Novas recomendações da OMS sobre alimentação complementar de bebês de 6 a 23 meses

Recentemente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou uma nova diretriz que fornece recomendações globais, normativas e baseadas em evidências sobre a alimentação complementar de lactentes e crianças pequenas de 6 a 23 meses de idade que vivem em países de baixa, média e alta renda. As orientações da OMS consideram as necessidades de crianças amamentadas e não amamentadas, substituindo as diretrizes anteriores. 

Todavia, não atende às necessidades de bebês prematuros e de baixo peso ao nascer, crianças com desnutrição aguda ou em recuperação de doenças graves, crianças com doenças alérgicas, crianças com comprometimento neurológico, crianças que vivem em situações de emergência ou crianças com deficiência. Diante destas novas recomendações da OMS, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) se posicionou através da nota “Aleitamento e alimentação complementar – Análise sobre as recomendações da Organização Mundial de Saúde – 2023”. 

Saiba mais: Influência da introdução alimentar do bebê na formação da microbiota intestinal

Confira o posicionamento das duas instituições

Recomendação 1 – Amamentação continuada
O aleitamento materno deve continuar até os dois anos de idade ou mais.

Evidência forte e de qualidade muito baixa.

Observações da OMS
Para cumprir esta recomendação, todas as mulheres que amamentam necessitarão de um ambiente propício e de serviços de apoio. Por exemplo:

  • Mulheres que trabalham fora de casa necessitam de serviços como creches e salas de amamentação no local onde trabalham, além de horários de trabalho flexíveis.
  • Todas as mulheres precisam de acesso a serviços de aconselhamento sobre amamentação para responder às questões e desafios que surgem durante este período.
  • Gestantes, mães, famílias e profissionais de saúde precisam ser protegidos do marketing exploratório de fabricantes e distribuidores de substitutos do leite materno.
  • Os prestadores de cuidados de saúde devem ter conhecimentos e competências para apoiar as mães que amamentam com cuidados baseados em evidências.
Observações da SBP
  • Desde a década de 1980, o Brasil possui a “Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras – Lei 11.265/2006” (NBCAL). 
  • Todos os profissionais de saúde têm a responsabilidade de divulgar, proteger e promover a NBCAL, com o intuito de informar sobre amamentação e alimentação de forma precisa.
Recomendação 2 – Bebês que não mamam peito
  1. 6 a 11 meses: Tanto fórmula láctea quanto leite animal podem ser oferecidos.
  2. 12 a 23 meses: Deve ser fornecido leite animal. Fórmulas de acompanhamento não são recomendadas. 

Evidências condicionais e de baixa qualidade.

Observações da OMS
  • Produtos lácteos (incluindo leites animais líquidos) fazem parte de uma dieta diversificada e podem contribuir para a adequação nutricional (ver também Recomendação 4a). São particularmente importantes para crianças não amamentadas quando outros alimentos de origem animal não estão disponíveis.
  • Os tipos de leites animais que podem ser usados incluem pasteurizado, evaporado reconstituído (mas não condensado), fermentado ou iogurte.
  • Leites aromatizados ou adoçados não devem ser usados.
  • Se os bebês de 6 a 11 meses de idade forem alimentados com leite animal, deverá ser usado o leite integral.
  • Devem ser seguidas práticas seguras de armazenamento e manuseamento de leites animais.
Observações da SBP
  • O uso das fórmulas infantis deve ser feito até 12 meses de idade.
Recomendação 3 – Idade de introdução da alimentação complementar
Os bebês devem receber alimentos complementares aos 6 meses (180 dias) enquanto continuam a amamentar.

Evidência forte e de baixa qualidade.

Observações da OMS
  • Recomendação de saúde pública que reconhece que algumas crianças podem se beneficiar da introdução precoce de alimentos complementares.
  • Mães preocupadas com a adequação do leite materno podem se beneficiar do apoio à lactação.
  • O ferro no leite materno é altamente biodisponível, mas alguns bebês podem estar em risco de deficiência de ferro, especialmente se forem prematuros ou com baixo peso ao nascer. A introdução precoce de alimentos complementares, mesmo que enriquecidos com ferro, não previne adequadamente a anemia ferropriva em populações de alto risco.
Observações da SBP
  • Aos seis meses, devem ser oferecidos a primeira refeição principal (almoço ou jantar) e um lanche (fruta in natura).

Após 30 dias da introdução da primeira refeição principal, a segunda deve ser iniciada, assim como mais um lanche (fruta). 

  • Lactentes não amamentados em uso de fórmulas infantis antes dos seis meses: mesmas recomendações acima.
  • Lactentes em uso de leite de vaca:  a introdução alimentar pode ser iniciada a partir dos quatro meses de vida (se o desenvolvimento neuropsicomotor permitir) e o ferro deve ser suplementado.
Recomendação 4 – Diversidade alimentar
Bebês e crianças pequenas de 6 a 23 meses de idade devem consumir uma dieta diversificada.

  1. Alimentos de origem animal, incluindo carne, peixe ou ovos, devem ser consumidos diariamente.

Evidência forte e de baixa qualidade.

  1. Frutas e vegetais devem ser consumidos diariamente.

Evidência forte e de baixa qualidade.

  1. Leguminosas, nozes e sementes devem ser consumidas com frequência, especialmente quando carne, peixe ou ovos e vegetais são limitados na dieta.

Evidência condicional de qualidade muito baixa.

Observações da OMS
  • Componentes-chave da ingestão de energia: Alimentos de origem animal, frutas e vegetais, nozes, leguminosas e sementes – maior densidade geral de nutrientes em comparação a grãos de cereais.
  • Minimizar alimentos básicos ricos em amido. Geralmente constituem um grande componente das dietas de alimentação complementar, especialmente em locais com poucos recursos, mas não fornecem proteínas da mesma qualidade que as encontradas nos alimentos de origem animal e não são boas fontes de nutrientes essenciais, como ferro, zinco e vitamina B12. Muitos também incluem antinutrientes que reduzem a absorção de nutrientes.
  • Quando são usados grãos de cereais, os grãos integrais devem ser priorizados e, os refinados devem ser minimizados.
  • Deve-se ter cuidado para garantir que leguminosas, nozes e sementes sejam fornecidas de uma forma que não representem risco de asfixia.
Observações da SBP
  • A base da alimentação da criança deve consistir em preparações culinárias caseiras compostas por alimentos in natura e minimamente processados, incluindo todos os grupos alimentares, com ingredientes culinários e temperos naturais.
  • Indicadores da qualidade da alimentação: diversidade e frequência adequadas.
  • Família com alimentação adequada e saudável: mesmo cardápio para a criança, ajustando as consistências de acordo com a idade.
  • Família sem alimentação adequada e saudável: orientações individualizadas para a criança e auxílio no ajuste do cardápio familiar.
Recomendação 5 – Alimentos e bebidas não saudáveis
  1. Alimentos ricos em açúcar, sal e gorduras trans não devem ser consumidos.

Evidência forte e de baixa qualidade.

  1. Bebidas açucaradas não devem ser consumidas.

Evidência forte e de baixa qualidade.

  1. Adoçantes sem açúcar não devem ser consumidos.

Evidência forte e de muito baixa qualidade.

  1. O consumo de suco de fruta 100% deve ser limitado.

Evidência condicional e de baixa qualidade.

Observações da OMS
  • Serão necessárias ações políticas amplas para apoiar a implementação destas recomendações, incluindo, entre outras, políticas agrícolas que considerem as necessidades nutricionais das crianças pequenas, políticas relativas à rotulagem na frente da embalagem e às práticas de comercialização, entre outras.
  • É necessário aconselhar os cuidadores sobre os danos em curto e longo prazo dos alimentos ricos em açúcar, sal e gorduras trans, bebidas adoçadas com açúcar e adoçantes sem açúcar.
Observações da SBP
  • A SBP apoia as recomendações da OMS e destaca que, em 2022, entrou em vigor, no Brasil, as novas regras para rotulagem de alimentos, com o objetivo de melhorar a informação e a identificação de alimentos com alto teor de açúcar, sal e gordura saturada.
Recomendação 6 – Suplementos nutricionais e produtos alimentares fortificados
Bebês de 6 a 23 meses de idade, podem se beneficiar destes suplementos e produtos em alguns contextos onde as necessidades nutricionais não podem ser satisfeitas apenas com alimentos não fortificados.

  1. Pós de múltiplos micronutrientes podem fornecer quantidades adicionais de vitaminas e minerais selecionados sem substituir outros alimentos na dieta.

Evidência de qualidade moderada e específica do contexto.

  1. Para as populações que já consomem alimentos complementares à base de cereais comerciais e farinhas misturadas, a fortificação destes cereais pode melhorar a ingestão de micronutrientes, embora o consumo não deva ser encorajado.

Evidência de qualidade moderada e específica do contexto.

  1. Suplementos nutricionais à base de lipídios em pequenas quantidades podem ser úteis em populações com insegurança alimentar que enfrentam deficiências nutricionais significativas.

Evidência de alta certeza e específica do contexto.

Observações da OMS 
  • As diretrizes da OMS para a suplementação de micronutrientes fornecem recomendações sobre os contextos em que tais suplementos são recomendados.
  • Nenhum dos três produtos deverá alguma vez ser distribuído como intervenções autônomas; pelo contrário, deverão ser sempre acompanhados de mensagens e de apoio complementar para reforçar práticas ideais de alimentação nessa faixa etária.
  • Nenhum dos produtos substitui uma alimentação diversificada composta por alimentos saudáveis e minimamente processados.
Observações da SBP
  • A SBP recomenda as seguintes suplementações:
  • Vitamina D (lactentes em aleitamento materno ou em uso de fórmulas infantis)

▷ 0 a 12 meses: 400 Ui/dia

▷ 12 a 24 meses: 600 Udia

  • Ferro: (lactentes nascidos a termo, com peso adequado para a idade gestacional sem outros fatores de risco de deficiência)

▷ 180 dias a 24 meses: 1 mg de ferro elementar/kg/dia 

Recomendação 7 – Alimentação responsiva
Bebês de 6 a 23 meses de idade devem ser alimentados de forma adequada, definida como “práticas alimentares que incentivam a criança a comer de forma autônoma e em resposta às necessidades fisiológicas e de desenvolvimento, o que pode encorajar a autorregulação na alimentação e apoiar o desenvolvimento cognitivo, emocional e social”.

Evidência forte e de baixa qualidade.

Observações da OMS 
  • A realização da intervenção de alimentação responsiva exigirá que os profissionais de saúde e outros responsáveis pela execução da intervenção tenham a capacidade de fornecer a orientação necessária aos prestadores de cuidados e às famílias.
  • A implementação da recomendação exigirá que os cuidadores tenham tempo para estar presentes enquanto a criança come ou se alimenta sozinha e tenham recursos para que a perda de alimentos durante a autoalimentação não represente um problema.
Observações da SBP
  • O desenvolvimento das preferências alimentares é um processo de aprendizado ativo e progressivo.
  • Os alimentos devem ser oferecidos de forma “responsiva e sensível”, respeitando o ritmo e sinais de fome e saciedade do bebê.

A SBP ressalta que a maioria dos itens das novas recomendações da OMS estão alinhadas ao “Guia Alimentar para Crianças Menores de 2 anos”.

Leia também: Prevalência de alergia ao caju e sensibilização ao teste cutâneo em bebês de 1 ano

Comentários

As novas recomendações são destinadas a bebês de 6 a 23 meses, porém abrange países de baixa, média e alta renda. Com a inclusão do leite de vaca como uma opção para bebês de 6 a 11 meses que não recebem aleitamento materno, o objetivo da OMS é dar um alicerce para políticas públicas globais, especialmente de locais onde o acesso a fórmulas infantis e, principalmente, o saneamento básico, são escassos. Isso porque a aquisição de fórmulas, além de ser bastante onerosa, depende de água potável e outras condições mínimas de higiene.

Entretanto, as fórmulas continuam sendo recomendadas pela SBP para o bebê de até 12 meses quando ele não mama no peito (estudos em crianças em uso de leite de vaca mostram um aumento no risco de anemia ferropriva nesta população).

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Autor

Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra

Referências bibliográficas:
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    1. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. “WHO Guideline for complementary feeding of infants and young children 6–23 months of age”. 2023.
    2. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. “Aleitamento e alimentação complementar – Análise sobre as recomendações da Organização Mundial de Saúde – 2023”.


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