Argentina inaugura trecho de gasoduto de olho em ajuda do Brasil

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, inaugurou neste domingo (9.jul.2023), dia em que é comemorada a independência do país, o 1º trecho do GPNK (Gasoduto Presidente Néstor Kirchner). A obra vem sendo classificada como a mais importante das últimas décadas no país pelo governo, que agora mira no possível financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para custear a próxima etapa da construção.

O trecho inicial conta com 573 quilômetros e conectará as reservas de petróleo e gás de xisto do campo Vaca Muerta, no oeste do país, até a província de Buenos Aires, no norte. Segundo a imprensa argentina, foram gastos US$ 2,5 bilhões no empreendimento, cujas obras começaram em 2022 e tiveram o cronograma de entrega antecipado em função das eleições no país, marcadas para outubro.

O plano do governo agora é licitar em breve a 2ª etapa, de 467 km, até a província de Santa Fé. Em uma fase futura, segundo a Casa Rosada, o gasoduto poderá ser ampliado para exportar para o sul do Brasil e norte do Chile os excedentes do gás de Vaca Muerta, considerada a 2ª maior reserva não convencional do mundo.

Enquanto a 1ª etapa foi construída com recursos próprios do governo argentino, para a próxima fase será necessário financiamento externo. A principal tratativa em curso é com o Brasil, para que as empresas que vão construir o trecho acessem crédito do BNDES (entenda mais abaixo). A China, porém, também tem interesse em financiar o empreendimento, segundo informações do site RT en Español.

O ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, disse na solenidade de inauguração que em setembro será convocada “a licitação para o 2º trecho do gasoduto Néstor Kirchner, que vai de Salliqueló a San Jerónimo, para terminar de abastecer a costa argentina” e assim permitir a “exportação via sul do Brasil“.

Em maio deste ano, o Poder360 noticiou que a TBG (Transportadora Brasileira Gasoduto Brasil-Bolívia), responsável pela importação de gás boliviano para o Brasil, disse que vai até a Argentina em agosto para estudar a viabilidade econômica de trazer o gás de Vaca Muerta para o país.

O gasoduto é um dos mais relevantes projetos de infraestrutura da Argentina. O país pretende com isso deixar de importar gás da Bolívia, assim como faz o Brasil, e passar a exportar o insumo para países vizinhos, aumentando a entrada de moeda forte no país. Com o duto em operação, a Argentina economizará US$ 2,2 bilhões por ano em importações, segundo o governo local.

FINANCIAMENTO BRASILEIRO

Em janeiro, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a confirmar que o BNDES financiará parte da obra estatal do gasoduto argentino. Mesmo antes de o petista confirmar a decisão do Brasil, porém, o governo da Argentina já havia se antecipado em 2022, depois da eleição, dizendo que receberia dinheiro brasileiro para o gasoduto.

A secretária de Energia da Argentina, Flavia Royón, anunciou em 12 de dezembro de 2022 que seu país já contava com US$ 689 milhões de financiamento do BNDES para concluir a construção do 2º trecho da obra.

Em 26 de junho deste ano, Lula voltou a falar do projeto dizendo que está “muito satisfeito” com a perspectiva “positiva” de o BNDES financiar a obra.

Estamos trabalhando na criação de uma linha de financiamento abrangente das exportações brasileiras para a Argentina”, declarou Lula na ocasião.

Já na 3ª (4.jul), o ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, publicou que se reuniu com Lula para conversar sobre o “contrato de financiamento do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] para as empresas que participam da construção da 2ª etapa do Gasoduto Néstor Kirchner”.

A medida indica contradições no governo do presidente Lula, segundo especialistas ouvidos pelo Poder360 em janeiro. Para o diretor para a América Latina da ONG 350.org, Ilan Zugman, o governo brasileiro não deveria financiar as obras. Isso porque o gasoduto escoará a produção de gás de xisto, que para ser extraído exige a utilização da técnica de fraturamento hidráulico, mais poluente.

O financiamento de um gasoduto para transportar gás de xisto ainda vai de encontro à agenda verde do BNDES, que tem sido uma das prioridades do banco de fomento brasileiro nos últimos anos.

O diretor e fundador do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), Adriano Pires, cita outra contradição na decisão de bancar o gasoduto na Argentina. O país vizinho tem 16.000 km de dutos construídos, e o Brasil, só 9.400 (leia no infográfico abaixo).

O Brasil tem amplas reservas de gás natural no pré-sal, mas o insumo não é explorado aqui justamente por causa da falta de dutos para transportar o gás. Enquanto isso, quase metade da produção de gás do pré-sal é reinjetada nos poços por falta de infraestrutura de escoamento.

GÁS DE XISTO

A reserva de Vaca Muerta, no oeste da Argentina, é uma formação geológica rica em gás e óleo de xisto, um tipo de rocha metamórfica com aspecto folheado e pode abrigar gás e óleo em frestas. Para extrair gás desse tipo de local há um processo considerado muito danoso ao meio ambiente, porque é necessário quebrar o solo, num sistema conhecido em inglês como “fracking”, derivado de “hydraulic fracturing”.

Nesse tipo de processo, é necessário fazer uma perfuração vertical no solo até uma determinada profundidade. Depois, a broca muda para a direção horizontal para ir fraturando o solo, inserindo água e produtos químicos e assim liberando gás e óleo que possam estar “presos” entre as rochas.

O gás de xisto é muito explorado nos Estados Unidos e foi fonte de energia barata nas últimas décadas para turbinar o crescimento econômico norte-americano. Mas há muitas preocupações com o efeito que isso causa ao meio ambiente.

A Escola de Saúde Pública de Yale, uma universidade dos EUA, publicou um texto em março de 2022 dizendo que o “fracking” usado “extensivamente aumentou as preocupações sobre o impacto no meio ambiente e na saúde das pessoas”.

O processo requer grande volume de água, emite gases que provocam o efeito estufa, como o metano, libera ar tóxico na atmosfera e produz barulho. Estudos indicam que esse tipo de operação para extrair óleo e gás podem levar a perda dos habitats de plantas e animais, declínio das espécies, disrupções migratórias e degradação da terra. Estudos também demonstraram haver uma associação entre os locais de extração de óleo e gás de xisto com gravidezes malsucedidas, incidência de câncer, hospitalizações e episódios de asma”, diz o texto da Yale University.

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