O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por comprometimento na comunicação social e interesses e comportamentos restritos e repetitivos, com graus diversos de intensidade e comprometimento funcional. As dificuldades em comunicação social podem se apresentar como uma dificuldade em falar com o volume apropriado, reconhecer a distância física adequada, reconhecer e adaptar a comunicação aos gestos e expressões faciais do interlocutor.
Saiba mais: Como funciona o teste de autismo online?
Fatores genéticos, ambientais e maternos no desenvolvimento do TEA
Epidemiologia
A prevalência de TEA nos Estados Unidos duplicou em dez anos, saindo de 1,1% em 2008 para 2,3% em 2018, aumento atribuído às mudanças nos critérios diagnósticos, maior conhecimento da população sobre o transtorno e maior acesso aos serviços de saúde e a intervenções direcionadas para população com TEA.
A prevalência é maior em homens que mulheres (3,7% e 0,9%, respectivamente) e a diferença é atribuída, ao menos parcialmente, ao fato que as mulheres tendem a camuflar melhor as inabilidades sociais. Um estudo utilizando uma grande base de dados reportou uma maior prevalência em pessoas transgêneros e gênero-diversas comparadas com pessoas cisgênero.
Crianças negras tendem a apresentar e receber o diagnóstico mais tarde e cursam com mais distúrbio do desenvolvimento intelectual, o que sugere desigualdades no acesso secundárias ao racismo estrutural.
Patogênese e patofisiologia
Dados populacionais de três países nórdicos, incluindo 22.156 pessoas com TEA, estimaram uma variação nos traços de TEA atribuídos a fatores genéticos de 81%. No mesmo estudo, fatores ambientais estiveram associados aos fatores de risco para TEA em proporções entre 14% e 22%. Fatores de risco genéticos para TEA se sobrepõem a outros diversos transtornos do desenvolvimento e psiquiátricos. Não há um fator genético ou ambiental completamente específico para o desenvolvimento de TEA.
O estrogênio atenua o efeito da irrupção de genes de risco para TEA, o que pode estar associado a diferenças de prevalência entre os gêneros.
Fatores maternos como hipertensão gestacional, sobrepeso durante a gestação, pré-eclâmpsia e idade maternal acima de 35 anos, bem como idade paterna avançada e uso de medicações durante a gestação (ácido valproico) estão associados a maiores taxas de TEA nos filhos.
Metanálises têm mostrado que a associação entre uso de ISRS materno e autismo se deve a fatores confundidores, como um substrato genético comum entre depressão materna e TEA e não a efeitos dessa classe de medicação. A pretensa associação entre vacina e TEA não tem qualquer substrato científico.
Apresentação clínica e diagnóstico
No DSM-5-TR a redação do critério diagnóstico A foi alterada para corrigir uma ambiguidade da redação precedente. O texto original: “Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, conforme manifestado pelo que segue, atualmente ou por história prévia” teve a frase conforme manifestado pelo que segue alterada para conforme manifestado por todos os seguintes, uma vez que a primeira frase podia ser interpretada tanto como qualquer um dos seguintes quanto por todos os seguintes. Além dos déficits na comunicação e interação social, é necessário para o diagnóstico a ocorrência de “padrões restritivos e repetivos de comportamento, interesses ou atividades”.
A apresentação clínica nos primeiros 2 anos caracteriza-se por dificuldade de aquisição de linguagem e gestos sociais, pouca responsividade às interações sociais como não responder pelo nome quanto chamado, comportamentos repetitivos como alinhar brinquedos de uma determinada maneira. Adesão inflexível à rotina, pouco interesse em socialização e interesses restritos e falta de brincar imaginativo são mais aparentes em crianças maiores. Crianças com boa aquisição de linguagem costumam ter seu diagnóstico retardado.
Síndrome de Savant, ou savantismo, que é a apresentação de uma habilidade excepcional em uma área específica, é mais comum em pessoas com TEA que a população geral.
Comprometimento visual ou auditivo pode curar com uma sintomatologia que se sobrepõe ao autismo e deve ser um diagnóstico diferencial. TDAH, transtorno do desenvolvimento intelectual, transtornos depressivos e ansiosos e epilepsia ocorrem com mais frequência em pessoas com TEA do que pessoas sem TEA e sua co-ocorrência deve ser investigada em todos os pacientes.
A Academia Americana de Pediatria recomenda rastreio para TEA em todas as crianças com 18 e 24 meses. Os instrumentos de rastreio mais comuns são o M-CHART-R (Modified-Checklist for Autism in Toddlers), Social Communication Questionnaire (SCQ), Childhood Autism Rating Scale (CARS) e para adultos o Autism Spectrum Quotient.
Leia também: Prevalência do autismo em crianças
Tratamento
O objetivo da terapia é melhorar o funcionamento e bem-estar dos pacientes. Intervenções comportamentais tem evidência de eficácia
Não há medicações que alterem os sintomas nucleares do TEA. Intervenções farmacológicas, como risperidona e aripiprazol podem auxiliar na desregulação emocional, irritabilidade e agressividade que pode ocorrer em pacientes com TEA.
Em um ensaio clínico comparando extrato contendo cannabidiol com tetrahidrocannabidiol (extrato da cannabis inteira) na proporação 20:1, com extrato de cannabidiol e tetrahidrocannabidiol na proporção 1:1 e placebo, evidenciou uma melhora de comportamentos disruptivos com o uso do extrato de toda a cannabis, mas não houve diferença em comportamento desobediente em casa.
Em uma revisão sistemática nove ensaios clínicos e estudos de caso sobre o uso de cannabis em pacientes com TEA, alguns estudos evidenciaram redução do número e intensidade de diferentes sintomas, incluindo hiperatividade, automutilação e acessos de raiva, distúrbios do sono, ansiedade, inquietação, agitação psicomotora, irritabilidade, agressividade e depressão.
Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros
Sucesso!
Sua avaliação foi registrada com sucesso.
Avaliar artigo
Dê sua nota para esse conteúdo.
Você avaliou esse artigo
Sua avaliação foi registrada com sucesso.
Autor
Médica pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Residência em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP). Mestranda em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP). Psiquiatra Assistente do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP).
- Hirota T, King BH. Autism Spectrum Disorder: A Review. JAMA. 2023 Jan 10;329(2):157-168. doi: 10.1001/jama.2022.23661. DOI: 10.1001/jama.2022.23661
- Silva EAD Junior, Medeiros WMB, Torro N, Sousa JMM, Almeida IBCM, Costa FBD, Pontes KM, Nunes ELG, Rosa MDD, Albuquerque KLGD. Cannabis and cannabinoid use in autism spectrum disorder: a systematic review. Trends Psychiatry Psychother. 2022 Jun 13;44:e20200149.DOI: 10.47626/2237-6089-2020-0149
- American Psychiatry Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5-TR: texto revisado. 5.ed. Porto Alegre: Artmed, 2023. 1082 p.