As antraciclinas, que causam cardiotoxicidade de forma dose dependente, são amplamente utilizadas no tratamento do câncer, principalmente câncer de mama e os hematológicos. Geralmente a cardiotoxicidade ocorre com manifestação de injúria miocárdica (detectada pelo aumento de troponina) e, em casos mais graves, insuficiência cardíaca (IC).
Sua prevenção pode ajudar a reduzir o impacto do tratamento do câncer na expectativa de vida dos sobreviventes ao tratamento e os inibidores da ECA podem ter um efeito protetor. No estudo PROACT, apresentado no congresso do American College of Cardiology (ACC 2024), a hipótese era de que haveria benefício do enalapril na prevenção da cardiotoxicidade por antraciclinas em altas doses.
Métodos do estudo e população envolvida
Foi estudo multicêntrico, randomizado e controlado que avaliou pacientes com câncer de mama ou linfoma não Hodgkin (LNH) que receberam seis ciclos de antraciclinas em altas doses (≥300mg/m2 de equivalência a doxorrubicina).
Os critérios de exclusão eram injuria miocárdica de base, fração de ejeção do ventrículo esquerdo < 50%, contraindicações a enalapril ou uso de inibidores do sistema renina angiotensina aldosterona.
Os pacientes recebiam enalapril com dose alvo de 10mg 12/12h no grupo intervenção ou tratamento padrão. O desfecho primário era injuria miocárdica definida como troponina T (cTNT) ≥14ng/L após 30 dias da última quimioterapia.
Os desfechos secundários eram injuria miocárdica definida como troponina I (cTNI) > 26,2ng/L, queda do strain global longitudinal do ventrículo esquerdo (SGL VE) > 15% em relação ao basal ou queda absoluta da FEVE > 10% em relação ao basal para valores menores que 50%
Os pacientes eram avaliados no início do estudo e as troponinas eram coletadas em até 72 horas antes da quimioterapia programada. Troponinas e ecocardiograma eram feitos após um mês do término do tratamento.
Resultados
Foram analisados 54 pacientes em cada grupo. Os pacientes tinham idade média de 58 anos, a maioria eram mulheres (75%) brancas do Reino Unido. Os grupos eram semelhantes, inclusive com esquemas de quimioterapia balanceados.
Em relação ao tipo de câncer, 62% tinham câncer de mama e 38% LNH. A dose de quimioterapia recebida foi equivalente a 328mg/m2 de doxorrubicina e mais de 75% dos pacientes tiveram a dose do enalapril em 20mg, com dose média de 17,7mg.
Todos os pacientes tinham troponinas negativas no início do estudo e, em relação ao desfecho primário, não houve diferença entre os grupos (78% no grupo enalapril e 83% no grupo tratamento padrão, com OR 0,65, IC 0,23-1,78, p=0,405).
Também não houve diferença nos desfechos secundários analisados. As dosagens de cTnI foram menos frequentemente aumentadas que as de cTnT, ocorrendo em 47% no grupo enalapril e 45% no tratamento padrão. Os valores de troponina foram ascendentes nos dois grupos ao longo do tempo. Do total, 81% dos pacientes tiveram injuria miocárdica pelo critério da cTnT e 46% pela cTnI, não se observado equivalência entre as troponinas.
Em relação ao ecocardiograma, 21% tiveram queda maior que 15% do SGL VE e 2% tiveram queda maior que 10% da FEVE para valores menores que 50%, sem diferença entre os grupos.
Comentários e conclusão
Esse estudo não mostrou benefício no uso do enalapril como forma de prevenir a cardiotoxicidade decorrente do uso de antraciclinas em altas doses.
Existem algumas limitações: o estudo foi aberto, o poder estatístico foi reduzido em decorrência da pandemia de covid-19, houve dificuldade de recrutamento e o ecocardiograma foi realizado de forma precoce após o tratamento. O seguimento clínico e com ecocardiograma ainda continua e logo teremos o resultado de mais longo prazo.
Questionamento interessante trazido a partir dos resultados é em relação a qual troponina utilizar na avaliação desses pacientes na prática clínica, já que atualmente as diretrizes não fazem diferenciação entre a troponina T e I, porém neste estudo vimos que a cTnT foi mais frequentemente alterada.
Veja aqui todos os destaques da nossa cobertura do ACC 2024!
Confira também o Instagram e o site da Afya CardioPapers para mais informações sobre a edição deste ano do congresso do American College of Cardiology.
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Autor
Editora de cardiologia do Portal PEBMED ⦁ Graduação em Medicina pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) ⦁ Residência em Clínica Médica pela UNIFESP ⦁ Residência em Cardiologia pelo Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) ⦁ Atualmente atuando nas áreas de terapia intensiva, cardiologia ambulatorial, enfermaria e em ensino médico.