A redução do colesterol é fundamental na prevenção secundária de pacientes com doença arterial coronariana (DAC). Porém, parece que para pacientes em uso de estatinas de alta potência, marcadores de inflamação sistêmica, como a proteína C-reativa ultrassensível (PCRUS), são melhores preditores de eventos que o LDL.
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Alguns estudos mostraram que ter como alvo a redução da inflamação residual por inibição de interleucinas pode reduzir o risco de eventos vasculares de forma significativa e segura. Diversos estudos que têm como objetivo reduzir a inflamação vêm sendo realizados e recentemente foi publicada uma revisão sobre o uso da colchicina na DAC estável. Abaixo encontram-se os pontos de destaque dessa revisão.
Pacientes com DAC estabelecida tem como medidas de prevenção secundária as mudanças do estilo de vida, cessação do tabagismo e redução do LDL, realizada por meio de diversas medicações, sendo as estatinas as principais. Porém, além do risco residual relacionado ao nível de colesterol, existe o risco residual relacionado à inflamação e a principal forma de quantificá-lo é com a dosagem da PCRUS.
Uma análise com mais de 30 mil pacientes dos estudos PROMINENT, REDUCE-IT e STRENGTH mostrou que os níveis de PCRUS foram determinantes mais fortes da recorrência de eventos cardiovasculares, morte cardiovascular e mortalidade por todas as causas que o LDL.
Quando o paciente estava em uso de estatina e tinha PCRUS maior que 2mg/L o risco de morte cardiovascular era alto independente dos níveis de LDL. Assim, no contexto de prevenção secundária, o ideal seria guiar a terapêutica baseado também nesse parâmetro.
Alguns estudos vêm sendo realizados no intuito de reduzir a inflamação e algumas medicações testadas são os inibidores de interleucina 1beta, como o canakinumabe, e a colchicina. Ambas mostraram que a inibição da inflamação levou à redução do risco de eventos cardiovasculares de forma segura e com magnitude semelhante à de inibidores de PCSK9, ezetimibe e outros tratamento para reduzir o LDL.
Há mais de 30 anos é conhecido que a inflamação desencadeada pela ativação do sistema imune inato e adquirido tem papel na gênese da aterosclerose. Porém, só em 2017, com a publicação do estudo CANTOS, ficou provada a hipótese de inflamação relacionada à aterosclerose. Nesse estudo, mais de 10 mil pacientes com inflamação residual, detectada por PCRUS maior que 2mg/L, em uso de estatina foram randomizados para receber canakinumabe via subcutânea nas doses de 150 e 200mg uma vez ao mês. Houve redução de eventos cardiovasculares em 15% e 17% com as respectivas doses.
Baseado nisso, estão em andamento diversos estudos com anticorpos monoclonais que têm como alvo a interleucina-6 em diversos cenários, como pacientes dialíticos, com doença renal crônica, insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada e doença coronária.
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Já a colchicina, utilizada para diversas doenças há muitos anos, está indicada em altas doses para tratamento de gota e febre familiar do Mediterrâneo e em baixas doses para pericardite e doença de Behçet. Ela atua se ligando à tubulina, o que inibe sua polimerização e resulta em destruição do citoesqueleto celular, mitose e o transporte intracelular. Ela se distribui preferencialmente para os neutrófilos, alterando sua atividade, e também leva à redução do fator de necrose tumoral alfa.
O mecanismo preciso de ação ainda não é esclarecido, porém parece haver ativação do inflamassomo NLRP3, que resulta em redução indireta da interleucina 1Beta e da interleucina 18, levando à redução de interleucina 6 e da concentração do PCR.
Estudos clínicos mostraram que pacientes que usam colchicina para gota tem menor taxa de eventos cardiovasculares e essa medicação foi então testada na DAC estável, em baixas doses, de 0,5mg ao dia.
O estudo LoDoCo mostrou menor taxa de complicações como síndrome coronariana aguda, acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi) e parada cardíaca extra-hospitalar no seguimento de três anos. Esse estudo não foi cego, o que levou a realização do LoDoCo2, multicêntrico e randomizado, que incluiu mais de 5.000 pacientes. No seguimento médio de 29 meses houve redução de morte cardiovascular, IAM, AVCi e revascularização coronariana guiada por isquemia em 31%, principalmente às custas de redução de IAM e revascularização.
Não houve aumento de infecções ou câncer e não houve aumento de internações por causas infecciosas ou gastrointestinais. O NNT deste estudo foi de 35, semelhante ao de tratamento com aspirina, estatinas e anti-hipertensivos na prevenção secundária.
O estudo COLCOT avaliou pacientes após evento agudo. Foi estudo duplo cego e randomizado com quase 5000 pacientes que receberam colchicina em dose baixa até 30 dias pós-IAM (média de 14 dias). No seguimento médio de 23 meses houve redução de 23% no desfecho composto primário, principalmente às custas de redução de AVC e angina com necessidade de revascularização. Houve aumento pequeno de pneumonia e não houve diferença em intolerância gastrointestinal.
No quadro agudo os estudos mostraram apenas benefício modesto no tamanho do infarto e na curva de CK-MB, sem redução de desfechos clínicos. Todos os estudos foram com amostras pequenas e há pelo menos três estudos maiores em andamento, um que vai avaliar pacientes com IAM tratados com angioplastia, outro que vai avaliar pacientes com IAM e PCRUS maior que 2mg/L e outro que vai avaliar pacientes com AVC.
Em relação a efeitos adversos, os mais comuns são diarreia, náuseas e dor abdominal, que ocorrem em até 10% e melhoram com o tempo na maioria dos pacientes. Além disso, não foi encontrada interação significativa com outras medicações usadas na prevenção secundária de DAC, sendo considerada segura, desde que evitada em pacientes com doença renal ou hepática crônicas e não seja utilizada concomitante a outras medicações que inibem o CYP3A4 e a P-glicoproteína, como fluconazol, cetoconazol, claritromicina, ciclosporina e ritonavir.
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A toxicidade é rara e geralmente relacionada à ingestão de altas doses em pacientes com disfunção renal ou hepática, ou seja, é medicação segura, além de barata, o que faz com que seu custo-efetividade seja alto. Logo, deve ser considerada em pacientes com DAC estável, no intuito de reduzir ainda mais o risco residual desses pacientes, sendo já recomendada para prevenção secundária de DAC por algumas diretrizes.
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Autor
Editora de cardiologia do Portal PEBMED ⦁ Graduação em Medicina pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) ⦁ Residência em Clínica Médica pela UNIFESP ⦁ Residência em Cardiologia pelo Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) ⦁ Atualmente atuando nas áreas de terapia intensiva, cardiologia ambulatorial, enfermaria e em ensino médico.
- Nelson K, Fuster V,