Ácido tranexâmico ajuda no desfecho de longo prazo em pacientes com trauma?

Trauma é uma das principais causas de óbito em jovens. Grande parte dos óbitos preveníveis são decorrentes de sangramentos relacionados a coagulopatia induzida pelo trauma. Tais coagulopatias envolvem processos de fibrinólise mediado por plasmina. Em decorrência desse mecanismo fisiopatogênico, foi considerado que o ácido tranexâmico, uma droga antifibrinolítica, um potencial tratamento efetivo.

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O ácido tranexâmico já foi estudado na população com história de trauma previamente. O CRASH-2 e CRASH-3 trials estudaram a administração dessa droga em contexto de trauma. Nesses estudos, foi demonstrado que o ácido tranexâmico — quando administrado dentro de 3 horas após a injúria traumática — reduziu a mortalidade em 28 dias nos pacientes com suspeita de hemorragia (CRASH-2 trial) e em pacientes com traumatismo cranioencefálico leves-moderados. Apesar dessas evidências, a amostra do ensaio CRASH não foi acompanhada longitudinalmente, de forma que não há dados sobre desfechos funcionais desses pacientes após 28 dias.

A New England Journal of Medicine, nesse mês, publica o PATCH-Trauma trial que se propõe a avaliar a eficácia e a segurança de ácido tranexâmico em pacientes com trauma grave que estão sob risco de coagulopatia induzida pelo trauma. Nesse estudo, o desfecho primário dos pacientes consistiu em avaliar desfecho funcional após 6 meses da injúria neurológica.

Ácido tranexâmico ajuda no desfecho de longo prazo em pacientes com trauma

Métodos

Trata-se de ensaio clínico, internacional, duplo-cego, randomizado, controlado por placebo, realizado em três países: Austrália, Nova Zelândia e Alemanha. Foram elegíveis adultos acima de 18 anos com suspeita de injúria traumpatica grave e alto risco de coagulopatia induzida pelo trauma (acessado através do Coagulopathy of Severe Trauma – COAST score) e que foram atendidos por médicos/paramédicos em contexto pré-hospitalar com potencial para receber primeira dose de ácido tranexâmico versus placebo dentro de 3 horas do ictus do trauma. Foram excluídos pacientes com suspeita de gestação ou se residiam em instituição para idosos. A randomização desses pacientes ocorreu em razão 1:1 para grupo com ácido tranexâmico e para grupo placebo.

O desfecho primário foi avaliação de sobrevida com desfecho funcional favorável em 6 meses a partir de Glasgow Outcome Scale Extended (GOS-E) realizada através de entrevista telefônica. Já os desfechos secundários constituíram em: óbito dentro de 24 horas, óbito dentro de 28 dias, óbito dentro de 6 meses após a injúria.

Resultados

Foram recrutados, entre julho de 2014 e setembro de 2021, um total de 1.310 pacientes a partir de 15 centros médicos de emergência e de 21 hospitais presentes nos três países já citados. Houve perda de seguimento de três pacientes, de forma que 661 foram direcionados para o grupo com ácido tranexâmico e 646 para o grupo controle.

Quanto ao desfecho primário, a análise foi realizada a partir de 1.131 participantes (572 do grupo com ácido tranexâmico e 559 do grupo placebo). Sobrevida com desfecho funcional favorável após seis meses ocorreu em 53,7% no grupo intervenção e 53,5% no grupo controle [RR = 1; IC 95% (0,9-1,12), p = 0,95].

Após 28 dias da injúria, 17,3% do grupo intervenção e 21,8% do grupo controle apresentaram óbito [RR 0,79; IC95% (0,63-0,99)]. Em seis meses, 19% do grupo intervenção e 22,9% do grupo controle evoluíram ao óbito [RR 0,83; IC95% (0,67-1,03)].

Comentários

Nesse ensaio clínico, não foi demonstrado diferença significativa entre os grupos na avaliação de sobrevida com desfecho funcional favorável após seis meses. Na publicação, é descrito que, para cada cem pacientes que recebem ácido tranexâmico e não placebo, aproximadamente quatro pacientes sobrevivem após seis meses. Contudo, aproximadamente quatro pacientes nessas circunstâncias são categorizados como incapacidade grave.

Uma das limitações do estudo foi de que violações do protocolo do ensaio clínico ocorreram em 35% dos pacientes (17% dos pacientes designados a receber placebo acabaram recebendo ácido tranexâmico, enquanto 21% designados para o ácido tranexâmico não receberam a segunda dose da droga). Além disso, 14% da amostra apresentou perda de seguimento no follow-up. Portanto, esses problemas no ensaio clínico — que são realizadas na pesquisa “de campo” — possuem vieses que podem alterar os desfechos demonstrados no estudo.

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Uma proposta interessante do PATCH-Trauma trial foi avaliar a investigação das terapias de trauma para uma consideração além da sobrevivência, como o desfecho funcional desses pacientes.

Mensagem final

A administração de ácido tranexâmico pré-hospitalar seguida por infusão após oito horas em pacientes com suspeita de coagulopatia induzida por trauma não apresentou melhora na sobrevida com desfechos funcionais favoráveis em seis meses ao comparar com o placebo.

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Autor

Médica formada pela Universidade Federal Fluminense em 2016. ⦁ Neurologista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2020. ⦁ Fellow em Anormalidades do Movimento e Neurologia Cognitiva pelo Hospital das Clínicas da UFMG em 2021. ⦁ Atualmente, compõe o corpo clínico como neurologista de clínicas e hospitais em Belo Horizonte como o Centro de Especialidades Médicas da Prefeitura de Belo Horizonte, Hospital Materdei Santo Agostinho e Hospital Vila da Serra.

Referências bibliográficas:
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  • PATCH-Trauma Investigators and the ANZICS Clinical Trials Group. Prehospital Tranexamic Acid for Severe Trauma. New England Journal of Medicine. 2023;389:127-136. DOI: 10.1056/NEJMoa2215457


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