre 9.361 pacientes), enquanto a mortalidade geral foi de 0,97% (57 mortes entre 5.883 pacientes).
Os antibióticos com maior probabilidade de alcançar resposta clínica foram o levofloxacino, nemonoxacina e telitromicina, com o p-escore de 0,71, 0,79 e 0,69, respectivamente (razão de risco: 1,01 a 1,03).
Em contrapartida, os antibióticos com menores taxas de resposta foram a penicilina e a amoxicilina, com o p-score de 0,09 e 0,19, respectivamente (RR 0,85 e 0,93).
Os fármacos mais provavelmente associados à redução de mortalidade foram o levofloxacino, nemonoxacina, azitromicina e amoxicilina-clavulanato, com o p-score de 0,85, 0,75, 0,74 e 0,68, respectivamente (RR de 0,04 a 0,12).
Em relação às classes de antibióticos, as quinolonas e os macrolídeos foram os mais efetivos em termos de resposta clínica, com o p-score de 0,71 e 0,7, respectivamente (RR de 1,0); enquanto a combinação entre amoxicilina-clavulanato e macrolídeos e os beta-lactâmicos em monoterapia foram os menos efetivos, com o p-score de 0,11 e 0,22, respectivamente (RR de 0,93 e 0,94).
As quinolonas foram as mais associadas à redução da mortalidade (p-score de 0,63).
Ressalta-se que todos os intervalos de confiança sobrepuseram-se ao 1, além de serem amplos e parcialmente sobrepostos.
Conclusão e mensagens práticas
- A definição da 1ª linha de antibioticoterapia oral nos casos de PAC leve a moderada deve ser individualizada com base em dados clínicos e epidemiológicos, reconhecendo-se as variações regionais e temporais dos padrões de resistência antimicrobiana.
- A meta-análise aqui sumarizada demonstrou uma tendência de superioridade das quinolonas em relação aos beta-lactâmicos, macrolídeos e cetolídeos, sem alcançar, entretanto, significância estatística.
- Os dados obtidos, portanto, não permitem identificar uma clara superioridade de uma droga ou classe antimicrobiana sobre outra, em parte pela alta taxa de resposta clínica (> 80%) e baixa mortalidade (< 1%) com os esquemas empregados.
Leia também: Hidrocortisona em pneumonia comunitária grave
Comentários adicionais
- As meta-análises em rede, ou network meta-analysis, são ferramentas estatísticas que viabilizam a comparação de eficácia entre 3 ou mais tratamentos para uma mesma condição, permitindo a comparação direta e indireta entre eles e o seu ranqueamento.
- A nemonoxacina é uma quinolona não fluorada cujos primeiros estudos in vitro datam de 2009. As suas vantagens em relação às demais quinolonas incluem a cobertura de bactérias gram positivas resistentes (MRSA e pneumococo). Atualmente tem sido utilizada para o tratamento de PAC e pielonefrite predominantemente na Ásia, Turquia e Rússia. O apelo para necessidade de cobertura de MRSA e pneumococo resistente nos casos de PAC leve a moderada no Brasil é menor, em virtude da baixa prevalência desses germes por ora.
- A telitromicina, por sua vez, é um cetolídeo derivado da eritromicina, enquadrando-se como macrolídeo semissintético. Apresenta atividade bactericida direcionada a bactérias resistentes (pneumococo e hemófilos), sendo indicada para o tratamento de PAC e rinossinusites. Aprovada pelo FDA em 2004, foi retirada do mercado americano em 2016 por eventos adversos graves entre portadores de miastenia gravis.
Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros
Sucesso!
Sua avaliação foi registrada com sucesso.
Avaliar artigo
Dê sua nota para esse conteúdo.
Você avaliou esse artigo
Sua avaliação foi registrada com sucesso.
Autor
Graduação em Medicina em 2013 pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Residência em Clínica Médica (2016) e Gastroenterologia (2018) pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG). Residência em Endoscopia digestiva pelo HU-UFJF (2019). Preceptor do Serviço de Medicina Interna do HU-UFJF (2019).
- Acharya P, Amin A, Nallamotu S, Riaz CZ, Kuruba V, Senthilkumar V, Kune H, Bhatti SS, Sarlat IM, Krishna CV, Asif K, Nashwan AJ, Cheema HA. Prehospital tranexamic acid in trauma patients: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Front Med (Lausanne). 2023 Oct 20;10:1284016. doi: 10.3389/fmed.2023.1284016. PMID: 37928456; PMCID: PMC10623347.
https://doi.org/10.1186/s12874-015-0060-8 – Referência útil para quem deseja compreender melhor as meta-análises em rede e o p-score.
Leitura indicada para quem deseja aprofundar os estudos sobre quinolonas não fluoradas.