Tratamento padrão versus Octreotide em sangramento relacionado à angiodisplasia

Caracteriza-se como angiodisplasia pequenos vasos sanguíneos tortuosos e dilatados, sem camada muscular lisa e localizados na submucosa do Trato Gastrointestinal Gastrointestinal (TGI). Essa é a malformação vascular mais comum encontrada no TGI, sendo uma fonte de sangramento intratável do intestino delgado, especialmente em pacientes idosos.  Clinicamente os pacientes manifestam-se com episódios recorrentes de sangramento, que podem ser evidentes ou ocultos, este último resultando em anemia por deficiência de ferro.  

Tipicamente esses pacientes são tratados com suplementação de ferro e transfusões sanguíneas, quando indicados, mas a dependência transfusional reduz a qualidade de vida e tem uma maior correlação com morbidade e mortalidade. Outra alternativa possível para o tratamento dessa condição é o uso de ablação endoscópica, por meio de coagulação com plasma de argônio (APC), porém sua eficácia é limitada e as taxas de ressangramento relevantes, chegando a cerca de 34% dentro de dois anos segundo alguns estudos prévios.  

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Nesse contexto, de tratamentos não totalmente eficazes para o manejo de pacientes do angiodisplasias e que apresentam anemia refratária e dependente de transfusão, a discussão sobre uma alternativa farmacológica faz-se necessária.  

O estudo OCEAN (Octreotide in Angiodysplasia-related bleeding) avaliou o uso do octreotide para o manejo dos pacientes com angiodisplasia. O octreotide diminui o fluxo duodenal e esplâncnico por meio da vasoconstrição, diminuindo o sangramento e melhorando as taxas de agregação plaquetária e reduz o aporte de nutrientes necessário para a angiogênese. Estudos anteriores, sugerem que o octreotide de ação prolongada aumenta as concentrações de hemoglobina e logo reduz a necessidade de transfusões.  

No entanto, era um estudo retrospectivo e com coorte pequena de pacientes. Esse contexto trouxe mais força para a realização do estudo OCEAN, avaliando a eficácia do octreotide de ação prolongada nos pacientes angiodisplasias gastrointestinais hemorrágicas com anemia refratária versus o tratamento padrão.  

O desenho foi de um ensaio multicêntrico, aberto, controlado e randomizado, com 79 pacientes de dezessete centros, sendo 32 do sexo masculino entre setembro, os pacientes com sangramento por angiodisplasia deveriam ter recebido pelo menos quatro unidades de glóbulos vermelhos e/ou infusões parentais de ferro no ano anterior à randomização. Os pacientes foram randomizados para receber duas injeções intramusculares de octreotida de ação prolongada de 20 mg (40 mg no total) a cada 28 dias ou tratamento padrão, incluindo terapia endoscópica, com tempo de duração do tratamento de um ano. Em ambos os grupos, os pacientes foram autorizados a receber cuidados concomitantes, dentre eles a  aplicação endoscópica de APC, descontinuação de antitrombóticos e uso de ácido tranexâmico. Pacientes inicialmente alocados no grupo de tratamento padrão que iniciaram octreotide devido a evolução para refratariedade durante o ano do estudo, eram considerados como violação do protocolo e, como resultado, foram removidos de análises específicas   

De setembro de 2015 a abril de 2021, 79 pacientes elegíveis consecutivos de 15 centros médicos periféricos e dois centros médicos acadêmicos foram considerados para a inclusão. Sessenta e dois pacientes (72 anos de idade [DP 11], 32 do sexo masculino) foram randomizados. Sete pacientes morreram antes de completar o ensaio. Nenhum paciente desistiu do estudo. 

Médicos lendo sobre angiodisplasia

Dentre os principais resultados do estudo OCEAN destacam-se os seguintes:  

Um total de 72 pacientes foram randomizados neste estudo, sendo 31 pacientes tratados com octreotide e 31 com o tratamento padrão, oriundos de cerca de 17 centros diferentes, entre setembro de 2015 e abril de 2021. Entre esses pacientes, comorbidades como doença cardíaca valvular, diabetes mellitus e insuficiência renal crônica foram predominantes. As angiodisplasias foram predominantemente localizados no intestino delgado, correspondendo a cerca de 87% das localizações, seguido pelo cólon, com 48% e estômago 27%. 

Avaliando o desfecho primário: diferença nas unidades de transfusão 

Os pacientes em uso de octreotide necessitaram de um número médio ajustado de 11,0 (IC 95%, 5,5–16,5) unidades de transfusão durante o ano de estudo em comparação com 21,2 (IC 95%, 15,7–26,7) para pacientes em tratamento padrão. Desta forma, o  octreotide  reduziu o número de unidades de transfusão em 10,2 (IC 95%, 2,4–18,1; P = 0,01). Pacientes em uso de octreotida necessitaram de um número médio ajustado de 8,2 (IC 95%, 3,2–13,2) transfusões de hemácias e 2,8 (IC 95%, 1,3–4,3) infusões de ferro em comparação com respectivamente 16,8 (IC 95%, 11,8–21,8) e 4,6 (IC 95%, 3,1–6,0) para pacientes que receberam tratamento padrão. 

Avaliando os desfechos secundários: 

Resposta ao tratamento 

Uma boa resposta ao tratamento (redução ≥ 50% nas unidades de transfusão em comparação com o valor basal) foi observada em 61% dos pacientes em uso de octreotide, já no grupo de tratamento padrão apenas 19% dos pacientes tiveram uma boa resposta ao tratamento. 

Procedimentos endoscópicos e APC 

Nesse estudo, os pacientes que receberam octreotide foram submetidos a um número médio de 0,3 procedimentos endoscópicos em comparação a 1,2 naqueles que receberam o tratamento padrão (diferença ajustada de 0,9; IC 95%, 0,3–1,5). Na avaliação das sessões de APC, os pacientes em uso de octreotida e os que estavam em tratamento padrão receberam 0,1 e 0,7 sessões, respectivamente (diferença ajustada de 0,5; IC 95%, 0,2–0,9).  

Episódios de sangramento, utilização de serviços de saúde e resultados laboratoriais 

Os pacientes que receberam octreotide apresentaram menos episódios hemorrágicos do que os pacientes que receberam o tratamento padrão (diferença ajustada de 3,2; IC 95%, -0,2–6,6) e precisaram de menos serviços de saúde, incluindo internações, atendimento de emergência e atendimento ambulatorial. Já avaliando os níveis de hemoglobina, eles foram superiores nos pacientes em uso de octreotide no final do ano do estudo (7,1 [IC 95%, 6,6–7,6] vs 6,8 [IC 95%, 6,3–7,2]), enquanto os níveis de ferritina foram comparáveis ​​entre os grupos (199 [IC 95%, 83–316] vs 180 [IC 95%, 69–289]).   

Eventos adversos 

Durante todo período do estudo, 50 eventos adversos foram relatados no grupo de pacientes que receberam octreotide, correspondendo a 71% dos pacientes, em comparação com 37 eventos, totalizando 68%, nos pacientes em tratamento padrão. Dentre os eventos adversos incluíram efeitos colaterais gastrointestinais (19/50), dor no local da administração (9/50) e intolerância à glicose (3/50). Cinco pacientes iniciaram enzimas pancreáticas devido a sintomas gastrointestinais (diarreia e dor abdominal). Dois pacientes ajustaram a dose de seus antidiabéticos. No grupo que recebeu tratamento padrão, também apresentaram efeitos adversos gastrointestinais (6/37) e intolerância à glicose (2/37).  

No grupo octreotide, os eventos adversos foram principalmente leves e autolimitados. No final do estudo, um total de 38% pacientes que tomaram octreotide relataram eventos adversos, dos quais cinco estavam relacionados ao medicamento. Em comparação, 45% dos pacientes em tratamento padrão relataram eventos adversos no final do estudo. 

Eventos adversos graves e mortalidade 

Dois pacientes em uso de octreotide desenvolveram colangite aguda e episódio hipoglicêmico com perda de consciência. Ambos os pacientes se recuperaram totalmente e o octreotide foi descontinuado no paciente com colangite.  

No paciente com episódio hipoglicêmico, o octreotide foi inicialmente reduzida para 20 mg e descontinuada um mês depois, pois os níveis de glicose permaneceram instáveis. Cinco pacientes que receberam octreotida morreram durante o ano do estudo, em comparação com dois que receberam o tratamento padrão (16% vs 6%). 

Acesse também: Papel da terlipressina na síndrome hepatorrenal  

Desses cinco, três pacientes do grupo octreotide morreram devido a causas não relacionadas, das quais duas haviam descontinuado o octreotide vários meses antes. Um paciente morreu após um episódio de sangramento agudo e a causa da morte de um paciente era desconhecida. Dois pacientes em tratamento padrão morreram por motivos não relacionados. Dois pacientes adicionais do grupo de tratamento padrão morreram durante o acompanhamento. 

Discussão e conclusão  

Esse estudo multicêntrico, randomizado evidenciou que o octreotide é superior ao tratamento padrão na redução das necessidades de transfusão de pacientes com anemia relacionada à angiodisplasia. Os pacientes em uso de octreotida necessitaram de 11,0 unidades de transfusão durante o ano de estudo, em comparação com 21,2 unidades para os pacientes que receberam tratamento padrão.  

Além das menores necessidades de transfusão com octreotide, os pacientes tiveram menos episódios hemorrágicos e necessitaram de menos serviços de saúde. Avaliando a necessidade de procedimentos endoscópicos, ela foi menor nos pacientes que receberam octreotide. Esses resultados suportam que o octreotide deva fazer parte do algoritmo de tratamento das angiodisplasias gastrointestinais, devendo ser considerado em pacientes com resposta frágil aos tratamentos tidos com convencionais.  

Leia ainda: Talidomida no tratamento de sangramento recorrente por angiodisplasias em delgado

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Autor

Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) ⦁ Residência Médica em Pediatria Geral e Puericultura pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP) ⦁ Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP) ⦁ Membro do Grupo Young LASPGHAN (Latinamerican Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition).

Referências bibliográficas:
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  • Golstein LCMJ, et al. Standard of care versus octreotide in angiodysplasia-related bleeding (the OCEAN study): A multicenter randomized controlled trial. Gastroenterology. 2023.

DOI: 10.1053/j.gastro.2023.12.020

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