Diretores impedem Aneel de votar caso Amazonas no último dia de MP

Fachada da empresa Amazonas Energia

Regimento interno da Aneel determina a presença de ao menos 3 diretores votantes para convocar uma reunião extraordinária; na imagem, prédio da Amazonas Energia

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Divulgação/Amazonas Energia




Eric Napoli



Geraldo Campos Jr.

Os diretores da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) que travaram a transferência da Amazonas Energia para a Âmbar Energia –braço no setor de energia elétrica do grupo J&F– impediram a realização da reunião extraordinária solicitada pela empresa dos irmãos Joesley e Wesley Batista no último dia de validade da medida provisória 1.232 de 2024, que viabilizava o negócio.

Mosna foi sorteado como relator do último recurso da J&F para conseguir a transferência do controle da distribuidora de energia do Amazonas, mas se declarou impedido de analisar casos envolvendo o grupo.

Em despacho enviado nesta 5ª feira (10.out.2024) ao secretário-geral da Aneel, Daniel Cardoso Danna, Mosna não explicou o porquê. Apenas citou o artigo 145 do Código de Processo Civil, em que a autoridade pode declarar suspeição sem expor os motivos. Com isso, Mosna é impedido de ser relator e votar em processos que envolvam a Âmbar. Leia a íntegra do despacho (PDF – 156 kb).

Já o diretor Ricardo Tili não poderia ser convocado para a reunião da Aneel desta 5ª feira (10.out). Segundo a página da agenda do diretor no site da agência, ele está em “afastamento sem substituto” desde 4ª feira (9.out). Voltará em 21 de outubro.

Como o regimento interno da agência reguladora determina um quórum mínimo de 3 diretores capazes de declarar voto, a Aneel ficou impedida de votar.

Ao longo de todo o imbróglio envolvendo a Amazonas Energia, Mosna e Tili votavam contra a transferência da distribuidora nos termos apresentados pela J&F. Do outro lado, a diretora Agnes da Costa e o diretor-geral Sandoval Feitosa avaliavam a proposta da Âmbar como benéfica à União.

A J&F poderia ter concretizado a transferência do negócio depois de uma decisão judicial que obrigou a Aneel a aceitar o plano da Âmbar. O acordo seria assinado sub judice –ou seja, aguardando decisão judicial.

A J&F pediu uma reunião extraordinária da agência reguladora para achar uma solução que garantisse segurança jurídica. Com a manobra de Mosna e Tili, a agência ficou de mãos atadas.

Entenda o caso da Amazonas Energia

A Amazonas Energia é a concessionária de distribuição no Estado do Norte. Desde antes da sua venda, em 2018, da Eletrobras para a Oliveira Energia, já apresentava um elevado nível de endividamento e inadimplência com obrigações setoriais. Em novembro de 2023, a Aneel recomendou ao governo a extinção (caducidade) da concessão.

A situação de insustentabilidade da Amazonas Energia perdura por décadas, acumulando perdas de mais de R$ 30 bilhões em 20 anos. Só com as térmicas da Eletrobras Eletronorte que forneciam para a distribuidora –e que também foram vendidas para o grupo J&F–, a dívida ultrapassa R$ 10 bilhões.

Além de problemas antigos da distribuidora, o Amazonas enfrenta um problema sério com os furtos de energia. Como mostrou o Poder360, a taxa de perdas não técnicas, os chamados “gatos”, supera o volume de fornecimento para todo o mercado de baixa tensão no Estado.

Quando foi privatizada, em 2018, o governo deu à nova gestão da Amazonas 5 anos de prazo para colocar a concessão de pé. Nesse período, as principais metas regulatórias exigidas da distribuidora foram flexibilizadas, evitando penalidades e garantindo a operação. No entanto, o prazo acabou em maio deste ano e a situação, em vez de melhorar, piorou.

A transferência do controle, a preço simbólico e com regras mais flexíveis, foi a alternativa mais viável encontrada pelo governo federal para salvar o serviço de distribuição de energia no Amazonas. As alternativas, que seriam a caducidade da concessão ou intervenção na empresa, trariam elevados custos para os cofres públicos e para as contas de luz.

Em 13 de junho, o governo publicou a MP 1.232 de 2024. Estipulou a possibilidade de transferência do controle acionário como alternativa à caducidade (cassação) da concessão da distribuidora, recomendada pela Aneel em 2023. Como a MP não foi votada pelo Congresso perdeu a validade em 11 de outubro.

A MP exigiu que qualquer proposta pela Amazonas Energia precisa passar pela Aneel, a quem cabe avaliar se o plano atende às regras. A agência pode fazer exigências adicionais para autorizar o termo aditivo do contrato, que precisará “prever as condições para promover a recuperação da sustentabilidade econômico-financeira do serviço de distribuição de energia elétrica, com vistas a obter o menor impacto tarifário para os consumidores”.

De acordo com a MP de junho, se houver a transferência do controle da Amazonas, ficarão novamente flexibilizadas metas regulatórias e custos operacionais por 3 ciclos tarifários, ou seja, 15 anos. Dentre eles estão:

  • custos operacionais;
  • taxa de perdas não técnicas (furto de energia);
  • taxa de inadimplência. 

Leia a cronologia do caso e as íntegras dos documentos:

  • jul.2023portaria (PDF – 438 kB) do MME cria grupo de trabalho para estudar o problema da Amazonas Energia;
  • nov.2023despacho (PDF – 153 kB) da Aneel recomendou ao MME a caducidade da concessão da Amazonas;
  • fev.2024 – grupo de trabalho do MME publica relatório (PDF – 2 MB) dando ao governo 3 caminhos para resolver o problema: A) caducidade do contrato, B) intervenção na distribuidora e C) adoção de medida legislativa flexibilizando novamente regras para a Amazonas Energia e solucionando custos operacionais da empresa;
  • jun.2024 – governo federal publica a MP 1.232 (PDF – 151 kB), que autoriza nova flexibilização de custos da Amazonas e a possibilidade de transferência da empresa para outro grupo econômico, por valor simbólico, como alternativa à caducidade;
  • 1º.jul.2024 – Amazonas submete a Aneel a proposta de transferência feita pela Âmbar/J&F por meio de 2 fundos de investimentos do grupo (documento com teor da proposta é sigiloso);
  • set.2024 – juíza federal do Amazonas de 1º grau concede liminar (PDF – 320 kB) em atendimento a distribuidora determinando que a Aneel aprove a proposta de transferência em até 48 horas a partir da notificação (entregue em 25.set, às 16h40);
  • set.2024 – superintendências técnicas da Aneel emitem nota técnica (PDF – 2 kB) que recomenda a rejeição da proposta de transferência e reforça indicativo de caducidade;
  • set.2024 – Amazonas Energia informa a Aneel sobre mudanças na proposta original da Âmbar/J&F já no final da noite. Uma nova alteração foi apresentada no dia 27 de setembro (documentos sob sigilo);
  • set.2024 – Aneel faz reunião extraordinária para julgar processo diante do prazo dado pela Justiça, mas diretoria não chega a consenso e votação termina empatada. Foram 2 diretores contra, seguindo o voto (PDF – 937 kB) do relator, Ricardo Tili. E 2 a favor da transferência, conforme o voto divergente (PDF – 506 kB) da diretora Agnes Costa;
  • set.2024 – Amazonas Energia entra com nova ação (PDF – 183 kB) na Justiça do Amazonas pedindo que a adoção, em caráter liminar, de medidas interventivas na agência para aprovação da transferência, como dar ao diretor-geral voto de minerva ou o direito de emitir decisão monocrática sobre o caso;
  • 1º.out.2024 – Aneel forma maioria para aprovar um plano de transferência alternativo, elaborado pela área técnica, com regras mais duras e custo menor para a CCC. Grupo J&F terá 24 horas para dizer que topará assumir a concessionária sob os novos termos;
  • out.2024 – Âmbar rejeita o plano alternativo da Aneel e entra com recurso pedindo a aprovação de uma nova proposta, com custo R$ 2 bilhões menor;
  • out.2024 – Aneel aprova transferência sub judice, seguindo os termos originais propostos pelas empresas através de decisão monocrática do diretor-geral, em cumprimento à decisão judicial;
  • out.2024 – Aneel cancela reunião e deixa de analisar recurso da J&F sobre a transferência, que poderia aprovar um plano mais seguro para a transferência.

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