AAP 2023: Discutindo a complexidade do TDAH

O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é o transtorno de desenvolvimento mais comum na infância e está associado a uma série de outras questões coexistentes que podem se tornar um desafio diagnóstico e terapêutico, com potencial de grande comprometimento na funcionalidade das crianças e adolescentes acometidos. 

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A professora da divisão de pediatria do desenvolvimento do Cincinnati Children’s Hospital Medical Center, Dra. Tanya E. Froehlich, e a pediatra do desenvolvimento do Boston Children’s Hospital, Dra. Eugenia Chan, realizaram uma palestra no segundo dia do congresso da AAP abordando o diagnóstico e a abordagem dos quadros de TDAH complexos, ou seja, os quadros de TDAH que aparecem acompanhados de outras comorbidades. A Dra. Tanya enfatizou que apenas 1/3 dos quadros de TDAH não apresentam outras comorbidades, sendo assim, a busca de outros diagnósticos concomitantes é fundamental ao tratar os pacientes com TDAH.  

TDAH e distúrbios de aprendizagem 

Para começar, a Dra. Tanya explorou uma situação que é bastante comum na prática clínica: uma criança que apresenta comportamento de desatenção e hiperatividade no contexto escolar, mas que não apresenta tal comportamento em outros ambientes, como em casa. Essa é uma situação que provavelmente não envolve o TDAH, uma vez que para esse diagnóstico, os sintomas necessitam ser pervasivos, ou seja, devem ocorrer em vários ambientes. Nesses casos, é importante a busca de outros diagnósticos alternativos, como por exemplo, os transtornos de aprendizagem, ou outras situações complementares, como uma criança que não está confortável no ambiente escolar por algum motivo específico (por exemplo, por sofrer bullying).  

De acordo com a palestrante, os distúrbios de aprendizagem estão presentes em cerca de 45 % dos pacientes com diagnóstico de TDAH, sendo os mais comuns os distúrbios matemáticos (5-30%), os de leitura (11-52%) e, o mais comum, da expressão escrita (59-65%).  

Em pacientes com TDAH, deve-se considerar uma possível associação com distúrbios de aprendizagem nos pacientes que apresentam notas escolares menores que as esperadas, ou que apresentam as notas esperadas, mas com a família despendendo uma quantidade enorme de tempo e esforço para auxiliar a criança. As crianças com TDAH simples podem apresentar dificuldades escolares, mas geralmente relacionadas ao não cumprimento das tarefas esperadas, descuidos ou simplesmente porque não estudam para suas provas por esquecimento, enquanto as crianças que apresentam a associação TDAH + distúrbio de aprendizagem geralmente não conseguem compreender os materiais de estudo. Para realizar o diagnóstico do distúrbio combinado, é necessária a realização de testes cognitivos, levando também em consideração o relato da escola.  

Com relação ao tratamento, as evidências são contraditórias ou ausentes com relação ao uso de medicações para TDAH (tanto estimulantes como não estimulantes) nas habilidades de leitura, matemáticas ou de escrita em crianças com TDAH + distúrbios de aprendizado. O uso de estimulantes apresenta efeito na redução dos sintomas de TDAH nessas crianças, e as intervenções acadêmicas parecem ter um grande efeito na melhora dos distúrbios de aprendizagem nesse grupo.  

Transtornos internalizantes e TDAH 

Os transtornos internalizantes, em especial o transtorno de ansiedade e o transtorno depressivo, estão presentes junto com o TDAH em cerca de 25-35% dos casos. Sintomas como dificuldade acadêmica, irritabilidade, rompantes emocionais e distúrbios de sono podem estar presentes em todos esses quadros, associados ou não, podendo fazer o diagnóstico ser desafiador.  

Uma dica para diferenciar as alterações causadas pelo TDAH daquelas causadas pelo transtorno internalizante é analisar o tempo de início dos sintomas e a sua persistência no decorrer do tempo. Pacientes com TDAH geralmente apresentam quadro precoce e persistente, enquanto pacientes com sintomas decorrentes da ansiedade e/ou depressão apresentam desatenção iniciando junto com o quadro internalizante e que apresenta períodos de melhora e piora ao longo do tempo.  

A Dra. Tanya relembrou de várias ferramentas disponíveis gratuitamente para auxiliar no diagnóstico dos transtornos internalizantes, como o Pediatric Symptom Checklist-17 e o Screen for Child Anxiety Related Emotional Disorders (SCARED). Elas podem ser utilizadas em pacientes com TDAH em que se suspeita de um transtorno internalizante concomitante. Lembrar também de sempre realizar rastreio de sintomas relacionados ao comportamento suicida, principalmente quando há presença de depressão associada.  

  A abordagem terapêutica nos pacientes que apresentam os dois quadros se baseia inicialmente na identificação e tratar o quadro que é mais incapacitante naquela criança. Não iniciar o tratamento de ambas as comorbidades juntas, uma vez que geralmente o tratamento de uma melhora os sintomas da outra, com menos efeitos colaterais de tratamentos combinados. Pacientes que apresentam sinais de alerta, como ideação suicida ou homicida, tentativas prévias de suicídio, psicose ou mania e comprometimento grave devem ser encaminhados precocemente para o psiquiatra.  

Nos pacientes em que os sintomas de ansiedade são predominantes, o tratamento de primeira linha são os comportamentais, com destaque para a terapia cognitivo comportamental (TCC). Já para pacientes com sintomas de TDAH mais importantes, os estudos sugerem que o tratamento comportamental associado ao metifenidato apresentam os melhores resultados, principalmente em desfechos como sintomas ansiosos, habilidades sociais, conflitos parentais, sintomas opositores ou agressivos e dificuldades acadêmicas. Pacientes com sintomas depressivos exacerbados devem ser avaliados para início de medicações antidepressivas, em especial, para os inibidores seletivos de recaptação da serotonina.  

Uma preocupação constante é sobre os efeitos colaterais das medicações estimulantes em pacientes com transtornos internalizantes. A palestrante referiu que o metilfenidato parece reduzir a irritabilidade e a ansiedade, mas pode causar um efeito mais importante de apatia e redução de fala, enquanto as anfetaminas parecem piorar a labilidade emocional, além de aumentar levemente a tendência à tristeza. Esses efeitos devem ser levados em conta durante o tratamento.  

Abuso de substâncias e TDAH 

O abuso de substâncias lícitas e ilícitas também é comum em pacientes com TDAH. A dra. Eugenia trouxe dados que indicam que pacientes com TDAH apresentam 2 vezes mais risco de uso de nicotina, 3 vezes mais dependência de nicotina na vida adulta, 1,5 vezes mais risco de dependência de maconha, 2 vezes mais risco de desenvolver dependência a cocaína e 2,5 vezes mais risco de distúrbios de abuso de substâncias no geral.  

A palestrante enfatizou que, em pacientes com TDAH, o rastreio rotineiro para o abuso de substâncias deve ser a regra, especialmente após os 9 anos. Antes dos 9 anos de idade, deve-se promover psicoeducação sobre esses riscos. Para o rastreio, algumas ferramentas podem ser muito úteis, como o Screening for Brief Intervention (S2BI).  

Para o tratamento desses quadros, avaliar a necessidade de encaminhamento para tratamento de abuso de substâncias, principalmente em que há uso semanal da substância. O tratamento com medicamentos estimulantes para controle dos sintomas pode ser continuado, sempre considerando que essas medicações podem ser utilizadas como drogas de abuso. Uma opção é a troca da medicação para formulações menos propensas ao abuso, como a lisdexamfetamina. Em casos específicos, pode-se considerar a troca da medicação para não estimulantes ou mesmo, bupropiona.  

TEA e TDAH 

Por fim, a professora Tanya trouxe um panorama dos diagnósticos de transtorno do espectro autista (TEA) e TDAH. O diagnóstico diferencial entre esses dois quadros pode ser bastante difícil, uma vez que os comportamentos podem se assemelhar. Dessa forma, é fundamental que o pediatra consiga observar as especificidades de cada quadro, a fim de diferenciá-los. Por exemplo, é comum que os pacientes com TDAH apresentem hiperfoco, mas geralmente com coisas de interesse usuais para idade (como videogames, por exemplo), ao contrário de pacientes com TEA. 

De 31-95% dos pacientes com TEA apresentam sintomas de desatenção e/ou hiperatividade, demonstrando que os dois quadros também se associam com frequência.  

Com relação ao tratamento de pacientes com TEA e TDAH combinados, inicialmente o mais importante será ajuste das terapias comportamentais e educacionais, uma vez que medicações não controlam sintomas relacionados ao autismo. Porém, em pacientes que tenham seu tratamento comportamental otimizado e que ainda assim, apresentam sintomas de TDAH persistentes, o uso do metilfenidato tem a maior evidência para eficácia e segurança. Considerar, no entanto, que para essa população, as taxas de resposta são menores e as taxas de descontinuação do tratamento são maiores devido a eventos adversos.   

Mensagens para casa 

  • Cerca de 2/3 das crianças com TDAH apresentam comorbidade associada.  
  • Sintomas de desatenção e/ou hiperatividade que ocorrem apenas em um ambiente provavelmente não são TDAH.  
  • Sempre realizar rastreio para as condições mais comuns associadas ao TDAH nesses pacientes.  
  • Os quadros de comorbidades associadas ao TDAH terão tratamentos específicos dependendo da comorbidade, mas o uso de estimulantes é permitido em quase todas as situações (devendo analisar riscos e benefícios desse tipo de medicação dependendo do caso).  

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Autor

Editora-chefe de Pediatria ⦁ Médica formada pela UNIRIO ⦁ Residência médica em pediatria pelo HUPE/UERJ ⦁ Médica concursada do Ministério da Educação (Colégio Pedro II e CEFET-RJ) ⦁ Tem experiência nas áreas de Terapia Intensiva Pediátrica, Pediatria Geral e Medicina de Urgência.

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