Telepsiquiatria ou atendimento presencial: qual a melhor forma de tratamento? 

A pandemia do covid-19 alterou radicalmente a assistência médica. As discussões sobre telemedicina que se desenrolavam a passos lentos foram precipitadas e inúmeros países, incluindo o Brasil, flexibilizaram suas legislações, levando a uma disseminação rápida dessa forma de atendimento. 

A psiquiatria é uma das especialidades médicas mais adequadas para o uso de videoconferência uma vez que a avaliação diagnóstica se baseia principalmente no diálogo. Mesmo antes da pandemia, as discussões acerca da telepsiquiatria e seu uso já vinham crescendo continuamente (entre 2010 e 2017, o uso de telepsiquiatria por instituições estatais dos EUA aumentou de 15,2% para 29,2%). 

Por um lado, o uso da telemedicina na psiquiatria facilita o acesso em áreas que não possuem especialistas, bem como para pacientes com limitações físicas ou mesmo que o transtorno psiquiátrico dificulta a saída de casa. Por outro lado, o uso da telemedicina pode impactar negativamente na relação médico-paciente, pode levar a maior desistência de tratamentos de longo prazo, a possibilidade de diagnóstico e tratamento incorreto, além de demandar a existência de uma infraestrutura e habilidades no manejo dos dispositivos tecnológicos.  

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Por fim, a depender de especificidades dos transtornos mentais, pode ser que a telepsiquiatria seja adequada para alguns casos, mas não para outros.  

Katsuhiko Hagi e colaboradores conduziram uma revisão abrangente e metanálise para responder a hipótese que a telepsiquiatria não é inferior ao tratamento cara a cara em termos de eficácia, mas que pode haver diferenças no tratamento entre os diferentes transtornos psiquiátricos.  

Telepsiquiatria ou atendimento presencial

Método 

A metanálise seguiu o guideline PRISMA, sem restrições de idiomas na revisão da literatura. Ensaios clínicos randomizados com 20 ou mais pacientes com diagnósticos listados no DSM-5 que comparassem a eficácia da telepsiquiatria com tratamento presencial foram incluídos nesse artigo. Ensaios clínicos que abordassem situações atribuíveis a outras condições médicas foram excluídos.  

O desfecho primário foi a alteração média, desde o início até o final do seguimento, nas pontuações da escala de sintomas padrão (se uma pontuação final não foi relatada) usada para cada doença. Os desfechos secundários foram todas as causas de descontinuação, descontinuação foi eventos adversos ou por ineficácia, resposta ao tratamento, remissão, satisfação e aceitação do paciente, satisfação do psiquiatra, severidade de sintomas (escalas outras que não as usadas no desfecho primário), qualidade de vida e melhora funcional. 

Resultados 

32 ensaios clínicos comparando eficácia, publicados entre 2003 e 2021, foram incluídos. Nenhum deles foi financiado por empresas privadas. O número total de participantes foi 3.592 e a média de participantes por estudo foi de 111, variando de 20 até 495 participantes. A idade média foi de 41,3 anos (DP: 17,8) e 58,2% eram homens. Depressão e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) foram os diagnósticos mais avaliados.  

Desfecho Primário: Dos 10 transtornos mentais avaliados, não houve diferença na melhora entre telepsiquiatria e atendimento presencial em 8 deles (transtorno de tiques crônico, transtorno obsessivo-compulsivo, TEPT, insônia, transtornos disruptivos do comportamento, uso indevido de substâncias, comprometimento cognitivo leve, demência leve e múltiplos transtornos).  

Para participantes com transtornos depressivos a telepsiquiatria foi significativamente mais efetiva que o tratamento presencial na melhora dos sintomas (6 estudos, n = 561 participantes, diferença média padronizada (DMP) = -0,325, IC 95% -0,640 a -0,011, P = 0,043). Por outro lado, para participantes com transtornos alimentares, o tratamento presencial foi significativamente mais efetivo que a telepsiquiatria (1 estudo, n = 128, DMP = 0,368, IC 95% 0,018 a 0,717, P = 0,039).  

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Combinando todos os estudos não houve diferença entre telepsiquiatria e atendimento presencial (26 estudos, n = 2290, DMP = -0,064, IC 95% -0,173 a 0,045, P=0,248).  

Desfechos secundários: pacientes com comprometimento cognitivo leve e comprometimento cognitivo vascular possuíam menos risco de descontinuação no atendimento por telepsiquiatria (1 estudo, n = 61, RR = 0,552, IC 95% 0,312 – 0,975, P=0,040, NNT = 4). Para pacientes com transtorno por uso de substâncias o atendimento presencial teve menos descontinuação (1 estudo, n = 85, RR = 37,41, IC 95% 2,356 a 594,1, P = 0,010, NNH: 2). Combinando todos os diagnósticos, telepsiquiatria e atendimento presencial foram similares em relação a descontinuação do tratamento (27 estudos, n = 3341, P = 0,564).  

Não houve diferença em eficácia, adesão e satisfação nas demais análises.   

Análises de sensibilidade e de metarregressão: nos estudos de transtornos depressivos com duração entre 36 e 52 semanas a telepsiquiatria foi associada a uma melhora significativamente maior do que o atendimento presencial (1 estudo, n = 85, DMP = -0,717, IC 95% -1,157 a -0,278, P = 0,001).  

Discussão 

Telepsiquiatria pode ser inadequada para tratamento de transtornos que são prováveis de ter altas taxas de descontinuação e que possuem baixa motivação para o tratamento. Dessa forma, é importante que os protocolos de telepsiquiatria sejam formulados para os transtornos em específicos.  

Os benefícios e riscos do uso ao longo do tempo da telepsiquiatria não foram esclarecidos pela pequena duração dos estudos — pode ser necessário mais tempo para estabelecer uma boa relação médico-paciente na telepsiquiatria e isso pode diminuir a qualidade da relação médico-paciente em comparação com atendimentos presenciais.  

Limitações 

  • Excetuando-se transtornos depressivos e TEPT o número de estudos analisando os transtornos e o número de participantes por estudo foram pequenos, não podendo afastar que os achados foram incidentais; 
  • A ausência de cegamento, por conta da natureza da intervenção, pode favorecer a telepsiquiatria; 
  • Nenhum dos estudos possuíam duração maior que um ano;  
  • Considerações quanto a qualidade da comunicação (qualidade da internet, imagem etc.) não foram feitas; 
  • Informações sobre adesão terapêutica, qualidade da relação médico-paciente e presença de comorbidades não estavam disponíveis. 

Impacto na prática clínica 

  • Os resultados devem ser interpretados com parcimônia pelas limitações em número, quantidade de participantes e tempo de seguimento dos pacientes.  
  • Para transtorno de tiques crônico, transtorno obsessivo-compulsivo, TEPT, insônia, transtornos disruptivos do comportamento, uso indevido de substâncias, comprometimento cognitivo leve, demência leve não houve diferença de eficácia entre os tratamentos;  
  • Para participantes com transtornos depressivos a telepsiquiatria foi significativamente mais efetiva, especialmente quanto maior o tempo de seguimento;  
  • Para participantes com transtornos alimentares, o tratamento presencial foi significativamente mais efetivo que a telepsiquiatria; 
  • Pacientes com transtorno por uso de substância abandonaram menos o tratamento presencial.  

Leia ainda: Telemedicina: um resumo do cenário

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Autor

Médica pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Residência em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP). Mestranda em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP). Psiquiatra Assistente do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP).

Referências bibliográficas:
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Hagi K, Kurokawa S, Takamiya A, Fujikawa M, Kinoshita S, Iizuka M, Furukawa S, Eguchi Y, Kishimoto T. Telepsychiatry versus face-to-face treatment: systematic review and meta-analysis of randomised controlled trials. Br J Psychiatry. 2023 Sep;223(3):407-414.  DOI: 10.1192/bjp.2023.86

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