Cefepime ou piperacilina-tazobactam: qual terapia utilizar em infecções agudas?

As infecções bacterianas agudas representam uma das causas mais frequentes de internações hospitalares, justificadas pela necessidade de monitorização clínica estreita, oferecimento de medidas suportivas e antibioticoterapia parenteral diante de casos potencialmente graves.

Nesse cenário, um ponto crítico é a adequada seleção da antibioticoterapia, cabendo consideração especial em relação à infecção por Pseudomonas aeruginosas (IPa), um bacilo gram-negativo e não fermentador.

Leia também: Há associação entre vancomicina-piperacilina-tazobactam e insuficiência renal?

Indicações de cobertura para Pseudomonas aeruginosas

  • Infecções nosocomiais, especialmente as adquiridas em CTIs;
  • Documentação prévia e recente de infecção por Pseudomonas aeruginosas;
  • Hospitalizações recentes;
  • Antibioticoterapia parenteral recente;
  • Hemodiálise;
  • Proveniência de Unidades de Cuidados Prolongados;
  • Imunossupressão;
  • Quimioterapia.

Uma vez identificados indivíduos com infecções bacterianas graves e fatores de risco para a IPa, as terapias parenterais empíricas mais corriqueiras são a piperacilina-tazobactam e o cefepime, consideradas alternativas equivalentes em termos de eficácia antimicrobiana.

Em outubro de 2023, Qian e colaboradores publicaram na revista JAMA o estudo ACORN (Antibiotic Choice on Renal Outcomes). Teve o objetivo de analisar, sob a óptica dos eventos adversos, qual seria a opção mais segura. Estudos pré-clínicos e observacionais têm apontado dados conflitantes sobre potencial a nefrotoxicidade da piperacilina-tazobactam, especialmente em terapia combinada com a vancomicina, tendo a bula do medicamento ganhado um alerta do FDA; contrabalanceada pela reconhecida neurotoxicidade do cefepime.

Questiona-se se a potencial “nefrotoxicidade” da piperacilina-tazobactam seria apenas decorrente de redução da secreção tubular de creatinina por meio da inibição dos receptores OAT 1 e 3 (organic anion transporters), e não necessariamente de prejuízo da taxa de filtração glomerular. O cefepime, por sua vez, atravessa a barreira hematoencefálica e exerce inibição dependente de concentração de receptores GABA, acarretando neurotoxicidade que inclui coma, delirium e convulsões.

Pergunta PICO

  • População: Adultos ≥ 18 anos internados em emergências ou CTIs com infecções bacterianas e indicação de cobertura antipseudomonas, alocados em suas primeiras 12 horas de admissão hospitalar.
  • Intervenção: Cefepime 2g EV 8/8 horas com tempo de infusão de cinco minutos.
  • Controle: Piperacilina-tazobactam 3,375 g EV 8/8 horas com tempo de infusão de 4 horas
  • Desfecho primário: Injúria renal aguda (IRA) KDIGO 3 (elevação de creatinina sérica ≥ 3 vezes a basal, creatinina sérica ≥ 4 mg/dL ou necessidade de terapia renal substitutiva – TRS) ou morte em 14 dias.
  • Desfechos secundários: Eventos adversos renais maiores (morte, início de TRS ou disfunção renal persistente com creatinina sérica ≥ duas vezes a basal) e número de dias livre de delirium e coma (positividade no CAM-ICU ou escore de RASS -4 ou -5) em 14 dias.

Cefepime ou piperacilina-tazobactam qual terapia utilizar em infecções agudas

Metodologia do estudo sobre tratamento de infecções

Trata-se de um RCT unicêntrico, aberto e comparativo, conduzido no Centro Médico Universitário de Vanderbilt, localizado em Nashville, no estado americano de Tennessee, entre novembro/2021 e outubro/2022.

Os critérios de exclusão incluíram: alergia às penicilinas ou cefalosporinas, exposição à piperacilina-tazobactam ou cefepime nos sete dias precedentes; população carcerária ou julgamento clínico de superioridade de uma droga em detrimento de outra.

Os pacientes elegíveis foram alocados na razão de 1:1 entre os grupos Cefepime e Piperacilina-tazobactam. As doses foram ajustadas conforme a taxa de filtração glomerular estimada e o tempo de tratamento foi determinado pela equipe assistente, bem como a necessidade de antibioticoterapia adicional, a exemplo da vancomicina.

Os desfechos secundários não foram ajustados por multiplicidade, sendo considerados apenas exploratórios.

Saiba mais: Infecções de prótese: qual a duração ideal da antibioticoterapia?

Resultados

População

Entre os 3.806 pacientes triados, 2.511 foram incluídos na análise primária, sendo 1.214 alocados ao grupo cefepime e 1.297 ao grupo piperacilina-tazobactam.

A idade média foi de 58 anos, com predomínio do sexo masculino (57%) e etnia branca e não hispânica (76%).

A maioria dos indivíduos foi admitida no departamento de emergência (94,7%), com tempo médio de alocação de 1,2 horas. Os critérios de sepse, baseados no Sepsis-3, foram preenchidos por 54,2% dos pacientes, a maioria de foco intra-abdominal e pulmonar.

Embora os grupos possam ser considerados homogêneos, o grupo cefepime apresentou, no momento da alocação, maior taxa de ventilação mecânica (9,1 vs. 7,3%), coma (6,9 vs. 5,9%) e delirium (5,1 vs. 3,9%).

Antibioticoterapia

A taxa de exposição a pelo menos uma dose de cefepime e piperacilina-tazobactam foi de 95,1% e 98,4%, respectivamente, com média de exposição ao antibiótico de três dias (IQR: 1-4 dias). A taxa de conversão de grupos foi elevada: 18,8% dos pacientes do grupo cefepime receberam ao menos uma dose de Piperacilina-tazobactam e 17,2% dos pacientes do grupo piperacilina-tazobactam receberam ao menos uma dose de cefepime.

A exposição à vancomicina esteve presente em 77,6% dos pacientes do grupo cefepime e 76,9% do grupo piperacilina-tazobactam, com duração média do tratamento com vancomicina de dois dias (IQR: 1-4 dias).

Desfecho primário

O desfecho primário (IRA KDIGO 3 ou morte em 14 dias) não diferiu significativamente entre os grupos cefepime e piperacilina-tazobactam (OR 0,95 – IC 95%: 0,8 a 1,13 – P = 0,56). Em ambos os grupos, apenas um quarto dos pacientes desenvolveu IRA, com menor incidência de IRA KDIGO 2 no grupo da cefepime (3,4% vs. 5,4%), ao contrário do que se esperava.

Desfecho secundário

Os eventos adversos renais maiores em 14 dias foram experimentados por 10,2% dos pacientes do grupo cefepime contra 8,8% do grupo piperacilina-tazobactam, com diferença absoluta de 1,4% (IC 95%: -1% a 3,8%).

Os pacientes do grupo cefepime apresentaram, em relação ao grupo piperacilina-tazobactam, menos dias livres de delirium e coma nos 14 dias analisados (11,9 dias vs. 12,2 dias – OR 0,79 – IC 95%: 0,65 a 0,95). A incidência de coma foi de 20,8% no grupo cefepime e 17,3% no grupo piperacilina-tazobactam, com diferença absoluta de 3,4% (IC 95%: 0,3 – 6,6%).

Conclusão e mensagens práticas

Nas infecções bacterianas graves, com indicação de tratamento hospitalar com cobertura antipseudomonas, a piperacilina-tazobactam, ainda que em concomitância à vancomicina, mostrou-se uma alternativa segura no que se refere ao potencial de induzir IRA KDIGO 3, quando comparada ao cefepime.

O cefepime, por sua vez, associa-se a aumento do risco de encefalopatia medicamentosa, caracterizada por redução dos dias livres de delirium e coma, embora a magnitude do efeito seja pequena.

As principais limitações do estudo foram a inviabilidade de generalização dos resultados em virtude da população amostrada de um único centro médico norte-americano; ausência de cegamento das condutas entre os médicos assistentes e pacientes; alta taxa de intercambiabilidade entre os grupos; e antibioticoterapia por tempo médio limitado a apenas três dias.

As maiores taxas de apresentações compatíveis com encefalopatia medicamentosa no grupo cefepime podem estar falseadas pelos dados basais da amostra, caracterizados por maior incidência de ventilação mecânica, delirium e coma neste grupo.

As doses de cefepime foram maiores do que as habitualmente empregadas na prática corriqueira (2g de 8/8h vs. 1g de 8/8h), enquanto as de piperacilina-tazobactam (3,375 g de 8/8 horas vs. 4,5g de 6/6 horas) foram menores do que as costumeiramente destinadas ao tratamento das infecções graves, podendo ter favorecido o primeiro grupo em detrimento do segundo.

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Autor

Graduação em Medicina em 2013 pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Residência em Clínica Médica (2016) e Gastroenterologia (2018) pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG). Residência em Endoscopia digestiva pelo HU-UFJF (2019). Preceptor do Serviço de Medicina Interna do HU-UFJF (2019).

Referências bibliográficas:
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  • Qian ET, Casey JD, Wright A, Wang L, Shotwell MS, Siemann JK, Dear ML, Stollings JL, Lloyd BD, Marvi TK, Seitz KP, Nelson GE, Wright PW, Siew ED, Dennis BM, Wrenn JO, Andereck JW, Han JH, Self WH, Semler MW, Rice TW; Vanderbilt Center for Learning Healthcare and the Pragmatic Critical Care Research Group. Cefepime vs Piperacillin-Tazobactam in Adults Hospitalized With Acute Infection: The ACORN Randomized Clinical Trial. JAMA. 2023 Oct 24;330(16):1557-1567. DOI: 10.1001/jama.2023.20583.


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