Um sistema alimentar mundial mais sustentável poderá ser alcançado através da “agricultura elétrica”, um novo método radical de produção de alimentos, defendem investigadores num artigo prospetivo publicado na revista científica Joule, da norte-americana Cell Press.
O método proposto por uma equipa de bioengenheiros poderá permitir “reduzir a quantidade de terra necessária para a agricultura” e “também ser usado para cultivar alimentos no espaço”, segundo um comunicado de divulgação do estudo.
Considerando que “a fotossíntese (…) é extremamente ineficiente na captura de energia”, os investigadores propõem “a adoção de uma estrutura de ‘agricultura elétrica’ que combina eletrólise de CO2 (dióxido de carbono) com sistemas biológicos”.
No artigo sublinha-se que “os desafios crescentes das mudanças climáticas e da fome a nível mundial (…) obrigam a ultrapassar as limitações da ineficiência fotossintética”.
Em relação à agricultura tradicional, o novo método será pelo menos “quatro vezes mais eficiente”.
No essencial, “o método substitui a fotossíntese (tradicional) por uma (outra) reação química alimentada por energia solar que converte CO2 numa molécula orgânica”, da qual se alimentarão plantas “geneticamente modificadas” para tal.
Na “agricultura elétrica” os campos agrícolas serão substituídos por prédios de vários andares. Painéis solares nos edifícios ou perto deles absorverão a radiação solar, o que permitirá “produzir acetato”, o alimento de “plantas que são cultivadas hidroponicamente”.
Robert Jinkerson, engenheiro biológico da Universidade da Califórnia em Riverside e autor correspondente do artigo, assinala que se deixar de ser preciso cultivar plantas com luz solar, pode ser possível “dissociar a agricultura do meio ambiente e cultivar alimentos em ambientes internos e controlados”.
“Penso que precisamos de mudar a agricultura para a próxima fase tecnológica e produzir alimentos de forma controlada e separada da natureza tem de ser o próximo passo”, adianta, citado no comunicado.
O autor sénior do estudo, Feng Jiao, eletroquímico da Universidade de Washington em St. Louis, diz que “o objetivo deste novo processo é tentar aumentar a eficiência da fotossíntese”, sublinhando que um método mais eficiente significa tornar menor a pegada de CO2 associada à produção de alimentos.
Para a modificação genética das plantas, necessária para que se alimentem de acetato, os investigadores “estão a aproveitar uma via metabólica que as plantas em germinação usam para decompor nutrientes armazenados nas suas sementes”.
“Essa via é desligada quando as plantas se tornam capazes de fotossíntese, mas ligá-la novamente permitiria que elas usassem o acetato como fonte de energia e carbono”.
Já foram desenvolvidos vegetais “que podem usar acetato, além da fotossíntese”, mas o propósito final é criar plantas que podem obter toda a energia necessária do acetato, o que significa que não precisariam de luz.
A investigação tem estado centrada em alfaces e tomates, mas a equipa pretende estudar no futuro alimentos de alto teor calórico, como a mandioca, a batata-doce e cereais.
“No caso das plantas, estamos na fase de pesquisa e desenvolvimento para tentar fazê-las utilizar o acetato como (única) fonte de carbono, (…) e estamos a avançar”, refere Jinkerson.
“Cogumelos, leveduras e algas já podem ser cultivados assim atualmente”, acrescenta.
Os investigadores também tencionam continuar a aperfeiçoar o seu método de produção de acetato para tornar o sistema de fixação de carbono ainda mais eficiente.
“Este é apenas o primeiro passo nesta investigação e penso que há esperança de que a sua eficiência e custo sejam significativamente melhorados num futuro próximo”, adianta Jiao.
As conclusões do artigo apontam para “uma redução de 88% no uso de terras agrícolas” nos Estados Unidos, se a “agricultura elétrica” fosse utilizada, o que constituiria “uma oportunidade para restaurar ecossistemas naturais em quase metade da massa terrestre do país”.
Indicam também que, baseado num ambiente controlado, o sistema alimentar será “menos suscetível a condições climáticas cada vez mais severas, a secas e inundações devido a um clima em rápida mudança”, o que permitirá evitar “picos de preços dos alimentos”.