A infecção por Clostridioides difficile (anteriormente conhecido como Clostridium difficile) é a causa mais relevante de diarreia associada a antibióticos em todo o mundo e uma das principais causas infecciosas associada a cuidados de saúde nos Estados Unidos. Uma recente revisão publicada no periódico Pediatrics da Academia Americana de Pediatria (AAP) abordou o tema, incluindo atualizações na epidemiologia, diagnóstico e tratamento e se encontra sintetizada a seguir.
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Epidemiologia
O impacto da infecção por C. difficile (ICD) em crianças
Cerca de 20.000 crianças são afetadas por ICD anualmente nos Estados Unidos e até 30% dos pacientes pediátricos acometidos apresentam recorrência dentro de 60 dias. Em contraste com a infecção em adultos, a infecção por Clostridioides difficile (ICD) em crianças é mais comumente associada à comunidade, respondendo por três quartos (75%) de todos os casos.
A prevalência de detecção de C. difficile nas fezes de crianças varia de acordo com a idade. Os lactentes apresentam altas frequências de portadores assintomáticos, ultrapassando 40% no primeiro ano de vida. A colonização, que começa logo após o nascimento, atinge o pico entre seis e 12 meses de idade. A frequência permanece tão alta quanto 22%, em crianças de 1 a 2 anos, antes de cair para se aproximar das taxas observadas em adultos saudáveis de 1 a 3%. Infelizmente, não há vacinas disponíveis.
Fatores de risco
Os fatores de risco incluem:
- Exposição a antibióticos (fator predisponente mais importante para ICD);
- Administração de inibidores da bomba de prótons;
- Alimentação por sonda;
- Exposição a unidades de saúde;
- Hospitalização prolongada;
- Contato com uma pessoa infectada com Clostridioides difficile.
Os fatores de risco para ICD associada à comunidade englobam:
- Etnia não hispânica;
- Exposição a antibióticos (como amoxicilina com clavulanato, cefalosporinas ou clindamicina nas 12 semanas anteriores);
- Teste anterior positivo para C. difficile em seis meses;
- Aumento de consultas médicas no último ano.
No entanto, os fatores de risco tradicionais podem nem sempre estar presentes.
Transmissão
Ocorre por via fecal-oral (ingestão de esporos), mas também pode acontecer pelo contato com superfícies contaminadas no ambiente. Muitas crianças com ICD associada à assistência médica já estão colonizadas com Clostridioides difficile no momento da internação. Bebês, crianças pequenas e contatos domésticos com ICD ativa podem servir como possíveis fontes de exposição a C. difficile associada à comunidade. A transmissão potencial de pets também foi descrita.
Manifestações clínicas
A maioria das crianças sintomáticas terá diarreia leve à moderada, no entanto há um amplo espectro de gravidade da doença, variando de portador assintomático até colite com risco de vida. A ICD grave é menos comum em crianças do que em adultos, mas pode ocorrer (até 8% dos casos evoluem com doença grave). Em adultos, a ICD grave é definida por leucocitose (≥ 15.000 células/mm³) ou insuficiência renal (creatinina sérica >1,5 mg/dL). Entretanto, é mal definida em crianças, necessitando de julgamento clínico para o diagnóstico. Complicações graves em crianças incluem:
- Colite pseudomembranosa;
- Pneumatose intestinal;
- Megacólon tóxico;
- Perfuração;
- Peritonite;
- Choque com falência multissistêmica.
A ICD em crianças geralmente é cecocolônica ou colônica. Em casos graves, a imagem abdominal pode mostrar espessamento da parede colônica, dilatação colônica ou ar livre no caso de perfuração.
Diagnóstico laboratorial
As diretrizes de 2017 da IDSA (Infectious Diseases Society of America) e da SHEA (Society of Healthcare Epidemiologists of America) recomendam um algoritmo de duas etapas, incluindo o teste de toxina fecal (ou seja, imunoensaio enzimático [EIA – enzyme immunoassay] glutamato desidrogenase mais toxina EIA, arbitrado por NAAT [teste de amplificação de ácido nucleico – nucleic acid amplification test] ou NAAT mais toxina EIA) como a melhor abordagem diagnóstica (a menos que as instituições tenham desenvolvido outros critérios clínicos e laboratoriais acordados para a submissão do teste, caso em que a detecção de Clostridioides difficile toxigênico apenas por NAAT é considerada aceitável).
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A revisão destaca que o manejo é determinado pelo número e gravidade dos episódios. Crianças que não respondem ao tratamento direcionado dentro de cinco dias devem ser avaliadas para outras causas. Atualmente, não há evidências suficientes para apoiar os probióticos como uma alternativa à terapia antimicrobiana para o tratamento da ICD. No caso de crianças sintomáticas, o manejo deve incluir a descontinuação do antibiótico desencadeante, quando possível, para limitar mais a ruptura microbiana intestinal.
Apresentação inicial
Forma não grave:
- Metronidazol por via oral (VO) 7,5 mg/kg/dose (máx. 500 mg), 6/6h ou 8/8h, por 10 dias.
OU
- Vancomicina VO 10 mg/kg/dose (máx. 125 mg) 6/6h, por 10 dias.
Grave ou fulminante:
- Vancomicina VO ou via retal (VR) 10 mg/kg/dose (máx. 500 mg), 6/6h, por 10 dias.
+/-
- Metronidazol por via intravenosa (IV) 10 mg/kg/dose (máx. 500 mg), 8/8h, por 10 dias.
Infecção recorrente
Primeiro episódio de recorrência:
- Metronidazol por via oral (VO) 7,5 mg/kg/dose (máx. 500 mg), 6/6h ou 8/8h, por 10 dias.
OU
- Vancomicina VO 10 mg/kg/dose (máx. 125 mg) 6/6h, por 10 dias.
Segundo episódio de recorrência ou episódios subsequentes:
- Vancomicina VO 10 mg/kg/dose (máx. 125 mg) 6/6h, por 10 dias (se não tiver sido usado anteriormente).
OU
- Vancomicina em regime gradual (período prolongado de tratamento com diminuição progressiva da dose) ou em pulso (período prolongado de tratamento com alguns dias de intervalo entre as doses) VO 10 mg/kg/dose (máx. 125 mg) 6/6h, por 10 a 14 dias, depois de 12/12h por 7 dias, depois uma vez ao dia por 7 dias e então a cada 2 a 3 dias por 2 a 8 semanas.
OU
- Vancomicina VO 10 mg/kg/dose (máx. 125 mg), 6/6h por 10 dias, seguido por rifaximina “chaser” (curso de 20 dias de rifaximina VO três vezes ao dia após completar o retratamento inicial com vancomicina VO), sem dosagem pediátrica para rifaximina (máx. 400 mg/dose).
OU
- Transplante de microbiota fecal (FMT – fecal microbiota transplantation): O FMT, que envolve a transferência de fezes de um doador saudável para o trato gastrointestinal de um receptor com ICD recidivada, ganhou popularidade como uma maneira potencial de restaurar a composição microbiana intestinal interrompida. No entanto, encontra-se como aplicação de “novo medicamento em investigação” (IND – investigational new drug application) pelo Food and Drug Administration (FDA) (ainda não aprovado pelo órgão americano).
Outras opções terapêuticas
Fidaxomicina
Opção recém-aprovada pela FDA para tratamento em crianças (em adultos, é medicamento de primeira linha, assim como a vancomicina);
Posologia: 16 mg/kg/dose (máximo de 200 mg/dose) 12/12h por 10 dias;
Disponível em comprimidos e formulações líquidas para crianças ≥ 6 meses de idade e ≥ 4 kg;
Pontos fortes: atividade intestinal de espectro estreito; não absorvido sistemicamente;
Limitações: Apesar de aprovado pelo FDA para crianças, a experiência do uso na faixa etária pediátrica é escassa. É um fármaco caro e os efeitos adversos relatados são: pirexia, dor abdominal, vômito, diarreia, constipação, elevação da atividade das enzimas hepáticas e erupção cutânea relatada.
Bezlotoxumabe
Anticorpo monoclonal anti toxina B que proporciona uma redução modesta do risco. Os resultados do estudo de fase 3 em crianças são esperados em breve.
Pontos fortes: Nenhuma atividade sistêmica; nenhum efeito na disbiose intestinal;
Limitações: Os dados em crianças ainda são insuficientes, devendo-se ter cautela em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva. Ademais, fornece proteção de curta duração.
Prioridades de pesquisa
Diagnóstico
- Desenvolvimento de biomarcadores para melhorar o desempenho das estratégias de teste atualmente disponíveis, a fim de diferenciar com mais precisão a infecção da colonização.
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Tratamento
Desenvolvimento de terapias direcionadas para Clostridioides difficile que:
- podem ser administradas localmente no intestino e com efeitos sistêmicos limitados;
- tenham atividade de espectro estreito para limitar a disbiose intestinal;
- mantenham um efeito duradouro para diminuir a recorrência; e
- sejam eficazes para o tratamento de doenças graves.
Prevenção
Desenvolvimento de vacinas seguras e eficazes contra C. difficile ou outras medidas preventivas que promovam resistência à colonização por Clostridioides difficile.
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Autor
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra
- SHIRLEY, Debbie-Ann et al. Clostridioides difficile Infection in Children: Recent Updates on Epidemiology, Diagnosis, Therapy [published online ahead of print, 2023 Aug 10]. Pediatrics, e2023062307, 2023.