Recentemente, no congresso anual da Society of Critical Care Medicine (SCCM), o artigo “International Consensus Criteria for Pediatric Sepsis and Septic Shock” foi divulgado e, logo em seguida, publicado no jornal JAMA. Nesta publicação, os pesquisadores mostram as definições dos novos critérios globalmente aplicáveis para sepse e choque séptico em pediatria, respondendo à questão de como devem ser identificadas as crianças com suspeita de infecção com maior risco de mortalidade.
Metodologia
Trinta e cinco especialistas pediátricos em cuidados intensivos, medicina de emergência, doenças infecciosas, pediatria geral, enfermagem, saúde pública e neonatologia de seis continentes foram recrutados pela SCCM. Um processo de consenso Delphi modificado foi empregado para desenvolver os critérios atualizados, usando evidências de uma pesquisa internacional, revisão sistemática e metanálise, e um novo escore de disfunção orgânica desenvolvido com base em mais de três milhões de registros eletrônicos de saúde de dez locais em quatro continentes.
Leia também: Insuficiência adrenal na sepse
Resultados
A maioria dos pediatras usou o termo “sepse” para se referir a infecção com disfunção orgânica com risco de vida, o que diferia dos critérios de sepse pediátrica anteriores que usavam critérios de síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS), que têm propriedades preditivas fracas, e incluíam o termo redundante, sepse grave.
Pontos-chave identificados pela força-tarefa com relação aos novos critérios de sepse e choque séptico em pediatria |
● São aplicáveis a pacientes pediátricos < 18 anos, mas não são aplicáveis a neonatos com idade gestacional < 37 semanas. |
● Os primeiros critérios baseados na síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) não devem ser usados para diagnosticar sepse em crianças. |
● O antigo termo “sepse grave” não deve mais ser usado: a sepse é uma disfunção orgânica potencialmente fatal associada à infecção e, portanto, indica um estado de doença grave. |
● O novo Phoenix Sepsis Score é um modelo composto de sistema de quatro órgãos que inclui critérios para disfunções cardiovasculares, respiratórias, neurológicas e de coagulação. Disfunções orgânicas potencialmente fatais em crianças com suspeita ou confirmação de infecção podem ser identificadas em ambientes com diferentes recursos como um Phoenix Sepsis Score de pelo menos 2 pontos. |
● O termo “choque séptico” é designado para definir um subgrupo de sepse em pacientes com disfunção cardiovascular manifestada, que está associada a maior mortalidade. O choque séptico pode ser operacionalizado por um subescore cardiovascular de pelo menos 1 ponto do Phoenix Sepsis Score entre crianças com sepse. |
● Crianças com sepse que manifestam disfunção orgânica distante do local da infecção apresentam maior risco de morte, sugerindo processos sistêmicos potencialmente fatais. |
● Estes critérios podem facilitar a recolha harmonizada de dados sobre a epidemiologia das doenças a nível mundial e podem servir para apoiar os cuidados clínicos, a melhoria da qualidade, a avaliação comparativa e a investigação para melhorar os resultados das crianças com sepse. |
Sepse
- De acordo com a força-tarefa da SCCM, a sepse em pediatria deve ser identificada pelo Phoenix Sepsis Score de pelo menos dois pontos em crianças com suspeita de infecção, o que indica disfunção potencialmente fatal dos sistemas respiratório, cardiovascular, de coagulação e/ou neurológico. De acordo com os pesquisadores, as crianças com uma pontuação Phoenix Sepsis Score de pelo menos dois pontos tiveram mortalidade hospitalar de 7,1% em ambientes com mais recursos e 28,5% em ambientes com menos recursos, sendo a mortalidade mais de oito vezes superior à das crianças com suspeita de infecção que não cumpriam estes critérios;
- A mortalidade foi maior em crianças que apresentavam disfunção orgânica em pelo menos 1/4 sistemas orgânicos respiratórios, cardiovasculares, de coagulação e/ou neurológicos que não eram o local primário da infecção.
Saiba mais: Disfunções neurológicas da sepse
Choque séptico
- Foi definido como crianças com sepse que apresentavam disfunção cardiovascular, indicada por pelo menos um ponto cardiovascular no Phoenix Sepsis Score, que incluía:
- Hipotensão grave para a idade;
- Lactato sanguíneo > 5 mmol/L; ou
- Necessidade de medicamento vasoativo.
- As crianças com choque séptico tiveram uma taxa de mortalidade hospitalar de 10,8% em ambientes com mais recursos e 33,5% em ambientes com menos recursos.
Conclusões
Os critérios para sepse e choque séptico em crianças através do Phoenix Sepsis Score foram derivados e validados pela força-tarefa da SCCM usando um grande banco de dados e pesquisa internacional, revisão sistemática e metanálise e abordagem de consenso Delphi modificada. De acordo com os pesquisadores, um Phoenix Sepsis Score de pelo menos dois pontos identificou disfunções orgânicas potencialmente fatais em pacientes pediátricos com menos de 18 anos de idade com infecção, e seu uso tem o potencial de melhorar os cuidados clínicos, a avaliação epidemiológica e a pesquisa em sepse pediátrica e choque séptico em todo o mundo.
Comentários
Trabalho maravilhoso, mostrando que a medicina intensiva pediátrica de fato vem ganhando espaço no mundo acadêmico e científico. Tais definições serão, com certeza, de grande valia para a prática clínica e para as futuras pesquisas acerca do tema. Destaca-se também a participação de dois brasileiros na força-tarefa, o que é um enorme orgulho para nosso país. Apenas gostaria de deixar minha observação sobre a não inclusão, mais uma vez, da avaliação de delirium nestes pacientes, o que eu e minha equipe já havíamos sinalizado em 2020 após a publicação de Weiss e colaboradores sobre o tema, no Pediatric Critical Care Medicine.
Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros
Sucesso!
Sua avaliação foi registrada com sucesso.
Avaliar artigo
Dê sua nota para esse conteúdo.
Você avaliou esse artigo
Sua avaliação foi registrada com sucesso.
Autor
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra
- Schlapbach L, et al. International Consensus Criteria for Pediatric Sepsis and Septic Shock. JAMA, 2024. DOI: 10.1001/jama.2024.0179