AAP 2023: Diretrizes clínicas para avaliação e tratamento da obesidade pediátrica

A obesidade pediátrica é um enorme problema de saúde pública em todo o mundo. Estima-se que 14,1 milhões de crianças nos Estados Unidos são afetadas pela obesidade. Esse quadro é de extrema relevância na pediatria, principalmente pelos graves problemas de saúde que causam a longo prazo.  

No terceiro dia de AAP 2023, a professora associada de pediatria da Yale University School of Medicine, Dra. Mona Sharifi, trouxe o novo guideline da AAP para a avaliação e o tratamento da obesidade pediátrica, publicado em 2023. Devido ao reduzido número de evidências científicas disponíveis, o guideline reúne diversas recomendações para o diagnóstico e tratamento da obesidade em crianças e adolescentes. 

Comunicação eficiente e não estigmatizante

A obesidade é uma doença crônica complexa, sendo um indicador de desigualdades estruturais, como sistemas alimentares injustos, inequidades de saúde e fatores comunitários e ambientais. A genética, ambientes promotores da obesidade e experiências de vida contribuem com inequidades e barreiras estruturais que contribuirão para o sobrepeso e a obesidade.  

O entendimento sobre as causas da obesidade difere nesse guideline com relação aos anteriores. Há uma compreensão atual de que as crenças de que a obesidade é causada por uma ausência de auto-disciplina ou que é causada apenas por erros alimentares e ausência de atividade física aumentam o esteriótipo e estigma relacionado à doença, levando a uma dificuldade maior no controle do quadro. Perceber a doença como um quadro com causas biológicas, genéticas e ambientais leva a uma melhor compreensão da sua etiologia complexa e beneficia os pacientes com melhora da autoestima e aumento da própria eficácia para redução do peso. 

Dessa forma, é papel do pediatra realizar uma comunicação centrada no paciente, de forma não estigmatizante. Quatro recomendações do guideline se baseiam nessa orientação:  

  • Pedir permissão para discutir a respeito do Índice de Massa Corporal (IMC) ou do peso;  
  • Evitar o uso de classificações em primeira pessoa. Exemplo: Criança com obesidade, não criança obesa;  
  • Usar palavras e frases percebidas como neutras. Exemplo: peso não saudável ou ganho excessivo de peso para idade ou altura, ao invés das palavras obeso ou gordo;  
  • Não indicar tratamentos com dietas restritivas, tentar estabelecer uma relação saudável com a comida.

Uma novidade nesse guideline é a consideração de que não existe benefício em não se iniciar o tratamento precoce do quadro, ou seja, o guideline indica que se deve iniciar o tratamento imediatamente, o mais precoce possível, não se indicando mais o tratamento conservador. O tratamento deve ser combinado com o tratamento concomitante das comorbidades associadas, e deve ser estruturado e supervisionado, a fim de reduzir o risco do desenvolvimento de transtornos alimentares.  

A professora fez questão de acrescentar que, como doença crônica, a obesidade vai apresentar períodos de melhora e piora, e o tratamento deve ser modulado de forma a conseguir se adequar as necessidades pontuais do paciente a cada momento. O tratamento não se baseia em uma única consulta com orientações a ser seguidas. Deve ser manejado cronicamente, levando-se em consideração as opções do paciente e sua família, bem como outros fatores importantes como questões culturais e problemas sociais, incluindo racismo, inequidade de gênero, desigualdades sociais e bullying.  

Recomendações para avaliação

A avaliação para quadros de obesidade deve ser realizada em todas as crianças e adolescentes durantes as consultas de rotina. Realizar a avaliação do peso e altura de todas as crianças e adolescentes de 2 a 18 anos, utilizando os gráficos disponíveis para IMC por idade e sexo do CDC. Repetir esse processo pelo menos uma vez ao ano.  

O diagnóstico será dado de acordo com a classificação do IMC do paciente dentro das curvas específicas:  

  • Sobrepeso: IMC ≥ p85 e < p95;  
  • Obesidade: IMC ≥ p 95; 
  • Obesidade grave: IMC ≥ 120% do p95.  

O novo guideline também preconiza uma avaliação voltada para rastreio de comorbidades associadas à obesidade:  

  • História clínica completa, avaliação de questões sociais e mentais e exame físico: Devem ser realizados em todas as crianças com sobrepeso e obesidade; 
  • Aferição da pressão arterial: Devem ser realizados em todas as crianças com sobrepeso e obesidade acima de três anos;  
  • Lipidograma: Deve ser realizado obrigatoriamente em todas as crianças com sobrepeso e obesidade acima de 10 anos. Considerar em crianças menores de 10 anos com obesidade;  
  • Glicemia de jejum, teste de tolerância oral a glicose ou hemoglobina glicada e transaminase (ALT): Realizar em todas as crianças obesas acima de 10 anos, considerar nas crianças com sobrepeso acima de 10 anos com fatores de risco para diabetes tipo 2 ou esteatose hepática.  

Nos casos de alteração da pressão arterial, conduzir conforme os guidelines de hipertensão arterial. Se os valores forem normais, aferir a cada consulta. No caso dos exames laboratoriais, caso estejam alterados, devem ser manejados conforme cada caso, e se forem normais, podem ser repetidos a cada dois anos ou se antes se houverem alterações do exame físico ou no risco.  

Outras recomendações presentes no guideline são os rastreios específicos para apneia obstrutiva do sono, síndrome dos ovários policísticos, depressão e alterações articulares decorrentes da obesidade.  

Recomendações de tratamento

A dra. Mona fez questão de enfatizar que a mensagem mais importante da sua palestra é: trate precocemente e intensivamente a obesidade pediátrica! Não está mais indicada a abordagem de observar e aguardar.  

Algumas abordagens estão disponíveis, de acordo com o quadro e a faixa etária da criança ou adolescente. A entrevista motivacional está indicada para todos os pacientes com obesidade ou sobrepeso. A palestrante recordou que nem sempre os profissionais estão aptos a realizar entrevistas motivacionais, e por isso, treinamentos específicos nessa área são importantes.  

A abordagem intensiva para mudança comportamental e do estilo de vida deve ser realizada em todas as crianças acima de seis anos, com sobrepeso e obesidade. Considerar essa abordagem nos pacientes abaixo de seis anos. Essa abordagem envolve programas com encontros face a face, num período de 3 a 12 meses. A recomendação baseada em outros estudos é de que, nesse período, haja um total de pelo menos 26 horas de tratamento, devendo também envolver a família. O programa envolve educação em saúde, construção de habilidades relacionadas aos cuidados de saúde e aconselhamento e modificação comportamental. Apesar das evidências sugerirem um grande benefício nessa abordagem, a professora reconheceu que, infelizmente esse tipo de abordagem não está disponível universalmente, mesmo no território americano.  

Uma nova recomendação desse novo guideline diz respeito ao uso de medicamentos para perda de peso, que podem ser ofertados para pacientes com obesidade a partir de 12 anos de idade. Essas medicações não devem ser realizadas como monoterapia, devendo estar associadas sempre a abordagem intensiva para mudança comportamental e do estilo de vida.  

A oferta de encaminhamento para avaliação para cirurgia bariátrica também deve ser realizada para esse grupo. O uso dessas estratégias deve ser individualizado, baseado na especificidade do paciente. Encaminhar um adolescente para avaliação de um programa de cirurgia bariátrica não significa que ele necessariamente irá se beneficiar da realização da cirurgia em si. No caso de o paciente e sua família estarem interessados nesse tipo de tratamento, o encaminhamento é pertinente para que se discuta com o especialista sobre as possibilidade e benefícios, além dos potenciais riscos e benefícios, de tal procedimento.

Mensagens para casa

  • A obesidade é uma doença crônica complexa, sendo um indicador de desigualdades estruturais. A genética, ambientes promotores da obesidade e experiências de vida contribuem com inequidades e barreiras estruturais que contribuirão para o sobrepeso e a obesidade.  
  • É papel do pediatra realizar uma comunicação centrada no paciente, de forma não estigmatizante.  
  • Iniciar o tratamento imediatamente, o mais precoce possível, não se indicando mais o tratamento conservador.  
  • O tratamento deve ser combinado com o tratamento concomitante das comorbidades associadas, e deve ser estruturado e supervisionado, a fim de reduzir o risco do desenvolvimento de transtornos alimentares.  
  • O tratamento não se baseia em uma única consulta com orientações a ser seguidas. Deve ser manejado cronicamente, levando-se em consideração as opções do paciente e sua família.
  • A abordagem intensiva para mudança comportamental e do estilo de vida deve ser realizada em todas as crianças acima de seis anos, com sobrepeso e obesidade. Considerar essa abordagem nos pacientes abaixo de 6 anos.
  • Medicamentos para emagrecer e encaminhamento para avaliação de cirurgia bariátrica podem ser oferecidos em crianças com 12 anos ou mais.

Confira todos os destaques do AAP 2023 aqui!

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Autor

Editora-chefe de Pediatria ⦁ Médica formada pela UNIRIO ⦁ Residência médica em pediatria pelo HUPE/UERJ ⦁ Médica concursada do Ministério da Educação (Colégio Pedro II e CEFET-RJ) ⦁ Tem experiência nas áreas de Terapia Intensiva Pediátrica, Pediatria Geral e Medicina de Urgência.

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