Diferença salarial entre homens e mulheres na medicina

Se por um lado devemos comemorar a crescente presença feminina em profissões anteriormente hegemonicamente masculinas, nosso avanço nesses espaços tensiona e explicita desigualdades de gênero ainda não superadas. Dados da Demografia Médica no Brasil 2023, estudo fruto de uma cooperação técnica entre a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), revela que em 2023 as mulheres representavam 49,3% dos médicos no Brasil e, se confirmadas as projeções do estudo, nos tornaremos em 2024 a maioria dos médicos, representando 50,2% do montante total. 

Nossa presença majoritária, no entanto, não significa que estamos submetidas as mesmas condições de competição no mercado de trabalho e as mesmas possibilidades de desenvolvimento na carreira.  

Conforme os dados da Demografia Médica, nós, mulheres médicas, recebemos 36,3% menos que nossos colegas do sexo masculino (os dados são oriundos das declarações de imposto de renda feitas a Receita Federal. Em 2020, a renda média das mulheres médicas foi de R$ 23.205 frente a R$ 36.421 dos homens).

Leia: Como as profissionais da medicina se preparam e lidam com os desafios inerentes à maternidade sem abdicar da profissão

Considerando os médicos com idade de 19 a 30 anos, o salário das mulheres correspondia a 82,7% dos salários dos homens. Nas faixas etárias de 31 a 40 anos e 41 a 50 anos, no entanto, o abismo aumentava, representando 67,1% e 65,5% respectivamente, com tendência de recuperação da diferença salarial a partir dos 50 anos, mas sem atingir o patamar observado entre 19-30 anos.  

Estudos apontam disparidade salarial entre homens e mulheres na Medicina

Contextualizando 

A ampliação da diferença pode estar relacionada a um fenômeno bem evidenciado na literatura: o salário e a participação no mercado de trabalho das mulheres reduzem após o nascimento de um bebê, com impactos persistentes da maternidade, de forma tal que mesmo após 10 anos do nascimento do bebê os salários das mães não retornem ao patamar pré-nascimento. 

Os dados apresentados pela Demografia Médica estão em acordo com trabalhos prévios. No estudo conduzido por Mainardi e colaboradores publicados em 2019 no British Medical Journal (BMJ), com dados coletados em 2014 com 2.400 médicos no Brasil, a probabilidade de um médico estar entre os mais bem remunerados da profissão era de 17,1%, contra 4,1% das médicas. Além disso, 80% das mulheres estavam nas três faixas de renda mais baixas frente a 51% dos homens nas três faixas superiores.  

A diferença salarial persistia mesmo quando possíveis fatores de confusão eram ajustados, como jornada de trabalho, número de plantões, trabalho em consultório, tempo de prática e especialização. Ou seja, a diferença salarial se mantinha entre os gêneros, mesmo quando a comparação era entre profissionais com características de trabalho similares. Outra questão levantada foi a maior presença das médicas em especialidades com remuneração menor, como pediatria, ginecologia e clínica geral, elemento que também não foi capaz de explicar a diferença salarial entre os gêneros. Desse modo, evidencia-se que a diferença salarial se deve exclusivamente a discriminação de gênero.

8 de março: Conquistas e desafios das mulheres na carreira da medicina 

A luta

Em posições de liderança, as mulheres são ainda minoritárias: nos seus 73 anos de história, o Conselho Federal de Medicina nunca contou com um presidente do gênero feminino. A sub-representação das mulheres nos espaços de decisão corrobora para que problemas enfrentados pelas médicas em decorrência da desigualdade de gênero sejam menos tematizados e menos combatidos: é indiscutível que sofrer diariamente os impactos da violência de gênero confere as mulheres uma sensibilidade diferenciada a tais questões.  

Neste mês de resgate das lutas históricas das mulheres, precisamos celebrar as conquistas e ratificar nosso desejo de condições paritárias para que ocupemos os espaços públicos e profissionais de modo a expressar nossas potencialidades e sermos adequadamente reconhecidas e recompensadas pelos nossos esforços.

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Autor

Médica pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Residência em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP). Mestranda em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP). Psiquiatra Assistente do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP).

Referências bibliográficas:
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  • SCHEFFER, M. et al. Demografia Médica no Brasil 2023. São Paulo, SP: FMUSP, AMB, 2023. 344 p. ISBN: 978-65-00-60986-8.

 

  • Mainardi GM, Cassenote AJF, Guilloux AGA, et al. What explains wage differences between male and female Brazilian physicians? A cross-sectional nationwide study. BMJ Open 2019;9:e023811. doi: 10.1136/bmjopen-2018-023811. 

  • Hernandes, E. S. C. & Vieira, L. (2020, 16 de abril). A guerra tem rosto de mulher: trabalhadoras da saúde no enfrentamento à Covid-19. ANESP. Disponível em: http://anesp.org. br/todas-as-noticias/2020/4/16/a-guerra-tem-rosto-de-mulher-trabalhadoras-da-sade-no-enfrentamento-covid-19. Acessado em 08 de março de 2024. 

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