Celebrado em 21 de março, o Dia Internacional da Síndrome de Down é uma oportunidade para comemorar a vida e as conquistas das pessoas com síndrome de Down, além de promover a inclusão e o respeito à diversidade. A data, escolhida por fazer referência à trissomia do cromossomo 21, que caracteriza a condição, foi oficializada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2012.
Avanços e desafios
De acordo com a Dra. Rita Gonçalves, pediatra e neonatologista, as últimas décadas definitivamente marcam uma grande virada no que tanto a sociedade quanto a comunidade médica sabem a respeito da condição genética.
“Em muitos casos, a visão que se tem do indivíduo com Síndrome de Down é ainda aquela do século passado, em que as crianças eram privadas do convívio com familiares, amigos, escola, justamente porque não se tinha conhecimento e tecnologia adequada para lidar de uma forma melhor com as comorbidades”, diz a criadora do 21Conecta, iniciativa de apoio e acolhimento humanizado ao paciente e familiares.
“Hoje essa perspectiva mudou: as crianças são alfabetizadas e seguem seus estudos, com as devidas adaptações e intervenções terapêuticas adequadas. Com isso, tem se tornado cada dia mais comum que cheguem à universidade, tenham suas carteiras de motorista, apresentem palestras, formem suas próprias famílias. Acessibilizar a informação é combater o preconceito”, completa.
Leia abaixo a entrevista completa com a Dra. Rita Gonçalves:
Como acolher uma família de um recém-nascido com síndrome de Down? Como encorajá-la diante da nova realidade?
Mostrando para ela as informações atualizadas. Até bem pouco tempo atrás, a expectativa de vida de uma pessoa com T21 era de 20 anos, ou seja, a família não “podia” se apegar muito a essa criança. Hoje essa perspectiva mudou: as crianças são alfabetizadas e seguem seus estudos, com as devidas adaptações e intervenções terapêuticas adequadas. Com isso, tem se tornado cada dia mais comum que cheguem à universidade, tenham suas carteiras de motorista, apresentem palestras, formem suas próprias famílias. Acessibilizar a informação é combater o preconceito.
De que forma abordar a educação e o aconselhamento de crianças com T21 em relação ao desenvolvimento expectativas futuras junto aos familiares?
A palavra-chave é continuidade. A família precisa entender a importância da rotina, porque as questões do paciente com trissomia não são pontuais. É preciso também trabalhar de forma antecipatória e preventiva. Olho um bebezinho e logo vou investigar, por exemplo, possíveis alterações auditivas, em busca de um diagnóstico precoce e intervenções que possam minimizar possíveis impactos negativos de uma privação sensorial e colaborar no seu desempenho.
Você ainda precisa desmistificar a trissomia? Como se faz isso?
Além desse cuidado que precisamos ter com a família, vejo que ainda há um caminho muito longo na desmistificação da SD entre os profissionais da saúde, não apenas médicos, mas enfermeiros, terapeutas, terapeutas ocupacionais etc. Dentro das especialidades que lidam mais diretamente com reabilitação, como fonoaudiologia, fisioterapia e psicopedagogia, a visão sobre a trissomia 21 e suas características costuma ser mais atualizada.
Quais as principais questões de saúde na infância e adolescência do indivíduo com síndrome de Down?
Em 2022, a Academia Americana de Pediatria publicou um artigo que revisa e atualiza o guia “Vigilância em Saúde de Crianças e Adolescentes com Síndrome de Down”. No topo da lista, estão as questões sensoriais, como perda auditiva e alterações na visão. Em seguida, tem a síndrome de apneia obstrutiva do sono, que acomete praticamente 100% dos indivíduos com SD. As cardiopatias congênitas aparecem em 50% dos indivíduos, que muitas vezes necessitam de abordagem cirúrgica. Já as infecções respiratórias, conjugadas ou não às cardiopatias, são a principal causa de morbimortalidade de crianças nascidas com T21. Há ainda as dificuldades alimentares, que vão acontecer no primeiro ano de vida, distúrbios endócrinos, alterações de gastrointestinais, como constipação severa, alterações imunológicas, como tireoidite, doença celíaca, diabetes, vitiligo.
Ultimamente, temos visto muitas pesquisas relacionadas à trissomia 21. Quais você considera mais promissores ou impactantes?
As mais impactantes, na minha opinião, são aquelas sobre o uso de antioxidantes e de imunobiológicos para tentar minimizar os efeitos da neuro-senescência em pessoas com SD. Uma das características da síndrome é o envelhecimento precoce, principalmente do sistema nervoso central, como o Alzheimer. Hoje, a expectativa de vida dessas pessoas triplicou, com indivíduos chegando aos 60 anos. Então, precisamos pensar na qualidade de vida que ele vai ter dentro dessa longevidade.
Quais termos devem ser deixados de lado em relação às capacidades das pessoas com deficiência?
Todos aqueles de caráter ofensivo e pejorativo ao indivíduo com síndrome de Down. O próprio nome da síndrome está caindo em desuso. Apesar de ser um epônimo em homenagem ao médico inglês que primeiro descreveu o fenótipo da trissomia, doutor John Langdon Haydon Down, há quem associe o termo em inglês “down” (“para baixo”) à vida da pessoa com a trissomia. O movimento hoje é justamente de mostrar que “existe algo a mais” nessa posição 21 do cromossomo.
Pode citar um caso que ilustre como a intervenção médica e o apoio adequado podem fazer diferença na vida de um paciente?
Houve o caso de uma criança com SD que chegou com diagnóstico de transtorno do espectro autista associado. Descobrimos que ele tinha era uma perda auditiva considerável, que o impedia de interagir. Foi feito o acompanhamento, ele foi protetizado e isso trouxe uma melhora nítida no comportamento social. Ou seja, com esse olhar mais abrangente e individualizada, a gente abre os horizontes dessa criança para que ela se desenvolva no máximo da sua potência.
Qual a importância da abordagem não capacitista por parte dos profissionais de saúde?
Quando você coloca a deficiência à frente da pessoa, você já está restringindo todas as suas potencialidades enquanto indivíduo. Ser anticapacitista é estar disposto a reconhecer as limitações de cada pessoa, sim, mas utilizar-se dos seus pontos fortes. É o nosso olhar não limitante que vai propiciar que esses indivíduos sejam econômica, profissional, afetiva e socialmente ativos.
* Dra. Rita Gonçalves é pediatra geral e atípica há 25 anos, membra da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), da Academia Americana de Pediatria (AAP) e da Newborn Brain Society (NBS). Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela Universidade Federal Fluminense, com habilitação para aplicação dos protocolos Bayley III e Denver II, e foco em Síndrome de Down, prematuridade e desenvolvimento infantil.
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Autor
Roberta Santiago é jornalista desde 2010 e estudante de Nutrição. Com mais de uma década de experiência na área digital, é especialista em gestão de conteúdo e contribui para o Portal trazendo novidades da área da Saúde.