Ômega-3 no tratamento da doença do olho seco funciona?

A síndrome do olho seco é uma patologia comum com uma prevalência estimada de 10–30% da população. Classicamente era associada ao envelhecimento, mas com estilos de vida modernos que incluem o uso intensivo de telas retroiluminadas, como monitores de computador ou smartphones, o uso de lentes de contato e cirurgia refrativa da córnea, sua incidência entre jovens tem aumentado.

Os sintomas mais comuns são hiperemia ocular, secura, sensação de areia, queimação, dor, fadiga ocular e visão embaçada. Esses produzem um comprometimento significativo da qualidade de vida. Normalmente, a abordagem terapêutica é baseada em medidas tópicas.

A instilação de lágrimas artificiais é o tratamento mais frequentemente utilizado. Alguns se recusam a aplicar colírios nos olhos, enquanto outros se sentem desconfortáveis ​​em instilar várias vezes ao dia. Nos últimos anos, um número crescente de suplementos nutricionais contendo ácidos graxos ômega-3 e ômega-6 com o objetivo de melhorar os sintomas foram desenvolvidos. Os ácidos graxos essenciais são necessários para manter uma boa saúde e não podem ser sintetizados pelos seres humanos.

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Os ácidos graxos poli-insaturados mais importantes são ômega-3 (PUFA n-3) e ômega-6 (PUFA n-6), que desempenham um papel importante na regulação da resposta inflamatória e imunológica. O ácido araquidônico (AA) é um metabólito n-6 e o ​​precursor de prostaglandinas, leucotrienos e outras moléculas imunológicas. Os metabólitos n-3 PUFA, ácido docosahexaenóico (DHA) e ácido eicosapentaenóico (EPA), competem com AA para incorporar fosfolipídios na membrana celular. O óleo de peixe contém o n-3 PUFA e EPA. O aumento do consumo de peixes gordurosos resulta na substituição parcial do AA nas membranas celulares pelo EPA.

Isto leva à diminuição da produção de mediadores derivados de AA. Além disso, o EPA é um substrato para a ciclo-oxigenase e a lipoxigenase e dá origem a mediadores que muitas vezes têm ações ou potências biológicas diferentes daquelas formadas a partir do AA.

Ômega-3 no tratamento da doença do olho seco funciona?

Estudos sobre ômega-3 e olho seco

Estudos em animais relataram níveis mais elevados de PUFAs n-3 na retina e no sistema lacrimal, atingindo menor inflamação local. O equilíbrio entre esses dois PUFAs pode resultar em um estado anti-inflamatório ou pró-inflamatório no organismo. Nos países ocidentais, a proporção ômega-3:ômega-6 é de aproximadamente 1:15 favorecendo um estado pró-inflamatório, que poderia se beneficiar de a suplementação oral de ácidos graxos ômega-3 e ômega-6. Peixes gordurosos são a principal fonte de EPA e DHA.

O ácido alfa-linolênico (ALA) é encontrado no óleo de linhaça (o óleo de linhaça tem o maior teor de linolênico de qualquer alimento) e em outros óleos de sementes e vegetais. Pacientes com artrite reumatoide ou doença coronariana obtiveram resultados positivos com suplementação oral de ácidos graxos ômega-3 e ômega-6. A patogênese do olho seco inclui a presença de citocinas inflamatórias como IL-6, IL-8, IL-12, TNF-ae IFN na superfície ocular desencadeada pelo ressecamento que alteraria a osmolaridade do filme lacrimal produzindo mais inflamação e perpetuando a fenômeno em um processo de feedback positivo. A suplementação oral com ácidos graxos ômega-3 e ômega-6 poderia melhorar a inflamação na superfície ocular e aliviar os sintomas de olho seco.

A revisão sistemática

O objetivo de uma revisão sistemática publicada no Acta foi avaliar criticamente as evidências científicas a respeito da eficácia da suplementação nutricional com ácidos graxos ômega-3 e ômega-6 no tratamento do olho seco. Os 15 estudos incluídos envolveram um total de 2.591 pacientes.

Em relação à idade dos participantes, a mediana foi de 52,2 anos (DP 14,6). Houve um pico aos 34,34 anos (IIQ 16,06) e outro aos 59,03 anos (IIQ 1,79). Não houve diferenças de idade entre os grupos experimental e controle. Dois estudos analisam o efeito da suplementação oral em pacientes que sofrem olho seco devido ao uso de lentes de contato gelatinosas. Bhargava & Kumar (2015) usaram uma combinação de ácidos graxos ômega-3 (EPA+DHA) em cerca de 600 pacientes, encontrando uma melhora significativa nos sinais e sintomas.

Em contraste, Kokke et al. não obtiveram diferenças significativas no TBUT ou no teste de Schirmer empregando um suplemento de ômega-6 (GLA), mas relataram uma melhora no conforto da lente no grupo de tratamento.

Resultados

Os melhores resultados objetivos e subjetivos foram observados em um estudo realizado em pacientes com disfunção da glândula meibomiana (Oleñik, et al. 2013). Um estudo com amostra pequena avaliou a suplementação oral em pacientes que sofriam de olho seco associado a doenças reumatoides como lúpus ou artrite reumatoide (Pinheiro, et al. 2007).

O principal componente dos suplementos orais são os ácidos graxos ômega-3:EPA, DHA e ácido linolênico (ALA). Os dois primeiros ácidos graxos ômega-3 são encontrados no óleo de peixe; em contraste, o ALA está presente em algumas plantas. Os ácidos graxos ômega-6 incluídos nos suplementos são o ácido gama-linolênico (GLA) e o ácido linoléico (LA); ambos são encontrados em óleos vegetais e de sementes. Com relação ao tipo de suplemento e à dosagem diária total de ômega-3 e ômega-6, há diferenças notáveis ​​entre os estudos, que diferem na composição.

Dois dos suplementos apresentaram maior percentual de ômega-6 (Larmo, et al. 2010; Sheppard, et al.2013) do que ômega-3, e apenas um utilizou exclusivamente ômega-6 (Kokke, et al.2008). O tempo médio de acompanhamento foi de 3,9 meses (intervalo mínimo-máx. 1,5–6) e a mediana foi de três meses (P25:3 P75:6). Um total de 166 desistências foram relatadas. A principal causa foi intolerância gástrica seguida de não adesão e outras como erupção cutânea.

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Todos os estudos permitiram o uso de lágrimas artificiais e, em alguns estudos, lágrimas artificiais foram fornecidas a todos os indivíduos para homogeneizar seu uso. Nenhum dos estudos permitiu medicação tópica ativa. A melhora subjetiva foi avaliada em todos os estudos. Seis estudos utilizaram o OSDI, e o DESS é utilizado em quatro. Os cinco estudos restantes utilizaram testes não padronizados. O OSDI encontrou melhoras estatisticamente significativas nos sintomas do olho seco.

O tempo de ruptura do filme lacrimal (TBUT) é avaliado em todos os estudos. Seis estudos encontraram diferenças que não foram estatisticamente significativas e nove estudos observaram uma melhora estatisticamente significativa. O teste de Schirmer é usado em todos os estudos. Oito não utilizam anestesia (teste de Schirmer tipo 1) em contraste com quatro que o fazem (tipo 2); o restante não especificou o tipo de teste. Diferenças estatisticamente significativas foram encontradas em quatro estudos.

O uso regular de lentes de contato induz alterações na superfície ocular que levam a sintomas de olho seco. A microscopia confocal in vivo evidenciou alterações morfológicas nas glândulas Meibomianas em usuários de lentes de contato ( Villani, et al. 2011); a redução de células caliciformes na citologia de impressão também foi correlacionada com lentes de contato (Sapkota, et al. 2016).

As lentes de contato produzem alterações significativas no filme lacrimal e na metaplasia celular (Sengor, et al. 2012); o uso de suplementação oral poderia ser benéfico neste grupo de indivíduos que sofrem de “olho seco inflamatório”. Os dois estudos que analisam o efeito dos suplementos em usuários de lentes de contato diferem em seus achados.

Essas diferenças podem ser explicadas pelo tamanho da amostra de 496 versus 76 indivíduos ou pelo uso de diferentes suplementos, já que uma maior proporção de ácidos graxos ômega-6 tem sido relacionada a um maior risco de olho seco (Walter, et al. 2016). A síndrome da visão do computador é um grupo de sintomas visuais vivenciados em relação ao uso de computadores. Quase 60 milhões de pessoas sofrem de CVS em todo o mundo, resultando na redução da produtividade no trabalho e na redução da qualidade de vida do trabalhador informático (Ranasinghe, et al. 2016).

Esses problemas estão aumentando com o surgimento de novas tecnologias e o uso de smartphones, tablets e outros dispositivos retroiluminados. Ao ler em um terminal eletrônico, a taxa de piscadas diminui e a porcentagem de piscadas incompletas aumenta, o que pode provocar sintomas de olhos secos (Argiles, et al. 2015).

Considerações finais sobre ômega-3 e olho seco

A suplementação de ômega-3 pode aumentar a estabilidade lacrimal nesses pacientes jovens, melhorando o conforto ocular à medida que modificam os lipídios intracelulares nas glândulas lacrimais (Andrade, et al. 2014). Ambos os estudos analisados ​​encontraram melhora no olho seco. A diferença entre os estudos é a dosagem diária.

O olho seco evaporativo está diretamente relacionado à DGM ou blefarite posterior. Esses pacientes apresentam desconforto ocular seco como resultado da inflamação da superfície ocular, que por sua vez estimula processos inflamatórios imunomediados, exacerbando ainda mais a condição (Macsai, 2008).

O uso de ômega-3 e ômega-6 tem sido relacionado à qualidade e quantidade de lipídios intracelulares; esse fato, em combinação com um ambiente de inflamação reduzida, poderia melhorar os parâmetros de olho seco nesses pacientes (Liu, et al. 2016). A disfunção da glândula é uma causa frequente de olho seco, com um claro componente de inflamação que pode beneficiar o efeito dos PUFFAs na dieta.

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Autor

Pós graduação Lato Sensu em Córnea pela UNIFESP ⦁ Especialização em lentes de contato e refração pela UNIFESP ⦁ Residência médica em Oftalmologia pela UERJ ⦁ Graduação em Medicina pela UFRJ ⦁ Contato via Instagram: @julianarosaoftalmologia

Referências bibliográficas:
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  • O’Byrne C, O’Keeffe M. Omega-3 fatty acids in the management of dry eye disease-An updated systematic review and meta-analysis. Acta Ophthalmol. 2022. DOI: 10.1111/aos.15255


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