Assim como em diversas outras doenças reumatológicas, o tratamento padrão da gota envolve o atingimento de alvos terapêuticos estritos, no modelo treat-to-target (T2T). Como o ácido úrico apresenta papel central da fisiopatologia da doença, seu controle está relacionado a melhores desfechos, com reabsorção dos depósitos teciduais, redução na frequência das crises e redução da progressão do dano estrutural. Desse modo, a estratégia T2T na gota está centrada na obtenção de níveis baixos de ácido úrico, com alvos < 6 mg/dL (ou < 5 mg/dL na presença de tofos).
Os medicamentos de primeira linha no tratamento da gota são os inibidores da xantina oxidase: no Brasil, o único disponível é o alopurinol. Um outro grupo de medicamentos, os uricosúricos, podem ser utilizados nos quadros refratários, com hipoexcreção renal. No entanto, alguns pacientes não atingem os alvos estabelecidos, apesar do aumento progressivo das doses do alopurinol.
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Estudo sobre tratamento da gota
Para avaliar os fatores associados ao atingimento (ou não) dos alvos terapêuticos no T2T da gota, Helget et al. conduziram uma análise post-hoc de um ensaio clínico que comparou o alopurinol com o febuxostato (outro inibidor da xantina oxidase).
Métodos
Trata-se de uma análise post-hoc do ensaio clínico STOP Gout, que foi um estudo multicêntrico, randomizado, de não inferioridade, que comparou o alopurinol ao febuxostato. Pelo menos ⅓ dos pacientes tinha DRC estágio 3, mas os estágios 4 e 5 foram excluídos. Os pacientes deveriam preencher os critérios ACR de 2015 para gota e deveriam ter os níveis séricos de ácido úrico ≥ 6,8 mg/dL no momento da inclusão. Os pacientes foram seguidos por 72 semanas (dividido em 3 fases de 24 semanas — o aumento da dose para o atingimento de alvos foi permitido até a fase 2 [até 48 semanas]). No STOP Gout, o desfecho primário foi a ocorrência de flares da gota entre as semanas 49-72.
Para o estudo de Helget et al., os pacientes foram avaliados quanto ao atingimento dos alvos estabelecidos no T2T, e suas características demográficas, clínicas e laboratoriais foram comparadas. O desfecho primário analisado nesse momento foi o atingimento dos alvos na fase 2. Como desfecho secundário, os autores analisaram esse mesmo endpoint, porém incluindo modelos que analisaram a adesão terapêutica.
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Resultados
Dos 764 participantes que concluíram o seguimento até a semana 48, 618 (81%) atingiram o T2T. Os autores encontraram que idade mais avançada (OR ajustado 1,40 para cada 10 anos), maior nível educacional (OR ajustado 2,02) e melhor qualidade de vida medida pelo HRQoL (OR ajustado 1,17 para cada 0,1 unidade) se associaram com maior probabilidade de atingirem os alvos. Por outro lado, pacientes não brancos (OR ajustado 0,32-0,47), maiores níveis de ácido úrico no baseline (OR ajustado 0,83 para cada 1 mg/dL de aumento nos níveis de ácido úrico), presença de tofos (OR ajustado 0,29) e uso de diuréticos (OR ajustado 0,52) se associaram com menor probabilidade de se atingir os alvos de ácido úrico.
Não foi encontrada relação entre atingimento de alvos e outras comorbidades (DRC, hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares).
Na análise dos desfechos secundários, não houve mudança nos resultados após controle para adesão terapêutica.
Comentários sobre o tratamento da gota dentro do estudo
Esse estudo traz importantes informações a respeito da probabilidade de se atingir o T2T e dos fatores que podem ter influência nessa questão. O conhecimento desses fatores pode ser importante no momento de orientação do paciente, visto que muitas dessas variáveis são prontamente disponíveis no momento da avaliação.
Apesar de a adesão não parecer ter impactado no desfecho primário, existem algumas importantes limitações nessa análise: pacientes com maiores níveis de ácido úrico e mais depósitos teciduais possuem maior “carga” de ácido úrico e, para eles, pode ser necessário um tempo maior de seguimento para se obter os mesmos resultados dos demais. Além disso, diferente do que foi realizado no ensaio clínico, o uso de diuréticos pode ser ajustado para potencializar a chance de se atingir os alvos.
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Autor
Editor-chefe de Clínica Médica da PEBMED/Whitebook • Professor de Reumatologia da Universidade Federal de Juiz de Fora • Chefe do serviço de Clínica Médica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora • Membro da Comissão de Síndrome Antifosfolípide e da Comissão de Vasculites da Sociedade Brasileira de Reumatologia
- Helget LN, O’Dell JR, Newcomb JA, et al. Determinants of Achieving Serum Urate Goal with Treat-to-Target Urate-Lowering Therapy in Gout. Arthritis Rheumatol. 2023. DOI: 10.1002/art.42731.