A prematuridade é a principal causa de óbito neonatal: no mundo todo, anualmente, aproximadamente 15 milhões de bebês nascem prematuros, isto é, com idade gestacional (IG) inferior a 37 semanas. Para os sobreviventes, o risco de distúrbios em longo prazo (particularmente deficiências neurológicas e de desenvolvimento) permanece elevado, apesar dos inúmeros avanços na Neonatologia.
Nos últimos 20 anos, a incidência de paralisia cerebral (PC), em especial a sua forma grave, diminuiu. Entretanto, não houve declínio na alta incidência de comprometimento cognitivo e desafios sociais e emocionais entre crianças e jovens nascidos prematuramente.
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Em uma revisão recentemente publicada no periódico The New England Journal of Medicine (NEJM), Inder e colaboradores descrevem as três principais formas de lesão cerebral em bebês muito prematuros, a natureza das alterações no desenvolvimento subsequente do cérebro (denominada “desmaturação”) e as intervenções que podem mediar essas alterações e suas consequências no neurodesenvolvimento.
De acordo com os pesquisadores, a compreensão desses fatores servirá de base para futuras estratégias neuroprotetoras por profissionais neonatologistas para melhorar os desfechos neurológicos em longo prazo dessa população.
Lesão cerebral
Três formas principais de lesão cerebral reconhecida em bebês prematuros estão associadas a comprometimento subsequente do neurodesenvolvimento:
1. Lesão da substância branca
É a lesão mais prevalente, causada, principalmente, por hipóxia-isquemia e inflamação.
2. Hemorragia cerebelar
Os fatores mais proeminentes são a imaturidade e a instabilidade cardiorrespiratória.
3. Hemorragia intraventricular da matriz germinativa
É a forma mais comum de hemorragia intracraniana neonatal e é característica do sangramento do sistema nervoso central (SNC) em prematuros. Esta forma de lesão cerebral afeta aproximadamente 25% de todos os prematuros com muito baixo peso ao nascer (<1500 g).
“Desmaturação”
Os pesquisadores destacam que técnicas avançadas de neuroimagem têm aprofundado a compreensão atual das lesões primárias e dos efeitos secundários da “desmaturação”. Eles descrevem que estudos clínicos e experimentais sugerem que a maturação neuronal alterada pode ser um evento primário no cérebro imaturo, distinto da “desmaturação” devido à lesão da substância branca. Essa noção foi apoiada por um estudo usando ressonância magnética (RNM) de crânio baseada em difusão em bebês prematuros em dois momentos durante a hospitalização.
Além da hipóxia, é provável que outros fatores medeiem distúrbios no desenvolvimento da massa cinzenta e branca em bebês prematuros durante a internação na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), incluindo nutrição e crescimento, bem como experiências negativas (dor, estresse e exposição à luz forte ou som) e a ausência de experiências positivas (cuidado, exposição a vozes humanas e toque de cura). No entanto, separar um efeito “desmaturacional” primário desses fatores de um efeito neuromodulador na “desmaturação” após lesão, particularmente lesão da substância branca, é um desafio.
Intervenções que podem mediar essas alterações e suas consequências no neurodesenvolvimento
A possibilidade de que a “desmaturação” das estruturas da substância branca e cinzenta, seja direta ou indiretamente relacionada à lesão cerebral, possa ser neutralizada tem sido sugerida por uma variedade de estudos clínicos, epidemiológicos e experimentais. Fatores que podem desempenhar um papel na neutralização da “desmaturação” incluem não apenas a prevenção de hipóxia, isquemia e insultos inflamatórios, mas também suporte nutricional e uma variedade de fatores experienciais, como mostra o quadro abaixo:
Intervenções | |
Lesão cerebral
–Hemorragia intraventricular de alto grau -Lesão cística da substância branca -Lesão difusa da substância branca -Hemorragia cerebelar |
“Desmaturação” cerebral definida por ressonância magnética
-Região frontal ou temporal -Gânglios da base ou tálamo -Cerebelo |
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Conclusão
A revisão de Inder e colaboradores mostra que uma combinação de lesões cerebrais únicas e desenvolvimento cerebral alterado sustenta os desfechos adversos do neurodesenvolvimento em bebês prematuros.
Veja também: Efeitos do toque parental no alívio da dor aguda por procedimentos em neonatologia
Comentário
Há poucos anos, a maior preocupação na Neonatologia era dar chances para a sobrevivência de bebês prematuros. De fato, bebês que hoje sobrevivem não tinham essa possibilidade há alguns anos. No entanto, o objetivo hoje não é concentrar a prática na UTIN apenas na sobrevivência desses bebês, mas em otimizar sua qualidade de vida e suas funções neurológicas em longo prazo.
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Autor
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra
- INDER, Terrie; VOLPE, Joseph; ANDERSON, Peter. Defining the Neurologic Consequences of Preterm Birth. N Engl J Med., v.389, n.5, p.441-453, 2023