Pedro Santos e José Carlos não perdem (literalmente) um jogo do seu clube
Estádio José Gomes, Amadora
Pedro Santos e José Carlos não perdem (literalmente) um jogo do seu clube
Estádio José Gomes, Amadora
A um domingo, as ruas que circundam o Estádio José Gomes, na Reboleira, encheram-se de azul e amarelo. Algo não muito habitual para alguns curiosos que, à porta dos prédios, depararam-se com adeptos de duas equipas, sem que nenhuma delas vestisse a mítica camisola tricolor do Estrela da Amadora.
Grupos de adeptos do Sintrense e do FC Porto cruzavam-se nas ruas, sem picardias, à procura do ‘abastecimento’ pré-jogo que também faz parte do espetáculo – uns talvez pedissem um «fino», outros uma «imperial», mas o conteúdo dentro do copo era o mesmo. Reinava a concórdia em ‘campo neutro’.
É que o estádio do Sintrense, equipa da casa segundo o sorteio realizado na Cidade do Futebol, em Oeiras, não tinha capacidade para albergar este encontro. Há três anos, em 2021, a sorte também ditou que os da Portela de Sintra recebessem o FC Porto, e jogaram em Queluz, no estádio do Real Sport Club. Agora, o Estrela da Amadora acolheu a partida, a 19 quilómetros da verdadeira casa do Sintrense.
«Trocava tudo para jogar no nosso campo», afirma Pedro Santos, adepto «do coração» do Sintrense, apesar de admitir alguma simpatia pelo FC Porto. «Entristece-me muito porque a Portela merecia ter lá um ‘grande’ e os idosos que deram muito ao clube, outros já faleceram, mereciam que o jogo fosse lá realizado. É um sabor agridoce que fica», admite.
Mas este não é um adepto qualquer. O pedreiro, de 48 anos, pode muito bem ser considerado o aficionado mais fiel do Sintrense, equipa que milita no Campeonato de Portugal, a quarta divisão nacional. E o seu companheiro de domingo é o pai – José Carlos, de 71 anos, incutiu o gosto no filho e faz questão de ver também todos os jogos.
Menos um encontro que Pedro Santos teve de encarar sozinho. E quando dizemos sozinho… não exageramos. Pedro diz ter sido o único adepto do Sintrense presente na deslocação ao Operário Lagoa, dos Açores, em 2021.
«A malta não queria ir e outros não puderam. Não fui para outro país, mas acaba por ser uma aventura. Fui de avião sozinho. Era o único vestido de amarelo na bancada, não havia nem sequer pais de jogadores», garante Pedro, acrescentando que os açorianos não o deixaram pagar bilhete por ser o único adepto visitante.
E o Sintrense visita o Lagoa de novo a 3 de novembro, para o Campeonato de Portugal. Talvez se avizinhe mais uma «aventura» para o pedreiro. «Mesmo doente vou», diz, porque em qualquer jogo «cria-se amizades», sempre com uma cerveja por perto. Até durante a entrevista vão chegando ‘reforços’.
Ao lado do pai (que também não dispensa o sumo de cevada) e de alguns amigos, Pedro Santos elogia o trajeto do Sintrense nos últimos anos, lembrando alguns jogadores que saíram para patamares superiores – Hélio Varela (Gent), David Teles (Anadia), Afonso Simão (Oliveira do Hospital) ou Danny Tavares (Belenenses) -, mesmo com bastantes mudanças na direção após a saída de investidores chineses «que não estavam a ter retorno». Agora, Nani, internacional luso, investiu no clube.
Queixando-se de alguns erros de arbitragem nos duelos com o Moncarapachense e o Louletano, Pedro Santos alega que o Sintrense devia ser ainda mais líder da Serie D do Campeonato de Portugal (divide o primeiro posto com Louletano e Lusitano de Évora). Acima de tudo, mostra-se contente por acompanhar a equipa ao lado do pai: «um sentimento que não é fácil explicar».
«Seja quem for o vencedor, vou ficar sempre a ganhar»
Depois, há também quem tenha o coração dividido. E também o guarda-roupa. No aglomerado de adeptos do FC Porto que se amontoam junto à entrada principal do Estádio José Gomes, muitos deles com sotaque nortenho, encontramos um grupo de amigos vestidos com camisolas do FC Porto. Um deles tem um ‘segredo’.
Quando abordado pelo Maisfutebol, Fábio Carvalho sobe ligeiramente a camisola do dragão, versão 2023/24, para mostrar uma outra do Sintrense, toda amarela. «Assim, fico sempre a ganhar», sorri Fábio Carvalho, que depois nos revela ter sido nascido e criado em Sintra.
«Se o Sintrense marcar um golo fico contente, mas a ideia é o FC Porto vencer», explica Fábio, com a concordância do amigo e conterrâneo Pedro Ferreira, também equipado de azul. «Não posso ficar triste com uma derrota do Sintrense, só se for um resultado muito pesado», admite.
Ambos esperavam um golo de Pipas, experiente capitão do Sintrense que fez 100 jogos pelo clube, mas tal não veio acontecer. O prognóstico de Pedro Ferreira não distou muito da realidade, pois apostou num 3-1. Só faltou os homens orientados por Pedro D’Oliveira chegarem ao golo.
Mas, claro, se o jogo tivesse sido realizado na Portela havia um gosto ainda mais especial. «Ia sempre ser mais difícil para o Porto na nossa casa, na nossa Serra», diz Fábio, mas o amigo Pedro lembra um fator importante: «Em Sintra não levava tanta gente, aqui é bom para ir buscar mais dinheiro, também é preciso».
Os dois terão ficado bastante satisfeitos com o resultado. Tal como pedido, não foi humilhante para o Sintrense, que se bateu bem e não abdicou de alguns dos seus princípios de jogo, e o FC Porto seguiu em frente. Só admitem uma coisa no final da época, que é serem campeões.
«O Sérgio Conceição tinha aquela garra, mas o Vítor Bruno está a fazer um bom trabalho. Com condições, vamos conseguir lutar pelo título», afirma Fábio Carvalho, antes de voltar, após este pequeno aparte jornalístico, à chamada festa da Taça.
O autocarro do Sintrense chegou primeiro, seguido da muito saudada comitiva do FC Porto. Pouco depois, todos os intervenientes acorreram para dentro do Estádio José Gomes, pois era lá que se discutia o jogo. Mas, na Taça de Portugal, já se sabe que o resultado (3-0) é um pormenor.
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