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Francisco Geraldes escreve no Maisfutebol durante o Euro 2024: e desta vez reflete sobre a pertinência do hino que Portugal cantou em uníssono em Leipzig

Francisco Geraldes

Francisco Geraldes escreve no Maisfutebol durante o Euro 2024: e desta vez reflete sobre a pertinência do hino que Portugal cantou em uníssono em Leipzig

Esperavam ler aqui um grande dissecar tático? Uma análise profunda ao 3x5x2 ou 3x4x3 (visto que foi uma destas duas disposições apresentadas numa aplicação desportiva)? Infelizmente, não consegui acompanhar o desenrolar da nossa sofrida vitória. Como diz o grande Marcos Fortes: de manhã é para se estar na caminha (de madrugada, neste caso). Como o jogo, em horário Malaio, era às 3:00 da manhã, não o consegui ver. 

Por outro lado, as redes sociais nunca desiludem. Vi inúmeros posts e tweets sobre a sensação indescritível que é o entoar do nosso hino em uníssono, o gritar «Às armas! Às armas!», enquanto se agarra no ombro do melhor amigo, do namorado, do tio, da prima ou do periquito. Há quem até ache uma afronta (a tragédia, o horror!) aqueles que colocam a hipótese de a letra ser desadequada. 

Pois bem. Eis os meus 50 cêntimos para esta discussão: 

A validade do nosso hino impõe uma reflexão crítica e radical (leia-se: na raiz) sobre o que ele representa e exalta. Neste caso, exalta tempos em que colocámos grilhões em milhões de pessoas (mercadoria, para muitos) com o objetivo de as vender noutro continente; em que roubámos terras alheias e violámos quem lá ficou. Portugal comercializou cerca de cinco milhões de escravos,  50 por cento do total de escravizados. 

Possivelmente, estes conservadores e reacionários estão mais interessados em manter viva a chama ideal de um passado que, talvez, tivessem interesse em replicar. Afinal, quando a lógica da mercadoria é sacralizada – lógica em que tudo se pode comprar ou vender -, por que não fazer de pessoas mercadoria?

Parece-me sensato questionar se em 2024 ainda faz sentido bater no peito de punho fechado enquanto se exalta um passado de terrorismo.  

Ainda assim, há quem compreenda as premissas anteriores, mas que ainda apele a uma questão puramente estética. 

Como nada é eterno, a questão estética e o sentimento de comunidade e união que se sente ao cantar um hino pode ser perfeitamente replicável com outro hino. 

Afinal, quem não se arrepiaria, por exemplo, com E Depois do Adeus, de Paulo de Carvalho, ou com o Grândola Vila Morena, do intemporal Zeca Afonso, cantados em uníssono? 

Ora, fechem lá os olhos e imaginem um estádio inteiro em crescendo até ao «… o ficarmos sós!» ou uma multidão no Terreiro do Paço a bater os pés – primeiro o esquerdo, depois o direito, em sequência interminável – enquanto cantam «Grândola Vila Morena / Terra da Fraternidade / O povo é cada mais ordena!». Acho que a ideia é brilhante (modéstia à parte).

Quanto ao jogo que não vi, foi bonito perceber que conseguimos manter acesa a chama do sofrimento. Nada como um bom empate até aos 90 minutos, para, de seguida, uma explosão de alegria. 

Eu, como não vou para novo, talvez continue com a sensata decisão (forçada) de não ver os jogos.


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