A chegada do período de chuvas de verão, comuns no Brasil, acende o alerta e as dúvidas sobre as possíveis doenças transmitidas no contato com água contaminada em diferentes ambientes nas cidades, e até mesmo se afetariam a qualidade da água que consumimos.
Por ser um tema de suma importância neste momento, falaremos sobre as doenças causadas pela água.
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Água como causadora de infecções
O papel da água como veículo de infecções em humanos tem sido alvo de estudos na literatura científica por décadas, e as consequências das tempestades fortes para a Saúde Pública merecem nossa atenção.
As inundações após chuvas fortes consistem nos desastres naturais mais comuns em todo o mundo, com expectativa de eventos piores no futuro devido às alterações climáticas em progresso pela intervenção humana direta ou indireta.
As enchentes contribuem para ampliar os riscos de doenças para a saúde humana e resultam em prejuízos sócio-econômicos significativos para populações.
Riscos
Os riscos à saúde associados às enchentes são:
Riscos imediatos:
- Afogamentos;
- Traumas de pele, ortopédicos, oculares e outros;
- Hipotermia;
- Choque elétrico;
- Envenenamento com monóxido de carbono (gasolina e outros).
Riscos precoces (< 10 dias após a inundação):
- Infecções cutâneas;
- Pneumonia/pneumonite aspirativa;
- Infecções respiratórias virais;
- Gastrenterites.
Tardios:
- Leptospirose;
- Doenças transmitidas por mosquitos-vetores;
- Infecções cutâneas por germes atípicos (fungos, micobactérias);
- Hepatites A e E;
- Transtornos à saúde mental (depressão, estresse pós-traumático);
- Descompensação de doenças crônicas.
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Doenças infecciosas
Quanto ao aspecto das doenças infeciosas, após as enchentes observam-se elevações dos números de casos de:
Infecções cutâneas: traumas em membros durante as enchentes resultam na ocorrência de aumento de infecções de pele e partes moles, como celulite, com picos em períodos de três a quatro dias após o evento. Dentre os patógenos bacterianos comumente descritos encontramos Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes oriundos da microbiota normal da pele, e, portanto, mais frequentes. No contexto de enchentes, outros organismos menos comuns também devem ser considerados, como Aeromonas spp., Vibrio spp., Shewanella spp., Leclercia adecarboxylata, Chromobacterium violaceum, Clostridium tetani, e Burkholderia pseudomallei. A possibilidade de infecção pelo Clostridium tetani deve sempre ser lembrada diante de história de trauma, com adequada avaliação de risco do acidente e do status vacinal do paciente. Em infecções polimicrobianas, encontram-se também fungos como Rhizopus, Mucor, Rhizomucor, Fusarium, e Cladophialophora bantiana. Micobacterioses por Mycobacterium fortuitum, M. chelonae, e M. abscessus são também comumente descritas;
Infecções respiratórias: são consequentes às aglomerações, alterações nos habitats, mofos, ou inalação de aerossóis formados pela aspiração de água contaminada ou afogamentos. Geralmente ocorre aumento do número de casos de infecções virais e pneumonias polimicrobianas, com as últimas podendo evoluir para necrose, abscessos pulmonares ou empiema. Importante lembrar que aglomerações favorecem infecção por SARS-CoV-2 e outros vírus respiratórios, como influenza e vírus sincicial respiratório.
Doenças gastrintrestinais: os riscos são maiores em áreas com pior saneamento básico e inadequado suporte de água potável. Surtos de diarreia são comuns, geralmente em períodos de 8 dias após o desastre ambiental, e associados a Vibrio cholerae, Escherichia coli enterotoxigênica, Salmonella app., Shigella app., Cryptosporidium app., parasitas intestinais e diversos vírus (ex. rotavírus, norovírus, hepatite A e E);
Zoonoses e doenças relacionadas a vetores: doenças como dengue, chikungunya, malária e encefalite viral japonesa apresentam também ampliação do número de casos nos períodos após enchentes. As inundações consistem no principal fator de risco para leptospirose devido a uma maior possibilidade de exposição à urina de roedores. É importante ressaltar que o patógeno spp. permanece viável e distribuído no solo por semanas a meses após a contaminação inicial. Mais do que águas correntes, muitas vezes o contato com coleções de água e lama – como na limpeza de casas e terrenos após as enchentes – constituem a exposição de risco. Embora haja um padrão de sazonalidade da leptospirose, com maior concentração de casos e internações no verão (aumento de precipitação de chuvas), a exposição à leptospirose ocorre durante todo o ano.
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Autor
M.D., PhD. ⦁ Médico ⦁ Microbiólogo ⦁ Professor Associado / Lab. Micobactérias, Depto. Microbiologia Médica, Instituto de Microbiologia Paulo de Góes, Centro de Ciências da Saúde – Universidade Federal do Rio de Janeiro
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