O suicídio é um fenômeno humano complexo, multifatorial e coletivo, que envolve questões biográficas, orgânicas, genéticas, psicológicas, fatores históricos, culturais e socioambientais. A despeito da sua frequente ocorrência, levando-o a ser um problema de saúde pública (segundo dados da Organização Mundial de Saúde, estima-se que anualmente 800 mil pessoas morram por suicídio), sua abordagem muitas vezes é alvo de resistências morais e religiosas.
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O suicídio é o ponto final de uma longa cadeia de sofrimento, culminando em um momento no qual a dor se tornou insuportável. Nesse sentido, fica evidente, que todos os motivos que levam ao sofrimento psíquico podem levar, em última instância, ao suicídio.
Não se pode, por conseguinte, falar em sofrimento e adoecimento psíquico sem considerar a relação entre o sujeito e o mundo, a estrutura da sociedade em que vivemos e os determinantes que culminam em relações de hierarquia e exclusão. Logo, não se pode falar de suicídio desconsiderando os Determinantes Sociais em Saúde.
Os Determinantes Sociais de Saúde “são os fatores sociais, econômicos, culturais, étnico/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população”. A partir desse conceito podemos entender como as intersecções entre vulnerabilidade étnica, racial, de gênero, orientação sexual, classe e faixa etária levam a determinados grupos a estarem mais vulneráveis quando falamos de suicídio.
No que diz respeito as relações raciais, em uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde e a Universidade de Brasília (UnB) sobre óbitos por suicídio entre adolescentes e jovens negros de 2012 a 2016, a taxa de suicídio em adolescentes e jovens negros foi 45% maior do que em jovens brancos da mesma faixa etária. A pesquisa também evidenciou que as principais causas associadas ao suicídio em negros são: o não lugar, a ausência de sentimento de pertença, o sentimento de inferioridade, rejeição, negligência, maus tratos, abuso, violência, inadequação, inadaptação, o sentimento de incapacidade, a solidão e o isolamento social. Também esteve relacionado ao suicídio a não aceitação da identidade racial, sexual e afetiva, de gênero e de classe social.
No que diz respeito as relações econômicas, de classe e de gênero, há estudos associando um aumento da mortalidade por suicídio em períodos de crises econômicas, especialmente nas populações masculinas e em países com níveis de desemprego relativamente baixo antes da recessão. Acredita-se que alguns fatores intermediam a relação crise econômica vs suicídio, como a insegurança no emprego, reduções salariais e seus efeitos na vida familiar, bem como o isolamento social.
Um estudo considerando o efeito da recessão econômica na mortalidade por suicídio no Brasil entre 2012-2017 mostrou que a partir de 2015 houve um aumento nas taxas de suicídio na população em geral (houve uma redução na velocidade de crescimento do Produto Interno Bruto do Brasil em 2014, com contração significativa entre 2015-2016 e reversão da tendência de queda em 2017, com aumento do número de desempregados e desalentados a partir do primeiro trimestre de 2015 até o segundo trimestre de 2017).
Quando se observa subgrupos específicos, evidencia-se um aumento na mortalidade na população masculina, mas não na população feminina. Esse achado pode estar atrelado ao papel social do homem no patriarcado como provedor econômico da família, o que coloca uma maior pressão social sobre esse grupo em momentos de instabilidade econômica – essa interpretação condiz com um estudo abrangendo 20 países europeus mostrando que em países com maior igualdade de gênero o impacto da recessão econômica sobre o suicídio é menor, graças a menor mortalidade na população masculina, sem que houvesse um aumento da mortalidade na população feminina.
Além disso, houve um aumento abrupto da taxa de mortalidade e risco de suicídio nas populações com menor escolaridade, que historicamente possuem uma renda muito inferior que os trabalhadores com maior escolaridade.
Há dimensões psicossociais essenciais que são fragilizadas pelos determinantes sociais e que são fundamentais à constituição psíquica dos sujeitos. Precisamos para nos sentirmos existentes do reconhecimento pelas outras pessoas da sociedade, o que está associado a nosso papel social e o grupo no qual nos inserimos.
O pertencimento a um grupo social nos confere amparo e proteção, bem como uma perspectiva que atribui sentido ao passado e ao presente e que a partir daí pode projetar um futuro que guarda a possibilidade de transformação e esperança. Grupos minoritários muitas vezes estão expostos a ausência de garantia de condições básicas de existência, como moradia, educação, alimentação e segurança.
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Nesse sentido, também são elementos que precisam ser considerados em uma abordagem protetiva ao suicídio, a construção de rede de apoio, o fortalecimento de inserção social e construção de vínculos, a preservação de crenças e culturas, o acesso adequado a cuidados em saúde mental, a intervenção precoce quando evidenciado a presença de transtornos mentais e a presença de políticas públicas de combate à desigualdade.
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Autor
Médica pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Residência em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP). Mestranda em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP). Psiquiatra Assistente do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP).
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