Lipedema é uma doença crônica que afeta mais de 10% da população feminina. É caracterizada pela deposição anormal de tecido gorduroso principalmente em membros inferiores, ocasionando dor e predisposição a hematomas o que impacta física e psicologicamente a população acometida.
Embora tenha elevada incidência, sua caracterização como patologia é recente e aspectos relacionados à sua fisiopatologia e manejo ainda estão sendo elucidados, tornando-a subdiagnosticada ou até confundida com outras doenças como obesidade e linfedema.
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Assim, considerando a relevância do entendimento do lipedema para seu diagnóstico precoce e correto manejo, recente revisão de literatura abordou aspectos fundamentais dessa patologia, os quais revisaremos a seguir.
Fisiopatologia
Embora ainda não totalmente esclarecida, acredita-se que mudanças na permeabilidade e fragilidade capilar afetem a funcionalidade do sistema cardiovascular, ocasionando, além de transporte linfático deficiente, alterações estruturais cardíacas (hipertrofia de ventrículo esquerdo e perda de função valvar).
Distúrbios hidroeletrolíticos (clearance deficiente e acúmulo de sódio intersticial), neurológicos (mecânico, por compressão nervosa local pelo edema e aumento de tecido adiposo subcutâneo, e bioquímico, por liberação de mediadores inflamatórios em terminações nervosas sensitivas) e hormonais (ação do estrogênio afetando adipogênese assim como mecanismos hipotalâmicos regulatórios do metabolismo) também estão envolvidos na gênese do lipedema.
Em relação à caracterização histológica, tem-se observado edema e hiperplasia do tecido adiposo, proliferação de mastócitos e macrófagos localmente, além de alterações microangiopáticas e presença de microaneurismas linfáticos, o que predispõe edema e hematomas localmente.
Manifestações Clínicas
Lipedema é caracterizado por elevação anormal na deposição de tecido adiposo em áreas específicas como quadris, coxas, pernas e tornozelos simetricamente, poupando pés. Outros sintomas comuns incluem aumento de sensibilidade local, predisposição a hematomas, alterações de arco plantar e cutâneas. Os critérios diagnósticos do lipedema, descritos por Wold et al. (1951) e modificados por Herbst, envolvem tendência a hematomas, aumento de volume dos membros simétrico e bilateral poupando pés e mãos e hipersensibilidade local.
Pode-se classificar o lipedema em 5 subtipos, a depender da distribuição de tecido adiposo: tipo I (aumento da deposição em quadris e coxas), tipo II (extensão até joelhos, principalmente em face interna), tipo III (até tornozelo), tipo IV (acometimento de membros superiores), tipo V (apenas porção inferior das pernas é afetada). Também pode ser estratificado em 4 subtipos considerando a gravidade: estágio 1 (pequenos nódulos subcutâneos palpáveis sem alterações cutâneas), estágio 2 (lipoesclerose nodular com irregularidades cutâneas), estágio 3 (pele com textura irregular em aspecto “casca de laranja” com macronodulações subcutâneas palpáveis) e estágio 4 (lipolinfedema).
A comorbidade mais frequentemente relacionada ao lipedema é a obesidade, tendo, em algumas casuísticas, estado presente em até 80% dos pacientes, sendo relacionada à progressão do lipedema. A síndrome da hipermobilidade articular, caracterizada por instabilidade articular, dor crônica e alterações cutâneas, também pode estar presente em mais de 40% dos pacientes com lipedema.
Tratamento
O manejo é pautado nos pilares: minimizar sintomas, evitar progressão da doença e prevenir complicações. Considerando a íntima relação entre obesidade e progressão da patologia, a base de seu tratamento consiste em ajustes de hábitos de vida para controle de IMC.
Nesse contexto, a educação do paciente para adoção de medidas de autocuidado que otimizem não apenas o tratamento da doença, como também promovam qualidade de vida é essencial. Dieta e atividade física regular são fundamentais e, embora não haja consenso literário, tem-se sugerido benefício de dietas específicas como a do mediterrâneo, além da restrição de alimentos inflamatórios como conservantes, açúcares refinados e gorduras saturadas. Atividade física otimiza drenagem linfática e retorno venoso, além de auxiliar no controle de peso, sendo exercícios aeróbicos e aquáticos os mais benéficos.
A utilização de dispositivos de compressão em malha é utilizada para redução de sintomas como dor e edema, assim como melhora da mobilidade. Outras ferramentas como drenagem linfática manual e terapia por ondas de choque possuem efeito anti-inflamatório e antifibrótico, sendo também ferramentas para otimização do tratamento.
Abordagens cirúrgicas são reservadas apenas para casos de falha da terapia conservadora. A lipoaspiração tumescente assistida por tecnologias como laser ou vibração tem se mostrado efetiva, além de causar menor dano linfático. Em casos avançados com limitações mecânicas significativas pode-se indicar o debulking cirúrgico, que consiste na excisão de depósitos de tecido adiposo, método associado frequentemente à insuficiência linfática.
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O que levar para casa
Lipedema é uma doença crônica comum em mulheres que permanecem sendo subdiagnosticadas, o que afeta diretamente a qualidade de vida e produtividade da população acometida. Considerando o impacto psicossocial dessa patologia, é fundamental identificarmos pacientes com queixas e exame físico compatíveis com quadro de lipedema, a fim de implementar medidas que reduzam sintomas e evitem progressão da doença e potenciais complicações.
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Autor
Residente em Cirurgia Geral pelo Hospital de Clínicas da Universidade Federal da Fronteira Sul ⦁ Especialização Multiprofissional em Atenção Básica em Saúde pela Universidade Federal de Santa Catarina ⦁ Médica pela Universidade Federal do Ceará ⦁ Exerceu cargo de Presidente do Departamento Brasileiro das Ligas Acadêmicas de Cirurgia Cardiovascular ⦁ Foi editora Júnior do Blog do Brazilian Journal of Cardiovascular Surgery ⦁ Desempenhou função de vice-presidente do Departamento Brasileiro das Ligas Acadêmicas de Cirurgia Cardiovascular e de presidente da Liga de Cirurgia Cardiovascular da Universidade Federal do Ceará ⦁ Realizou estágio em Cirurgia Cardíaca na Cleveland Clinic (EUA), Mount Sinai Hospital (EUA), The Heart Hospital at Baylor Plano (EUA), Hôpital Européen Georges Pompidou (França), Herzzentrum Leipzig (Alemanha), Papworth Hospital (Inglaterra), Harefield Hospital (Inglaterra), St. Thomas Hospital (Inglaterra), Manchester Royal Infirmary (Inglaterra), Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre (Brasil) e Hospital São Raimundo (Brasil) ⦁ Realizou estágio de pesquisa no William Harvey Heart Centre (Inglaterra) ⦁ Foi bolsista de Graduação Sanduíche pelo Programa Ciência sem Fronteiras na University of Roehampton, Londres ⦁ Foi bolsista de iniciação científica CNPq, UFC e da FUNCAP do Laboratório de Fisiologia da Inflamação e do Câncer (LAFICA).
- FORNER-CORDERO, I., FORNER-CORDERO, A. and SZOLNOKY, G. (2021) ‘Update in the management of Lipedema’, International Angiology, 40(4). DOI:10.23736/s0392-9590.21.04604-6.