São múltiplas as notícias recentes publicadas sobre a explosão de novos casos de dengue no país, sugerindo a vigência de uma nova epidemia da doença no país. De acordo com o Ministério da Saúde, somente nas duas primeiras semanas de 2024, foram relatados 55.859 prováveis casos de dengue e seis mortes associadas às complicações, o que corresponde a valores acima do dobro registrado na mesma época em 2023 (26.801 casos prováveis e 17 óbitos). Sugere-se que essa explosão decorre do momento climático favorável à proliferação do vetor mediante ao calor intenso e chuvas resultantes do fenômeno El Niño.
Conforme a declaração da secretaria de Vigilância em Saúde (MS), projeta-se uma possível variação do número de novos casos da doença entre 1,7 a 5 milhões no país nesse novo ano, o que corresponde a um número alarmante e significativamente preocupante. Concomitantemente, terá início, nesse verão no Brasil, a campanha de vacinação anti-dengue em rede pública para grupos populacionais específicos, mas o governo indica que o número de doses disponíveis só permitirá a imunização de no máximo 3 milhões de pessoas no ano de 2024.
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Portanto, é importante revermos as principais características da doença e aprimorarmos as medidas preventivas na população suscetível. A dengue consiste em uma doença febril aguda, sistêmica e dinâmica que assola o país em níveis significativos há décadas.
A doença
O arbovírus da dengue (DENV) consiste em um vírus de RNA pertencente ao gênero Flavivirus e família Flaviviridae, e já foram descritos quatro sorotipos virais (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4), os quais apresentam distintos genótipos e linhagens. Os mosquitos do gênero Aedes, especialmente a espécie A. aegypti, são os vetores transmissores da doença, assim como também são capazes de transmitir os vírus associados à chikungunya e Zika.
Com perfil cosmopolita, esses mosquitos estão amplamente disseminados pelo território brasileiro, com maior prevalência em ambientes urbanos. As formas de transmissão incluem por via vetorial, vertical e transfusional. A susceptibilidade é universal, com imunidade adquirida e homóloga (para o mesmo sorotipo), com a heteróloga sendo de efetividade parcial.
O período de incubação apresenta variação de quatro a dez dias, com a viremia iniciando após essa fase, e um dia antes do surgimento do quadro febril, com extensão até o quinto dia da doença sintomatológica.
As manifestações clínicas da dengue consistem em um amplo espectro clínico, desde casos assintomáticos a graves. A maioria dos pacientes apresenta uma evolução benigna e se recupera, com caráter sintomatológico debilitante e autolimitada. Porém, uma parte pode apresentar evolução para às formas graves, com consequente óbito. A doença apresenta três fases clínicas:
- Fase febril: Temperatura acima de 38oC, com variação entre 39-40oC, de início agudo e duração de 2-7 dias, associada com adinamia, astenia, mialgias, artralgias, cefaléia e dor retro-ocular. Outros sinais e sintomas podem incluir anorexia, náuseas, vômitos e diarréia. Pode ocorre o aparecimento de exantema maculopapular em face, tronco e membros com acometimento de região palmar e plantar também, associado ou não a prurido;
- Fase crítica: Ocorre no período de redução da temperatura, e consiste na fase em que se deve ter atenção aos sinais de alarme / gravidade (vide abaixo) como choque por extravasamento plasmático, hemorragias graves (possivelmente massivas) e disfunção grave de diversos órgãos. O choque geralmente ocorre entre os dias quatro ou cinco (com intervalo entre três e sete dias) de doença, sendo que o extravasamento plasmático e choque pode ocorrer em 24 a 48 horas, A piora clínica pelo choque é rápida instalação, com possibilidade de progredir ao óbito em um intervalo de 12 a 24 horas após instalado. A dengue hemorrágica pode ocorrer na primoinfecção ou em casos de reinfecção;
- Fase de recuperação: Consiste na recuperação em si, ocorre, após as 24-48 horas da fase crítica,
(Quadro 1) Sinais de alarme na dengue (MS, 2023):
- Dor abdominal intensa (referida ou à palpação) e contínua.
- Vômitos persistentes.
- Acúmulo de líquidos (ascite, derrame pleural, derrame pericárdico).
- Hipotensão postural e/ou lipotimia.
- Letargia e/ou irritabilidade.
- Hepatomegalia maior do que 2 cm abaixo do rebordo costal.
- Sangramento de mucosa.
- Aumento progressivo do hematócrito.
Dengue em crianças
Pode se apresentar assintomática, como síndrome febril aguda ou síndrome inespecífica, incluindo adinamia, astenia, sonolência, recusa da alimentação e de líquidos, vômitos, diarreia ou fezes amolecidas. Nas crianças com idade menor de 2 anos de idade, a síndrome pode se caracterizar por choro persistente, adinamia e irritabilidade. O quadro grave pode ser a primeira manifestação clínica, sendo o agravamento nessas crianças, em geral, mais rápido que no adulto.
Dengue em gestantes
Necessitam de observação rigorosa, independentemente da gravidade da doença devido ao risco elevado de ocorrência de óbito no terceiro trimestre de gestação ou nascimento prematuro. As gestantes com sangramento, independentemente do período gestacional, devem ser avaliadas quanto ao histórico de febre nos últimos sete dias.
Dengue em idosos
Os idosos são mais suscetíveis ao desenvolvimento de formas graves da doença e complicações. Para o diagnóstico preciso deve ser realizada a testagem por métodos rápidos em amostras coletadas até o quinto dia de início de sintomas. As amostras de urina podem ser utilizadas para confirmar a infecção viral até o 15° dia. Em caso de resultados negativos para as arboviroses por teste rápido, deve-se realizar a sorologia para tais doenças ou utilizar outros métodos disponíveis.
Os pacientes devem ser classificados de acordo com estadiamento clínico na suspeição da dengue entre os grupos A, B, C, D para direcionamento do tratamento. Para maiores informações quanto a métodos diagnóstico, tratamento e medidas preventivas, confira o conteúdo sobre Dengue no Whitebook.
Todo caso suspeito deve ser notificado através do CID A90. De acordo com o MS, 2023, as definições de casos consiste em:
Caso suspeito de dengue:
Indivíduo que resida em área onde se registrem casos de dengue ou que tenha viajado nos últimos 14 dias para área com ocorrência de transmissão ou presença de Ae.aegypti. Deve apresentar febre (alta, podendo variar de 38ºC a 40ºC), usualmente entre dois e sete dias, e duas ou mais das
seguintes manifestações:
- Náusea/vômitos;
- Exantema;
- Mialgia/artralgia;
- Cefaleia/dor retro-orbital;
- Petéquias/prova do laço positiva;
- Leucopenia.
Também pode ser considerado caso suspeito de dengue, toda criança proveniente de (ou residente em) área com transmissão de dengue, com quadro febril agudo, usualmente entre dois e sete dias, e sem sinais e sintomas indicativos de outra doença.
Caso suspeito de dengue com sinais de alarme:
É todo caso de dengue que, no período de defervescência da febre, apresenta um ou mais dos seguintes sinais de alarme:
- Dor abdominal intensa (referida ou à palpação) e contínua ou sensibilidade;
- Vômitos persistentes;
- Acúmulo de líquidos (ascites, derrame pleural, derrame pericárdico);
- Hipotensão postural e/ou lipotimia;
- Hepatomegalia maior do que 2 cm abaixo do rebordo costal;
- Letargia/irritabilidade;
- Sangramento de mucosa;
- Aumento progressivo do hematócrito.
Caso suspeito de dengue grave:
É todo caso de dengue que apresenta uma ou mais das condições a seguir:
- Choque ou desconforto respiratório em função do extravasamento grave de plasma;
- Choque evidenciado por taquicardia, pulso débil ou indetectável, taquicardia, extremidades frias e tempo de perfusão capilar >2 segundos, e pressão diferencial convergente <20 mmHg, indicando hipotensão em fase tardia;
- Sangramento grave segundo a avaliação do médico (exemplos: hematêmese, melena, metrorragia volumosa e sangramento do sistema nervoso central);
- Comprometimento grave de órgãos, a exemplo de dano hepático importante (AST/ALT>1.000 U/L), do sistema nervoso central (alteração da consciência), do coração (miocardite) ou de outros órgãos.
Caso confirmado:
O caso confirmado por critério laboratorial é aquele que atende à definição de caso suspeito de dengue e que foi confirmado por um ou mais dos seguintes testes laboratoriais e seus respectivos resultados:
- ELISA NS1 reagente;
- Isolamento viral positivo;
- RT-qPCR detectável (até o quinto dia de início de sintomas da doença);
- Detecção de anticorpos IgM ELISA (a partir do sexto dia de início de sintomas da doença);
- Aumento ≥4 vezes nos títulos de anticorpos no Teste de Neutralização por Redução de Placas (PRNT) ou teste de Inibição da Hemaglutinação, utilizando amostras pareadas (fase aguda e convalescente).
Confirmado por critério clínico-epidemiológico:
Na impossibilidade de realização de confirmação laboratorial específica ou em casos com resultados laboratoriais inconclusivos, deve-se considerar a confirmação por vínculo epidemiológico com um caso confirmado laboratorialmente, após avaliação da distribuição espacial e espaço-temporal dos casos confirmados.
A vacina anti-dengue no Brasil
A vacina Qdenga (TAK-003) consiste no imunizante anti-dengue, para os quatro sorotipos, e foi desenvolvido pelo laboratório japonês Takeda Pharma. A vacina foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em 2023 e incorporada ao Programa Nacional de Imunização brasileiro. Apesar de ser indicada para pessoas de 4 a 60 anos, haverá a priorização da imunização de crianças e jovens de 6 a 16 anos, faixa etária que concentra o maior número de hospitalização por dengue, mas os critérios de definição ainda serão divulgados pelo MS. Mesmo que já teve dengue pode se vacinar. A imunização consiste em duas doses em um intervalo de 3 meses. Não poderão se vacinar gestantes, lactantes e imunocomprometidos. Os efeitos adversos possíveis incluem: dor no local da injeção, dor de cabeça, dor muscular, vermelhidão no local de injeção, mal-estar, fraqueza e febre.
Como alternativa existe a vacina Dengvaxia, a qual é fabricada pelo laboratório francês Sanofi Pasteur e vendida na rede privada na maior parte do Brasil. Essa vacina é indicada apenas para quem já teve a doença, dos 9 aos 45 anos. É aplicada em três doses, distribuídas em intervalos de seis meses.
Outras medidas preventivas
A dengue continua em evidência no cenário de doenças tropicais, com epidemias recorrentes favorecidas pelas mudanças climáticas. Na impossibilidade de acesso à vacinação, recomenda-se (i) reduzir a infestação de mosquitos por meio da eliminação de criadouros; (ii) evitar água parada e manter reservatórios e qualquer local que possa acumular água cobertos com telas ou tampas e a (iii) proteção individual como o uso de repelente.
Ouça também: Febre maculosa e dengue: como diferenciar? [podcast]
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Autor
M.D., PhD. ⦁ Médico ⦁ Microbiólogo ⦁ Professor Associado / Lab. Micobactérias, Depto. Microbiologia Médica, Instituto de Microbiologia Paulo de Góes, Centro de Ciências da Saúde – Universidade Federal do Rio de Janeiro
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