Thais Bilenky

“Vou falar a verdade. É pintado como demônio. Está entendendo? Demônio.”

O pastor Aldo Ramos assim descreveu a imagem que se tem de Boulos na sua igreja, o Ministério Ação Divina, na zona sul de São Paulo. Ou se tinha.

Ele votou em Pablo Marçal (PRTB) no primeiro turno.

“Achei que estava certo. Mas o povo evangélico não é bobo. A gente conhece no olhar a sinceridade, se está sendo do coração ou não”, diz.

Passado o primeiro turno e com Marçal fora da disputa, Ramos foi procurado para uma aproximação com o candidato do PSOL.

“A gente faz trabalho nos presídios, nos asilos, nos orfanatos. A gente frequenta esses lugares e eu vi que as propostas [de Boulos] são para essas pessoas também”, explica.

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“O povo, irmã, eles só estão querendo um abraço. A gente consegue tirar bandido do crime com um abraço simplesmente, uma palavra de amor.”

O pastor foi uma das cerca de cem lideranças evangélicas a comparecer na última segunda-feira (21) a um ato de apoio ao candidato do PSOL em um hotel no centro da capital paulista.

O evento faz parte do esforço da campanha para se aproximar de um dos segmentos mais distantes da esquerda na reta final do segundo turno.

Reuniram pastores que antes apoiavam outros candidatos ou se abstiveram.

Ronaldo Ribeiro, da Assembleia de Deus de Piraporinha, é um deles. Não votou no primeiro turno e, no segundo, deixou-se envolver com Boulos.

“Guilherme é mostrado nas igrejas com retrato que não é o dele, de invasor de terra, cheirador de coca, tudo o que não presta”, disse. “Marçal só reforçou [o estigma] de que ele tenta implementar ideologias que não combinam com o setor religioso.”

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A máquina de fake news que opera em grupos como os de evangélicos não é novidade desta eleição, mas políticos e pastores que se identificam como de esquerda admitem que não conseguiram fazer frente.

Os pastores Ariovaldo Ramos e Jair Batista
Os pastores Ariovaldo Ramos e Jair Batista Imagem: Thais Bilenky/UOL

“Invasor, abortista, comunista, contra o Evangelho, nada disso é verdade, mas a direita produz esse tipo de coisa aos borbotões”, diz Ariovaldo Ramos, pastor da Igreja Cristã Reformada.

Formado em teologia e em filosofia na USP, como Boulos, ele é um dos principais interlocutores do candidato com o setor evangélico.

“A gente reage, só que a gente não tem esse poder de redes sociais que eles têm. Desde Bolsonaro, trabalham insistentemente na criação de bolhas. Não conseguimos fazer igual”, admite.

O próprio Boulos admitiu problemas na aproximação com evangélicos, e não apenas com eles.

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Empreendedores periféricos, motoristas de aplicativo, setores que não se enquadram nos parâmetros usados pela esquerda brasileira tradicional para organizar a sociedade, também estiveram distantes dele.

Para tentar virar voto, o candidato do PSOL fez uma Carta ao Povo de São Paulo —que lembra a Carta ao Povo Brasileiro de Lula na campanha a presidente em 2002.

Boulos diz no texto reconhecer que, “pelo nosso propósito de olhar sempre para os invisíveis, muitas vezes nós da esquerda deixamos de falar com tanta gente que também batalha, sofre o dia a dia das periferias e que buscou encontrar sua própria forma de ganhar a vida”.

“A periferia mudou. Você, mulher que foi abrir seu salão, vender salgados na garagem de casa ou na porta do metrô, sabe disso. Você, jovem, que financiou uma moto e foi trabalhar sem parar e sem nenhuma proteção, sabe disso. Você que pega um carro e dirige a cidade toda como motorista de aplicativo sabe disso. Muitas vezes nós deixamos de falar com vocês.”

A admissão veio acompanhada de alguns esforços, como os encontros com evangélicos. Na quinta, ele ainda visitou o serviço assistencial de uma igreja evangélica.

Boulos também realizou reuniões com taxistas, fez promessas a motoristas de app e lançou proposta de linha de crédito pra empreendedores.

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O próprio Lula, dias depois do primeiro turno, foi na mesma linha.

“Houve mudança substancial e nós precisamos adequar o nosso discurso ao mundo do trabalho, que não é só carteira profissional assinada”, disse à rádio O Povo/CBN, do Ceará.

Marília Campos (PT), prefeita de Contagem (MG) reeleita
Marília Campos (PT), prefeita de Contagem (MG) reeleita Imagem: Janine Moraes /Divulgação

Relacionamento confuso

Uma das fundadoras do PT soube ler as mudanças a tempo. Marília Campos se reelegeu prefeita de Contagem, na Grande BH, com 60% dos votos e se tornou a petista com o melhor desempenho no primeiro turno no país.

Campos começou sua trajetória no Sindicato dos Bancários, mas entendeu que o sindicalismo e a carteira de trabalho perderam lugar na simbologia cara ao eleitorado contemporâneo.

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“Está confuso o relacionamento. O PT apresenta a carteira de trabalho a esse grupo [de empreendedores individuais], e eles não querem. Querem a regulação da atividade deles, e não temos ainda proposta pra apresentar”, ela afirma.

“Ninguém tem, nem a direita, mas precisamos construir.”

Depois da Lava Jato, a prisão de Lula e a ascensão da extrema direita, Marília Campos observou uma inversão no prestígio da esquerda e da direita no país.

“Quando fui candidata pela primeira vez [em 1996], bastava eu me identificar como do PT e saía com 30%. Era a candidata da esperança, da mudança, do PT. Hoje para ser candidata da esquerda precisa ser mais que isso”, compara.

Do outro lado, a situação se inverteu. “Basta você dizer que é candidato da direita e já sai com percentual grande”, ela nota.

“Em função de certo pessimismo conjuntural, ou enfraquecimento da esperança, as pessoas se apegam à fé, à moral. De repente ser a favor ou contra a liberação das drogas é mais importante do que qualquer política econômica. De repente defender arma para todos é mais importante do que qualquer política de combate à fome”, diz a prefeita.

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Campos afirma que perdeu adesão entre evangélicos ao abraçar todas as religiões e defender liberdade inclusive para religiões de matriz africana.

“Perdi voto dos evangélicos porque respeito o candomblé e a umbanda e não deixo de aparecer nos eventos específicos. Meu adversário [o bolsonarista Junio Amaral, do PL] explorou isso, disse que eu ia trazer a umbanda pra cidade. Mantenho um pé lá e um pé cá. Vou a eventos dos evangélicos, católicos, espíritas, respeito quem não tem religião, mas isso é transformado em material preconceituoso e racista contra a gente.”

A estratégia de Marília Campos de fazer frente ao discurso da extrema direita abraçando a diversidade pode servir de estudo para outros candidatos do seu campo.

“Me sinto vitoriosa quando tenho 70% dos votos assumindo que sou do PT, aliada do Lula, a favor das liberdades religiosas, contra qualquer tipo de preconceito. Me sinto vitoriosa porque a campanha do adversário é feita combatendo esse tipo de valor democrático.”

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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