AHA 2023: Há benefício em transfundir infartados com hemoglobina abaixo de 10g/dL?

Anemia é achado comum em pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM) e as indicações para transfusão de hemácias são motivo de controvérsia, pois os estudos, maioria com poucos pacientes, mostram resultados conflitantes. 

A transfusão pode reduzir a isquemia pelo aumento da oferta de oxigênio aos tecidos, porém, a pode ocasionar sobrecarga volêmica, infecção, trombose e inflamação. Assim, foi feito um novo estudo, o MINT trial, apresentado no congresso da American Heart Association, com objetivo de avaliar se o risco de morte ou IAM em 30 dias era diferente ao se indicar transfusão a partir de diferentes limiares de hemoglobina. Abaixo, seguem os principais pontos desse estudo. 

Método do estudo e população envolvida 

Foi um estudo aberto, randomizado e multicêntrico que incluiu pacientes com IAM, com ou sem supradesnivelamento do segmento ST e que tinham anemia com hemoglobina < 10g/dL. Os pacientes foram randomizados para duas estratégias: restritiva, na qual a transfusão era permitida quando a hemoglobina era menor que 8g/dL e recomendada quando menor que 7g/dL ou sintomas anginosos não controlados, ou liberal, na qual a transfusão era realizada quando a hemoglobina era menor que 10g/dL. 

O desfecho primário foi composto por IAM ou morte por qualquer causa em até 30 dias após a randomização. Desfechos secundários eram os componentes do desfecho primário e o composto de morte, IAM, revascularização não programada guiada por isquemia e readmissão hospitalar por isquemia em até 30 dias. 

Resultados 

Foram incluídos na análise 3.504 pacientes, com idade média de  72,1 anos, sendo 45,5% deles, mulheres. Mais da metade (55,8%) tinham IAM tipo 2 e 41,7% IAM tipo 1. A mediana da hemoglobina era 8,6g/dL e da creatinina 1,4mg/dL.  

A hemoglobina média era 1,3g/dL menor no grupo restritivo no dia 1 e 1,6g/dL mais baixa no dia 3. O grupo liberal realizou 3,5 vezes mais transfusões que o grupo restritivo, com média de unidades transfundidas de 2,5. No grupo restritivo a média de unidades transfundidas foi 0,7. O tempo de internação foi semelhante nos dois grupos. 

O desfecho primário ocorreu em 295 pacientes (16,9%) no grupo restritivo e 255 (14,5%) no grupo liberal, com razão de riscos 1,16 (IC95% 1,00-1,35). Após ajustes para local de recrutamento e seguimento incompleto a RR foi de 1,15 (IC95% 0,99-1,34, p=0,07) e após ajustes para fatores prognósticos de base foi de 1,16 (IC95% 1,00-1,36).  

Em 30 dias houve 173 mortes (9,9%) no grupo restritivo e 146 (8,3%) no grupo liberal, além de 8,5% e 7,2% de IAM nos respectivos grupos, ambos sem diferença estatística. Também não houve diferença nos desfechos secundários. 

Comentários e conclusão 

Neste estudo não houve diferença significativa na incidência de IAM ou morte em 30 dias entre pacientes com IAM e anemia que receberam transfusão quando hemoglobina menor que 10g/dL ou menor que 7 ou 8g/dL. Porém, parece que a estratégia liberal foi mais favorável nas estimativas dos desfechos. 

Uma característica que pode ter afetado o resultado do estudo foi a grande quantidade de IAM tipo 2, com isquemia por desbalanço entre oferta e consumo de O2, situação na qual há teoricamente mais benefício da transfusão. 

Esse estudo, apesar de ter limitações, como ser aberto, incluiu amostra bastante heterogênea, o que aumenta a possibilidade de generalização dos resultados. Além disso, os pacientes tinham muitas comorbidades, sendo considerados mais graves e bastante compatíveis com pacientes do dia a dia.  

Alguns cuidados foram tomados, como não transfundir até o paciente apresentar diurese adequada, ou transfundir no dia da diálise, o que ajudou em efeitos adversos, como sobrecarga volêmica. A transfusão foi considerada procedimento de risco baixo de complicações. 

Como conclusão temos que a estratégia liberal não reduziu risco de IAM ou morte de forma significativa comparado a estratégia restritiva. Porém pode ser que haja alguns benefícios da estratégia liberal e mais estudos são necessários para mais conclusões. 

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Autor

Editora de cardiologia do Portal PEBMED ⦁ Graduação em Medicina pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) ⦁ Residência em Clínica Médica pela UNIFESP ⦁ Residência em Cardiologia pelo Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) ⦁ Atualmente atuando nas áreas de terapia intensiva, cardiologia ambulatorial, enfermaria e em ensino médico.

Referências bibliográficas:
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  • Restrictive or Liberal Transfusion Strategy in Myocardial Infarction and Anemia. DOI:10.1056/NEJMoa2307983

     

     


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