Perigo do verão: arboviroses

Com a chegada próxima do verão, é esperado o aumento na frequência e intensidade das chuvas, trazendo riscos não só de desastres naturais, como inundações e desabamentos, mas também de doenças infectocontagiosas, como as arboviroses.  

Além de doenças relacionadas diretamente à contaminação da água, o acúmulo de coleções de água parada pode servir como foco para proliferação de vetores e favorecer a ocorrência de determinadas doenças, especialmente as chamadas arboviroses. 

Leia também: Retrospectiva 2023: o que abordamos sobre HIV/AIDS no Portal? 

As arboviroses agrupam um conjunto de doenças cuja característica em comum é a transmissão por vetores hematófogos, principalmente mosquitos. No contexto brasileiro, as principais arboviroses nas áreas urbanas são Dengue, Zika e Chikungunya, responsáveis por verdadeiras epidemias nos últimos anos.  

Apesar de serem causadas por vírus diferentes, as três doenças compartilham um mesmo vetor, o mosquito Aedes aegypti, particularidade que permite a circulação concomitante dos vírus e mesmo coinfecções.  

As fêmeas do A. aegypti colocam seus ovos em coleções de água limpa parada e que podem transmitir alguns arbovírus após se alimentarem do sangue de uma pessoa infectada e picarem um indivíduo suscetível. 

Dengue 

A dengue é causada por infecções pelo vírus DENV, da família Flaviviridae e que possui quatro sorotipos (DENV1, DENV2, DENV3 e DENV4), todos com potencial de causar epidemias, dependendo da suscetibilidade da população.  

O quadro clínico pode variar de infecções assintomáticas e oligossintomáticas a quadros graves e potencialmente fatais. Febre alta de início abrupto, mialgia, dor retro-orbital, cefaleia, dor lombar e prostração são comuns. Náuseas, vômitos e anorexia também podem ocorrer. Rash cutâneo é comum – com uma frequência de até 50% – e é predominantemente máculo-papular, acometendo face, tronco e membros, com ou sem prurido, sem poupar palmas e plantas.  

Uma minoria dos acometidos desenvolve quadros graves, com síndrome de extravasamento capilar e choque e manifestações. Sinais de alarme devem ser pesquisados e valorizados em pacientes com dengue, já que há uma estreita correlação entre seu desenvolvimento e a evolução para casos graves.  

São considerados sinais de alarme: 

Vômitos frequentes   Hipotensão postural e/ou lipotimia  
Dor abdominal intensa e contínua   Sonolência e/ou irritabilidade  
Sangramento de mucosas   Diminuição de diurese  
Melena e/ou hematêmese   Hipotermia  
Hepatomegalia dolorosa   Aumento repentino de hematócrito  
Desconforto respiratório   Queda abrupta de plaquetas  

Hepatite leve é relativamente comum. Manifestações atípicas, com acometimento do sistema nervoso podem acontecer, como meningite linfomonocítica, encefalite, síndrome de Reye ou polirradiculoneurite. Depressão, irritabilidade, psicose, amnésia, paresias, polineuropatias e encefalite também já foram descritas. Insuficiência renal é menos frequente, mas é considerado como sinal de mau prognóstico.  

Chikungunya  

O vírus da Chikungunya é um vírus de RNA, da família Togaviridae, responsável por grandes epidemias nos últimos anos.  

O quadro clínico é classicamente caracterizado por início agudo de doença febril com artralgia importante. A febre é alta e frequentemente com calafrios. A artralgia costuma dominar a apresentação clínica em adultos, sendo poliarticular, predominantemente nas pequenas articulações ou articulações previamente comprometidas.  

Diferente do dengue, o rash de característica maculopapular ou macular, que pode ser pruriginoso, surge já no primeiro dia de doença, iniciando por face e pescoço e progredindo para tronco, membros, face, palmas e plantas. Cefaleia, fotofobia, dor retro-orbital, faringite, náuseas e vômitos podem ocorrer.  

Crianças eventualmente podem apresentar manifestações neurológicas de sistema nervosa central (SNC), incluindo crises convulsivas. Outras manifestações incomuns incluem envolvimento ocular (uveíte anterior, neurite óptica, neurite retrobulbar), meningoencefalite, hepatite, miocardite e diabetes.  

A dor articular pode ser um sintoma persistente, com aproximadamente 35% dos pacientes relatando poliartralgia persistente ou recorrente, com metade desenvolvendo poliartrite crônica. Sintomas incapacitantes podem durar meses ou anos e são mais frequentes em indivíduos maiores de 35 anos ou quando os sintomas persistem por mais de 4 meses após o início da doença.  

Veja ainda: Fatores ambientais e sociodemográficos associados com dengue, zika e chikungunya 

Zika  

Assim como o DENV, o vírus Zika (ZIKV) é um flavivírus. A apresentação clínica costuma ser mais branda, sem manifestações hemorrágicas. Os sinais e sintomas mais frequentes incluem rash cutâneo (em 90-100% dos casos), febre, artralgia, conjuntivite não purulenta e cefaleia. Estima-se que 80% das infecções sejam assintomáticas. A artralgia costuma ser bem menos proeminente do que na Chikungunya e, diferente de casos de dengue, febre é um achado inconstante e geralmente leve.   

Apesar da benignidade dos quadros clínicos em adultos, a grande carga de doença associada à infecção pelo ZIKV está nas alterações congênitas que pode acarretar. Casos de microcefalia com extensa calcificação intracraniana, paquigiria e lisencefalia em recém-nascidos foram associados à infecção materna.  

Diagnóstico das arboviroses 

Apesar da presença de sintomas mais característicos em cada doença, a distinção clínica entre as principais arboviroses pode ser difícil, principalmente em períodos fora de epidemia.  

O diagnóstico de certeza é predominantemente baseado em métodos sorológicos, mas manter alta suspeição clínica para avaliar o potencial de gravidade em cada caso é importante, tal como a possibilidade de Zika em mulheres grávidas ou de evolução para dengue grave.  

Para efeitos de notificação, as definições de caso suspeito são as seguintes:  

  • Dengue: pessoa que viva ou tenha viajado nos últimos 14 dias para área onde esteja ocorrendo transmissão de dengue ou tenha presença de A.aegypti que apresente febre, usualmente entre 2 e 7 dias, e apresente duas ou mais das seguintes manifestações náuseas, vômitos, exantema, mialgias, cefaleia, dor retro-orbital, petéquias ou prova do laço positiva e leucopenia.  
  • Chikungunya: febre de início súbito e artralgia ou artrite intensa com início agudo, não explicado por outras condições, que resida ou tenha viajado para áreas endêmicas ou epidêmicas até 14 dias antes do início dos sintomas, ou que tenha vínculo epidemiológico com um caso importado confirmado.  
  • Zika: pacientes que apresentem exantema maculopapular pruriginoso acompanhado de dois ou mais dos seguintes sinais e sintomas febre OU hiperemia conjuntival sem secreção e prurido OU poliartralgia OU edema periarticular.  

Saiba mais: Novo produto para diagnóstico da febre maculosa 

arboviroses

Tratamento das arboviroses 

O tratamento das arboviroses é predominantemente de suporte. Casos leves devem ser manejados com sintomáticos, devendo-se evitar AINEs e ácido acetilsalicílico. Casos em que dengue não pode ser descartado devem ser manejados com especial atenção, com orientação à hidratação adequada e em relação ao desenvolvimento de sinais de alarme. Casos graves de dengue podem necessitar de internação hospitalar e os que desenvolvem febre hemorrágica ou síndrome de choque, de unidades de terapia intensiva. 

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Autor

Infectologista pelo Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ) ⦁ Graduação em Medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro

Referências bibliográficas:
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  • Brasil

. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Diretoria Técnica de Gestão. Dengue: diagnóstico e manejo clínico: adulto e criança / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Diretoria Técnica de Gestão. – 4. ed. – Brasília: Ministério da Saúde, 2013. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/dengue_diagnostico_manejo_clinico_adulto.pdf 

  • Subsecretaria de Promoção, Atenção Primária e Vigilância em Saúde Superintendência de Vigilância em Saúde Coordenação de Vigilância Epidemiológica. Informe Técnico: Vigilância Universal de Doença pelo Zika Vírus (CID A92.8). Disponível em:
  • https://subpav.org/dzc/arquivos/Informe_Tecnico_marco_2016_Zika%20_Final.pdf

  • Weaver, SC, Charlier, C, Vasilakis, N, Lecuit, M. Zika, Chikungunya, and Other Emerging Vector-Borne Viral Diseases. Annual Review of Medicine Vol. 69:395-408 (Volume publication date January 2018) First published as a Review in Advance on August 28, 2017 https://doi.org/10.1146/annurev-med-050715-105122 
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