O microbioma intestinal é formado por um conjunto de bactérias, arqueias, fungos e vírus, o qual, quando em simbiose com o organismo humano, desempenha funções essenciais na regulação imune, barreira intestinal, modulação do metabolismo e resistência à colonização de patógenos.1 As perturbações externas mais comuns ao microbioma são a dieta, o ambiente (por exemplo, terapia intensiva, viagens, internação hospitalar) e medicamentos, com especial destaque para os antibióticos. A resiliência do microbioma após exposição a antibióticos depende de diversos fatores, como a duração, via de administração e o espectro da terapia antimicrobiana, bem como idade do paciente, doença subjacente, padrão de resistência a antibióticos e dieta.1
Alguns estudos demonstram que o uso de antibióticos nos primeiros 18 meses de vida, especialmente nos 6 primeiros meses, gera grande impacto sobre a microbiota, uma vez que essa ainda se encontra em formação.2,3 Existem evidências de que até mesmo a exposição materna a antibióticos nos períodos perinatal e periparto da gestação pode influenciar negativamente o microbioma do recém-nascido.4 Após 2-4 anos de idade, o microbioma se torna mais estável.5 No entanto, o uso de antibióticos reduz a diversidade microbiana, com aumento de bactérias patogênicas como Klebsiella spp., Enterococcus spp., e Eschericha coli imediatamente após o tratamento, além de aumentar o risco de colonização por cepas multirresistentes.6 Obviamente, a intensidade do desequilíbrio induzido pelos antibióticos vai variar de acordo com o espectro e duração do tratamento. A recuperação completa da riqueza e diversidade da microbiota intestinal demora, geralmente, mais de 6-24 meses após um curso de antibiótico.6,7
Diversos estudos demonstram que o uso de antibióticos está associado ao desenvolvimento de diarreia, a qual acomete até 35% das pessoas tratadas com antimicrobianos.8 Além disso, a antibioticoterapia, especialmente com quinolonas, clindamicina e carbapenêmicos, aumenta o risco de infecção por Clostridioides difficile, uma vez que o desequilíbrio do microbioma reduz a capacidade protetora à colonização/infecção por essa bactéria.8 Nesse contexto, atualmente, estuda-se muito o papel do transplante de microbiota fecal e da suplementação de agentes probióticos para minimizar o impacto dos antibióticos na microbiota intestinal, com resultados bastante promissores.
Os probióticos podem contribuir para reduzir o risco de diarreia após antibioticoterapia (DAA) através de diversos mecanismos, como: modulação da composição da microbiota, produção de bacteriocinas, alteração no metabolismo de nutrientes no intestino (aumento na síntese de ácidos graxos de cadeia curta), regulação na secreção/absorção intestinal de solutos/líquidos, aumento nas concentrações de sais biliares secundários, modulação imune e melhora da função de barreia intestinal/permeabilidade intestinal.8 Metanálises demonstram que os probióticos reduzem a incidência de DAA em 38%-51%.9,10 Estudo realizado pela Cochrane sugere que Lactobacillus rhamnosus e Saccharomyces boulardii sejam mais eficazes em crianças, especialmente em doses superiores a 5 bilhões de unidades formadoras de colônia/dia, com um NNT para evitar um caso de DAA de 9.11 As últimas diretrizes da European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN) e da Organização Mundial de Gastroenterologia endossam essa recomendação para prevenção de DAA.12,13 Já a Associação Americana de Gastroenterologia, sugere o uso de S. boulardii, ou a combinação de L. acidophilus CL1285 e L. casei LBC80R, ou de L. acidophilus, L. delbrueckii subsp bulgaricus, e Bifidobacterium bifidum, ou a combinação de L. acidophilus, L. delbrueckii subsp bulgaricus, B. bifidum, e Streptococcus salivarius subsp thermophilus, para prevenção de infecção por C. difficile no contexto de antibioticoterapia.14
Mensagens práticas
Alterações induzidas por antibióticos na microbiota intestinal podem ter um impacto negativo na saúde do hospedeiro, incluindo redução da diversidade microbiana, alterações nos atributos funcionais da microbiota, seleção de cepas resistentes a antibióticos, aumento da susceptibilidade à infecção por patógenos oportunistas (ex: C. difficile) e indução de DAA. O uso racional de antibióticos e a suplementação de probióticos durante a antibioticoterapia pode mitigar esses efeitos. O uso de probióticos pode ser recomendado para prevenir diarreia associada a antibioticoterapia.
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Autor
Residência médica em Clínica Médica e Gastroenterologia pelo HC-UFMG ⦁ Mestrado em saúde do adulto com ênfase em Gastroenterologia pela UFMG ⦁ Doutorado em saúde do adulto com ênfase em Hepatologia pela UFMG ⦁ Chefe da Gastrohepatologia do Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais ⦁ Preceptor de hepatologia e clínica médica do HC-UFMG ⦁ Conteudista do Whitebook – área de Gastroenterologia e Hepatologia ⦁ Membro da AASLD, ALEH, SBH, GEDIIB ⦁ Coordenador de Jovens Investigadores da ALEH ⦁ Professor convidado da UFMG.
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