Como tratar o lúpus eritematoso sistêmico?

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica, autoimune, de etiologia pouco conhecida, decorrente do desequilíbrio do sistema imunológico e produção de anticorpos. Esses são direcionados a diversos componentes celulares, com formação de imunocomplexos que se depositam nos tecidos e causam lesão orgânica.

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O quadro clínico é bastante heterogêneo, podendo acometer qualquer órgão ou sistema do corpo. É o protótipo das doenças autoimunes sistêmicas. O atraso no seu diagnóstico pode levar a dano e piora no prognóstico da doença; portanto, o reconhecimento e o tratamento precoces são fundamentais. 

Estima-se que a incidência do LES seja em torno de 2 a 8 casos por 100 mil habitantes-ano, com uma prevalência de 20 a 150 casos por 100 mil habitantes. Alguns estudos sugerem que o Brasil apresenta uma das maiores, senão a maior, incidência de LES em todo o mundo. 

A doença acomete predominantemente mulheres (proporção de 9-12:1) em idade reprodutiva, com pico de incidência entre 20 e 40 anos. Apesar disso, a enfermidade pode acometer pessoas de qualquer idade; no entanto, apresenta uma menor desproporção entre sexos (3 mulheres para cada homem) em crianças e idosos. Existe uma maior predileção por acometimento de pacientes afrodescendentes. 

Alguns fatores epidemiológicos foram associados a um pior prognóstico da doença: sexo masculino, não brancos (afrodescendentes, hispânicos e asiáticos), início na infância, menor nível socioeconômico e tabagismo. 

Além disso, a associação do lúpus eritematoso sistêmico com a síndrome antifosfolípide (SAF) merece destaque: 20% a 40% dos pacientes apresentam positividade para anticorpos antifosfolípides (aPL), sendo que 10% a 15% apresentam síndrome antifosfolípide (SAF) definida por evento clínico.  

lúpus eritematoso sistêmico

Fisiopatologia

Com a interação entre fatores genéticos e ambientais, existe uma perda da tolerância, ativação das respostas inata e adaptativas e produção de anticorpos. Com isso, há aumento de linfócitos T auxiliares (que têm suas funções amplificadas) e redução dos citotóxicos, ativação policlonal de linfóticos B autorreativos, aumento da expressão de IFN tipo 1 e ocorrência de NETose. 

Com isso, o dano tecidual no LES acontece da seguinte forma: a produção excessiva de autoanticorpos se liga aos antígenos células, formando imunocomplexos. Esses imunocomplexos se depositam nos tecidos e ativam o complemento, o que gera lesão imunomediada. Todo esse processo é amplificado pelo déficit de clareamento de imunocomplexos que existe no lúpus eritematoso sistêmico.  

Tratamento

Os objetivos do tratamento consistem no controle da inflamação (indução de remissão), prevenção de reativação (manutenção de remissão), melhora na qualidade de vida, prevenção do ano e redução da letalidade. 

Para decidir a melhor opção terapêutica devemos levar em consideração o tipo de acometimento e a gravidade da manifestação (tratar pelo mais grave).  

Com relação ao tratamento não farmacológico, os pacientes devem ser orientados a adotar hábitos de vida saudáveis, interromper o tabagismo, evitar exposição solar e utilizar protetores solares (FPS o maior possível) várias vezes ao dia, realizar a imunização e rastreamento neoplásico indicado para a idade, controle dos fatores de risco cardiovascular e realizar a contracepção (preferencialmente DIU ou com progestágenos isolados). 

Todo paciente com lúpus eritematoso sistêmico  deve receber antimalárico (preferencialmente hidroxicloroquina), a menos que haja contraindicação formal. Assim, todo paciente deve ter acompanhamento oftalmológico regular, com avaliação nos primeiros seis meses de uso, seguido de OCT com domínio espectral e campimetria computadorizada anualmente após cinco anos de uso. Deve-se evitar doses diárias superiores a 5 mg/kg de hidroxicloroquina, caso seja possível, para minimizar o risco de toxicidade retiniana, que é irreversível.

O uso de corticoide pode ser feito no início do quadro, mas seu uso deve ser feito na menor dose e pelo menor tempo possível, uma vez que a corticoterapia prolongada é responsável por cerca de 80% de todo o dano acumulado no LES. Casos graves podem necessitar de pulsoterapia EV com metilprednisolona para indução. 

A decisão quanto ao uso de imunossupressores vai depender da manifestação em questão: atividade mucocutânea, articular e serosite que não respondem à hidroxicloroquina podem necessitar de metotrexato, azatioprina, ciclosporina, leflunomida ou micofenolato mofetil. Nesse contexto, biológicos, como o belimumabe e o anifrolumabe (medicamento que inibe o interferon tipo I recentemente aprovado para uso no Brasil) podem ser usados nos casos refratários. 

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Casos de nefrite lúpica são tratados com protocolos já bem estabelecidos na literatura: a indução de remissão é feita com pulsoterapia com meilprednisolona com ciclofosfamida (esquema NIH ou Euro-Lupus) ou micofenolato mofetil. Para os casos refratários, realizamos a troca entre eles. Caso ainda se mantenha refratário, pode ser necessária a troca para rituximabe.

Estudos recentes demonstraram o benefício da adição do belimumabe aos esquemas iniciais de ciclofosfamida ou micofenolato; geralmente essa estratégia é reservada para os casos refratários, devido ao alto custo. Na presença de síndrome nefrótica refratária, podemos considerar o uso de terapia multitarget (micofenolato mofetil + inibidores da calcineurina – incluindo a voclosporina, medicamento novo ainda indisponível no Brasil). Na fase de manutenção, podemos fazer uso do micofenolato ou da azatioprina. 

Para manifestações neurológicas graves, está indicada a pulsoterapia com metilprednisolona e ciclofosfamida. Casos refratários podem necessitar de rituximabe. 

Já para manifestações hematológicas, as terapias mais indicadas são a azatioprina, micofenolato mofetil e rituximabe. Dapsona também pode ser utilizada em casos selecionados. 

O alvo terapêutico é a remissão (SLEDAI-2K clínico de 0, com prednisona ≤5 mg/dia, hidroxicloroquina, doses estáveis de imunossupressores e avaliação global do médico ≤0,5) ou a baixa atividade de doença (SLEDAI-2K ≤4, com prednisona ≤7,5 mg/dia, hidroxicloroquina, doses estáveis de imunossupressores e avaliação global do médico ≤1). 

A pesquisa de aPL é importante. Caso o paciente com lúpus eritematoso sistêmico apresente positividade para eles, em especial anticoagulante lúpico, anticardiolipina em altos títulos (>80) ou tripla positividade, devemos prescrever o AAS 100 mg/dia para prevenção primária de eventos.  

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Conclusão

O LES é uma doença com manifestações clínicas amplamente heterogêneas, o que pode dificultar o seu diagnóstico. O rápido reconhecimento e a intervenção terapêutica apropriada são capazes de reduzir o dano acumulado, prolongando a vida e melhorando sua qualidade.  

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Autor

Editor-chefe de Clínica Médica da PEBMED/Whitebook • Professor de Reumatologia da Universidade Federal de Juiz de Fora • Chefe do serviço de Clínica Médica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora • Membro da Comissão de Síndrome Antifosfolípide e da Comissão de Vasculites da Sociedade Brasileira de Reumatologia

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