Antes de ingressar na Justiça, Iracema tentou conseguir a indenização pelas terras por meio administrativo. Em 2010, entraram com processos, mas os pedidos foram negados porque o ICMBio entendeu que não havia certeza da titularidade das terras.
Sem solução amigável, ela entrou com três ações em 2017, que correm ainda em primeira instância na Justiça Federal em Sobral (CE).
Em um dos casos, já há sentença favorável de 31 de maio, reconhecendo a titularidade das terras e o direito à indenização, mas em valor muito abaixo do avaliado —e ela vai recorrer (Leia mais abaixo).
Valores diferem mais de 99%
Os valores constantes no processo variam absurdamente entre os avaliados pela Justiça e considerados pelo ICMBio, que chegam a ser menos de 1% do total.
Valores apurados segundo perícia judicial (Preços de outubro 2021):
- Fazenda Junco 1 (457 hectares sobrepostos) – R$ 140.432.598,18
- Fazenda Junco 2 (265 hectares) – R$ 71.938.986,55
- Fazenda Caiçara (962 hectares) – R$ 412.406.636,01
- Total – 624,7 milhões (R$ 737,3 milhões, em valores atualizados pelo IPCA-E)
Valores indenizáveis, segundo o ICMBio (Preços de maio de 2019):
- Fazenda Junco 1 – R$ 1.158.189,62
- Fazenda Junco 2 – R$ 770.881,73
- Fazenda Caiçara – R$ 2.314.142,65
- Total – 4,24 milhões (R$ 6,71 milhões, em valores atualizados pelo IPCA-E)
O caso fazenda Junco 1 se tornou nacionalmente conhecido na semana passada, após a divulgação de um acordo que ela fez com a PGE (Procuradoria-Geral do Estado) para receber as áreas remanescentes da Vila de Jeri, que fica ao lado do parque nacional.
Ela apresentou documentos que mostraram que, dos 88,2 hectares da vila, e 73,5 estavam dentro da fazenda registrada no nome dela. Após 20 anos sem saber que teria direito, ela procurou o estado no ano passado e fez um acordo para receber 4,2 hectares de área ainda desocupadas da fazenda na vila.
O Conselho Comunitário de Jeri reclama do acordo, diz ter dúvidas sobre o direito de posse após mais de 40 anos (a compra da terra é datada de 1983) e pretende recorrer à Justiça para tentar a anulação.
Caso vencido, valor frustrado
Até agora, apenas a fazenda Caiçara teve reconhecimento judicial da titularidade e direito à indenização do ICMBio.
Ela é pertencente à empresa STM – Serviços e Comércio de Produtos de Couro LTDA, que tem Iracema como titular. Nos outros dois processos, ainda não há decisão.
Na sentença, o juiz Sérgio de Norões Milfont Júnior, 18ª Vara Federal do Ceará, entendeu que o valor que Iracema teria direito deveria ser o avaliado em laudo de vistoria e avaliação de imóvel rural do ICMBio, no valor de R$ 2,4 milhões. Esse valor deve ser corrigido pelo IPCA-E de maio de 2019 em diante.
O laudo oficial, que apontou que a fazenda valeria R$ 412 milhões, não foi aceito pela justiça porque “possui impropriedades que prejudicam o acolhimento do montante da indenização proposta a título de terra nua, não sendo possível sua aceitação ainda que parcial, uma vez que a propriedade não possui benfeitorias indenizáveis.”
A metodologia e os critérios adotados [pelo ICMBio] para sua feitura revelam-se absolutamente adequados e razoáveis para a espécie, haja vista a análise das características ambientais da área do Parque Nacional de Jericoacoara, dos aspectos socioeconômicos e turísticos da região, caracterização do solo do imóvel em apreço e sua localização, bem como a respectiva avaliação do imóvel.
Sentença do juiz Sérgio de Norões
O advogado da família, Marcellus Melo Silva, afirmou à coluna que vai recorrer por entender que o valor é injusto.
Temendo a repetição de uma nova escolha do valor proposto pelo ICMBio, o advogado pediu à Justiça para confecção de mais um laudo. “Nos pedimos que seja feita uma nova perícia e que o juiz não acate a avaliação do ICMBio para valorar o imóvel”, diz Silva.
O ICMBio indica que o metro quadrado da região valeria ínfimos VINTE E QUATRO CENTAVOS, um verdadeiro absurdo! Em lugar algum se consegue comprar terrenos à beira-mar, ao lado de dois dos maiores e mais cobiçados destinos turísticos do Estado a preço tão vil.
Alegações finais de processo da fazenda Junco 1
Sem resposta
O UOL procurou, ainda na manhã da quarta-feira (22), o ICMBio para que comentasse sobre as ações, mas não houve retorno.
Na ação, o órgão defendeu que haveria a prescrição no direito à indenização por desapropriação indireta, uma vez que já que a ação foi impetrada após mais de 10 anos da criação do Parque Nacional.
Também argumentou que a aquisição das propriedades por Iracema teria ocorrido em data posterior à criação do parque, o que anularia o direito à indenização. Nenhuma das duas argumentações foram aceitas pelo Judiciário.
Quanto à aquisição da fazenda, o juiz diz que a defesa provou que foi comprada em novembro de 1980, e o que houve após a criação do parque foi a mudança de matrícula pela readequação dos serviços cartoriais no estado.
A certidão cartorária que faz alusão ao ano de 2006 consiste em certidão de abertura de nova matrícula após o deslocamento da competência do Cartorário da Comarca de Acaraú para a Comarca de Cruz. À vista da cadeia dominial do bem, resta demonstrada a propriedade da parte autora em momento anterior à criação do Parna [Parque Nacional] de Jericoacoara.
Sentença do juiz Sérgio de Norões
Sobre a prescrição, o juiz lembrou que a família havia entrado com pedido administrativo em 2010. Além disso, destaca que a área do parque foi redefinida em nova lei de 2007, o que também zeraria o prazo para pedido.
Reportagem
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